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Por Leonardo Aragão* | Foto: Ricardo Stuckert
O dia 15 de março foi marcado por grandes mobilizações em todo o Brasil contra a Reforma da Previdência e a agenda de retrocessos que o governo de Michel Temer tenta impor à população, sobretudo às mulheres, jovens, negros, trabalhadores em geral e minorias sociais. Segundo os informes das entidades que construíram a jornada nacional, cerca de 1 milhão de pessoas tomaram as ruas do país.
Os efeitos desta data ainda não estão claros, mas este grande ato, cuja magnitude foi solenemente ignorada pela grande imprensa, mostra força para ser a mais relevante ação organizada por movimentos populares desde que o golpe contra a democracia brasileira foi posto em marcha, inclusive na capacidade de dialogar com setores da população que tinham rejeição à narrativa do golpe e que repudiavam a figura da presidenta Dilma Rousseff, contudo, começam a observar as reais intenções do governo de Michel Temer, muito distantes da “embalagem” do impeachment e sua promessa de “passar o país a limpo”.
Podemos estar presenciando uma retomada do contato da esquerda com as ruas em toda a América Latina. Na semana passada, milhares de professores foram às ruas na Argentina e iniciaram paralisação nacional por aumento de salários, exigindo a federalização dos reajustes, hoje a cargo dos 23 chefes do Executivo das províncias. Em campanha eleitoral, o Equador assiste à militância de esquerda defender o legado de Rafael Correa e apostar suas fichas em Lenín Moreno, candidato que pode ser o primeiro cadeirante a presidir um país na região.
É inegável o potencial anímico e de recarregar as energias do movimento popular que este tipo de ação organizada evidencia. Por mais que cada país tenha suas particularidades e suas formas de organização da luta social, a primeira vitória de um líder de esquerda na América do Sul, Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, foi o estopim de uma onda que mostrou ao povo que “sim, um outro mundo é possível”, se tornando um combustível para as vitórias seguintes na Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Uruguai, Chile e Paraguai. Conquistas que, integradas, modificaram profundamente a paisagem social e transformaram em caráter irreversível a relação dos cidadãos com o Estado na Pátria Grande.
A ocupação das ruas, em diálogo permanente com os setores atingidos pelas políticas neoliberais de Temer aqui e Macri na Argentina, pela relevância dos dois países no cenário político, econômico e social para o continente, serão decisivos na tentativa de retomada da conexão com os grupos que aderiram a projetos neoliberais e uma oportunidade de renovar programaticamente as estruturas partidárias e do movimento social, em uma sociedade cada vez mais fragmentada inclusive no que se refere à organização sindical e nas relações trabalhistas.
A continuidade desta tática, se levada a cabo pelos movimentos sociais de Brasil e Argentina, será um referencial para todos os coletivos latino-americanos que tentam implementar resistências aos programas recessivos ou ultrapassados formulados pela mesma turma de sempre, os homens velhos e brancos que há décadas dão as cartas no jogo político do continente (isso vale para a esquerda também, em certa medida).
Seguindo o exemplo de Fidel Castro, que disse esta frase a Ignacio Ramonet em sua biografia, lutar contra a injustiça, contra todo tipo de opressão, é servir, praticar e difundir a solidariedade. A luta, a resistência e a fraternidade entre todos os povos da América Latina, em ações coordenadas e solidárias, serão fundamentais para um novo ciclo de ascensão popular.
*Leonardo Aragão é jornalista graduado pela PUC-SP e especialista em gestão pública pela Unicamp. Foi assessor para a Participação Social no governo da presidenta Dilma Rousseff e atualmente está na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
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