No pais das grandes vozes ela talvez tenha sido a maior de todas. No dia da morte de Aretha Franklin, uma chuvosa quinta-feira (16) no hemisfério sul e, por coincidência, aniversário de 60 anos da cantora Madonna, o mundo parecia se dissolver. Vemos repetidas vezes nos noticiários e canais do Youtube Aretha cantando nas posses e eventos promovidos pelo casal Obama. Impossível não pensar que este tempo tão repleto de esperança e talento deu, rapidamente, lugar a outro: a era Trump.
Aretha é resultado de tudo o que de melhor e mais glorioso a América produziu. Não temos parâmetros, nem no Brasil e também em muito poucos países do mundo de um artista e ser-humano tão completos. O próprio então presidente Barack Obama, ao apresentar Aretha e outros artistas negros americanos definiu sem retoques: “Isto não é apenas música americana, isto é parte do que somos”.
Criada em Detroit, assim como várias outras cantoras, aprendeu o ofício na igreja de seu pai, Clarence LaVaughn Franklin, um pregador itinerante de Igreja Batista.
Sua casa vivia cheia de nomes lendários da música americana e do gospel como Mahalia Jackson, Dinah Washington, James Cleverland, Sam Cooke e Jackie Wilson. Foram companhias fundamentais para a formação da jovem cantora.
Sua carreira de fato começou mesmo no início da década de 60 pelas mãos de John Hammond, o mesmo produtor que lançou Bob Dylan, gravou Billie Holiday, Count Basie entre tantos outros. Mas foi apenas em 1967, já na Columbia Records, que a cantora gravou o que viria a ser a sua canção símbolo, o clássico “Respect”, de Otis Reding. A música tornou-se um símbolo da luta pelos Direitos Civis e, sobretudo, do feminismo:
[embed]https://www.youtube.com/embed/7kDGi8gYS18[/embed]“O que você quer Querido, eu tenho O que você precisa Você sabia que eu tenho? Tudo que eu estou pedindo É um pouco de respeito quando você vier pra casa (só um pouquinho) Ei, meu bem (só um pouquinho) quando chegar em casa”
Aretha Franklin conseguiu todo o respeito que precisava e queria, sem nunca perder de vista os seus. Com o país em vigília por sua saúde, foi lembrada pelo pastor Smith. Segundo ele, a cantora nunca se esqueceu de suas origens e, poucas semanas antes de morrer entrou em contato para saber como poderia se apresentar no concerto beneficente anual da igreja. “Temos que pedir a Deus para continuar este milagre porque é ótimo que ela tenha feito isso por tanto tempo”, disse Smith, quando a cantora ainda agonizava.
A cidade parou. A América e o mundo pararam com a sua partida. Mas é bom lembrar que ela recebeu honrosamente as flores em vida. Em 2017, a cidade de Detroit já havia dado o seu nome a uma de suas ruas.
A cantora que imortalizou sucessos como “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman” (1968), “Day Dreaming” (1972), “Jump to It” (1982), “Freeway of Love” (1985) e “A Rose Is Still A Rose,” (1998) recebeu praticamente todas as honras a que teve direito. Ganhou 18 Prêmios Grammy, três deles pelo conjunto da obra, foi considerada pela revista Rolling Stone como a maior cantora de todos os tempos e a primeira mulher a entrar para o Rock and Roll Hall of Fame.
Todos esses prêmios são poucos para lembrar o que ela significou para a América contemporânea e para o mundo. Tudo o que se puder dizer sobre Aretha, seus discos e sua voz é pouco.
Silêncio. A voz dos negros e das mulheres da América se calou.