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Mudança de regime e início de um conflito armado? Como evitar a manipulação e decifrar os últimos protestos no Irã? Leia na análise de Vinicius Sartorato
Por Vinicius Sartorato*
Para uma contextualização da política iraniana, é recomendável a leitura de artigos publicados em outras ocasiões nesta Fórum. O primeiro, no momento da eleição que reelegeu o atual presidente do país, Hassan Rouhani, e o segundo, durante visita realizada por Donald Trump ao Oriente Médio.
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Feita essa observação introdutória, podemos analisar os acontecimentos mais recentes. Mais precisamente os protestos que se espalharam pelo país desde 27 de dezembro de 2017, que culminaram em mais de 30 mortes e centenas de prisões.
A partir de uma profunda pesquisa em fontes iranianas (pró e contra o regime), bem como em veículos ocidentais, foram identificadas algumas peças importantes, como em um quebra-cabeças. Assim sendo, vale dizer que o primeiro passo é não avaliar o quadro político iraniano a partir de visões ocidentais, mas sim procurar entender as estruturas do país como elas são. Portanto, não cabe aqui julgar, mas sim analisar os fatos no contexto dado.
Como foram os protestos? Qual é o saldo político que realmente importa?
Diferentemente dos grandes protestos de 2009, que aconteceram em quase todo país, em especial na capital Teerã, próximos à eleição que reelegeu o polêmico Mahmmoud Ahmadinejad, os últimos protestos tiveram maior incidência em cidades como Mashhad – segunda maior cidade do país - e cidades menores como Rasht, Kermanshah, Ghom, Hamadan e Isfahan.
Desta vez, as manifestações tiveram uma forte inspiração político-econômica, com manifestantes de setores empobrecidos da classe trabalhadora urbana e rural, em especial pela inflação e desemprego – represados há anos, apesar de melhoras significativas na economia iraniana desde a eleição de Rouhani em 2013.
Apesar de os protestos terem sido essencialmente baseados no âmbito econômico, surgiram importantes demandas políticas, que vão desde o combate à corrupção – que atingem moderados e extremistas -, críticas às missões armadas no Líbano, Síria e Iêmen e a frustração relacionada ao Acordo Nuclear após a retirada e a pressão norte-americana, que aparecia como a “salvação de muitos problemas”. Neste sentido, vale dizer que desde a Revolução Islâmica (1979) que o país sofre retaliações e sanções ocidentais duríssimas.
Diante dos protestos, a guerra de informações entre iranianos e de meios ocidentais sedentos pelo “Regime Change” avançaram bastante. Para além das questões econômicas e políticas supracitadas, muitos líderes celebraram os tumultos. Enquanto os europeus mostraram cautela, Donald Trump e Netanyahu ganharam destaque, sendo que o presidente norte-americano chegou a ser mais incisivo, demonstrando apoio aos manifestantes, chamando, inclusive, o Conselho da ONU para intervir no país. Por outro lado, o russo Putin e o turco Erdogan responderam à altura, rejeitando qualquer intervenção da ONU e de estrangeiros em “assuntos internos” do Irã.
No exílio, lideranças laicas, liberais, democratas, socialistas, comunistas e de outras linhas reafirmaram a importância dos protestos em notas públicas, destacando os problemas reais do país no plano econômico e político, rejeitando, em sua maioria, entretanto, qualquer apoio à antiga família real ou a manutenção do regime teocrático - demonstrando uma análise importantes, mas ao mesmo tempo um distanciamento para realidade concreta e a oposição política ao governo e ao regime dentro do país.
Diferentemente do que a mídia ocidental tradicional procurou anunciar, não se trata de um “Regime Change”. Pelo contrário, as estruturas do Estado iraniano não demoraram a retomar o controle político do país, de forma dura, seja pela internet, seja na prisão de seus líderes. Porém, os iranianos realmente demonstram irritação com seu governo, dada longa batalha econômica e as condições de vida que possuem. A proposta de desenvolvimento econômico, distribuição de renda, liberalização cultural e combate à corrupção que garantiu a vitória e reeleição de Rouhani não se concretizam com força. Por outro lado, as acusações sobre mobilizações feitas pela internet por estrangeiros são verdades parciais, dado que as mobilizações foram feitas em grande parte em regiões majoritariamente apoiadoras do ex-presidente Ahmadinejad, réu em casos de corrupção, cada vez mais suspeito de ter ajudado a mobilizar a população.
São detalhes que abrem os próximos capítulos dessa história.
*Vinicius Sartorato é Sociólogo, Mestre em Políticas de Trabalho e Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha)
Foto: Epoch Times