Maduro vence queda de braço contra Trump e renegocia dívida pública

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Países como EUA, Espanha, Alemanha e França pressionam o governo da Venezuela; guerra econômica toma novas proporções Por Fania Rodrigues, no Brasil de Fato Apesar do cerco econômico contra a Venezuela, o presidente Nicolás Maduro venceu uma queda de braço contra o governo dos Estados Unidos e a União Europeia, nessa segunda-feira (13). De acordo com informações anunciadas pelo mandatário venezuelano, cerca de 400 compradores dos títulos da dívida do país, o que representa 91% dos investidores, reuniram-se com a equipe econômica do governo para discutir a proposta de renegociação. O encontro ocorreu no Palácio Branco, que faz parte do conjunto de edifícios do Palácio Presidencial de Miraflores. Em um comunicado oficial, na noite de segunda, o governo venezuelano informou que a reunião ocorreu com sucesso. "Foi iniciado, com contundente êxito, o processo de refinanciamento da dívida externa da Venezuela, como uma estratégia para cumprir com nossas obrigações, apesar de todas as tentativas do Departamento do Tesouro da administração Trump de tentar nos impedir", dizia o comunicado. Mesmo sob pressão, os investidores aceitaram sentar para dialogar e enviaram seus representantes. O Tesouro Americano informou que as sanções para quem renegociar títulos da dívida venezuelana podem chegar a 30 anos de prisão e multa de US$ 5 milhões para pessoa física, e US$ 10 milhões para instituições financeiras. Devido às ameaças de sanções, muitos dos investidores enviaram advogados ou representantes locais, para evitar atritos com o governo de Donald Trump, noticiou a agência de notícias Reuters. A União Europeia também aumentou a pressão internacional sobre a Venezuela nessa segunda-feira. O organismo anunciou um embargo de exportação de armas e vetou viagens em território europeu de autoridades venezuelanas e representantes de instituições que tenham ligação com o governo do país sul-americano. As contas bancárias de funcionários do alto escalão do Estado também poderão ser bloqueadas, segundo o anúncio do Comitê de Representantes Permanentes da União Europeia. O Ministério de Relações Exteriores venezuelano repudiou a decisão dos países europeus. "A República Bolivariana da Venezuela repudia energicamente a decisão do Comitê de Representantes Permanentes da União Europeia ao impor sanções ilegais, absurdas e ineficazes contra o povo da Venezuela. Essas medidas violam descaradamente o Direito Internacional e os sagrados princípios de soberania estabelecidos na Carta das Nações Unidas", apontou, em nota, a chancelaria. Na contramão dos EUA e da Europa, a Rússia anunciou, no final da semana passada, que “chegou a um resultado satisfatório" na renegociação da dívida venezuelana e que aceitaria as condições acordadas com o governo de Nicolás Maduro. Em 2011, a Rússia concedeu um empréstimo de US$ 8 bilhões à Venezuela, em forma de crédito. Agora, essa dívida só será paga a partir de 2019, de acordo com informações divulgada pelo canal HispanTV. Além disso, a empresa petroleira estatal russa, Rosneft, transferiu para o governo venezuelano outros US$ 6 bilhões no último mês de agosto, por uma compra antecipada de petróleo, que será fornecido até 2019. No entanto, os maiores compradores da dívida venezuelana não são os russos, nem os chineses, como acreditam alguns, mas sim investidores dos Estados Unidos. De acordo com a Bloomberg, uma agência de notícia especializada em economia de mercado, o maior comprador de títulos do governo da Venezuela é o banco Goldman Sachs, com US$ 2,07 bilhões de investimentos em títulos da dívida. Em seguida vem o fundo de investimento Black Rock, com U$ 1,7 bilhão; e, depois, o fundo Fidelity Management and Research com US$ 1,1 bilhão. Todos os três são instituições financeiras dos Estados Unidos. Juntos, os grandes e os médios investidores estadunidenses detêm mais de US$ 100 bilhões em títulos venezuelanos. De acordo com dados do Ministério de Economia e Finanças da Venezuela, 62% dos investidores que compraram títulos da dívida do país são norte-americanos. Além disso, o montante dos títulos vendidos nos Estados Unidos, no Canadá e no Reino Unido totaliza 80% dos investimentos. O presidente Nicolás Maduro afirmou que o país honrará todos os seus compromissos com investidores internacionais que compraram títulos da dívida e que não haverá default (palavra em inglês que se refere ao não pagamento da dívida). Por que a renegociação da dívida é importante? Quando um país entra em default, os organismos econômicos internacionais podem determinar o sequestro de bens, fundos e patrimônios que esta nação mantém fora do seu território. Sem recursos para comprar, a Venezuela poderia entrar em crise humanitária profunda, já que o país importa mais de 80% dos alimentos que consome. Além disso, 85% de sua renda vêm do exterior, a partir da venda de petróleo. Com o barril de petróleo em baixa e o bloqueio econômico internacional, a Venezuela mergulhou em uma crise sem precedentes. As dificuldades enfrentadas no país sul-americano ganharam novos contornos e complexidade depois que o governo dos Estados Unidos anunciou as sanções, proibindo a compra e a venda de títulos da dívida externa. Além disso, o governo Trump bloqueou contas bancárias venezuelanas com recursos públicos em dólar, destinadas à importação de alimentos e de remédios. A venda de títulos da dívida é um recurso utilizado pela maioria dos países do mundo para captar recursos no mercado financeiro e, assim, poder fazer investimentos. Por isso, a medida não só impossibilitou novas captações de recursos, como também acumulou uma dívida do governo com os investidores. Por isso, o presidente Maduro anunciou, na semana passada, que o país iria sentar para negociar com o compradores dos títulos da dívida. Segundo o economista venezuelano Toni Boza, o aprofundamento da crise obrigou o governo a repensar sua política econômica. "A Venezuela tem capacidade para pagar sua dívida, mas o governo revolucionário não vai sacrificar o povo, para pagar os banqueiros dos EUA", disse. Isso, porque o governo de Nicolás Maduro investe boa parte do orçamento do Estado em políticas sociais como educação, saúde, construção de casas populares e programas de redistribuição de renda. "Essa renegociação da dívida foi necessária, porque o governo da Venezuela fez uma previsão orçamentária para o ano de 2018 em que 72% do orçamento nacional do Estado será destinado a investimentos sociais. Isso quer dizer que é um governo que está preocupado com o bem-estar da população", destaca Boza. O governo teve que fazer escolhas de onde priorizar os investimentos quando a crise bateu à sua porta, ainda em 2012, com a queda do preço do petróleo, de acordo com o deputado constituinte Eduardo Piñate, presidente da Comissão de Economia da Assembleia Nacional Constituinte. "O primeiro fator que influenciou a economia foi a abrupta queda do preço do petróleo. Cerca de 80% da economia venezuelana depende do petróleo. Portanto, a queda do barril, em 2012, que era de US$ 100 e despencou para menos de US$ 50, impactou diretamente a vida do povo venezuelano. Em janeiro de 2014, arrecadamos US$ 3,5 bilhões e, no mesmo período de 2017, foram apenas US$ 77 milhões", aponta Piñate. Como a crise afeta a vida dos venezuelanos? Os remédios não chegam, os alimentos subsidiados pelo governo ficam presos em portos estrangeiros e deixam de ser distribuídos de forma regular. O dólar paralelo dispara, os preços dos alimentos sobem, o salário não alcança e as contas não fecham. Esse é drama do povo venezuelano, que enfrenta há anos os problemas de uma "economia sob ataque", relata o constituinte Eduardo Piñate. "Na Venezuela, não temos uma economia 'normal', porque estamos sob ataque permanente. As iniciativas que tomamos para melhorar a economia são bombardeadas o tempo todo", avalia o deputado constituinte. Como é possível notar, cada aumento salarial feito pelo governo gera uma disparada nos preços. O dólar paralelo sobe e, com ele, os alimentos e serviços. Logo vem a inflação e o governo aumenta novamente o salário mínimo. É uma bola de neve que nunca para. A operária Ledis Maria Simana diz que está cada vez mais difícil alimentar a família. "Há dois meses todo o meu salário vai para a compra de comida. Não sobra nada. Já faz três meses que a gente não recebe a cesta CLAP [uma cesta básica fornecida pelo governo a preços subsidiados]", afirma a trabalhadora de uma empresa de estampa de camisetas. Ela trabalha e mora no centro de Caracas e conta que até agosto sua família recebia a cesta básica pelo menos uma vez por mês e que depois ela parou de chegar. Agosto foi justamente o mês em os Estados Unidos implementaram o bloqueio contra a Venezuela. Além disso, ela relata dificuldade em conseguir alguns alimentos no centro da cidade. "Está cada vez mais difícil encontrar arroz e açúcar", relata a operária. Nos supermercados dos bairros de classe média, onde faltam poucas coisas, alguns produtos são quase impagáveis para a classe trabalhadora. Um quilo de queijo, de um dos tipos mais produzidos e consumidos no país, pode custar até 25% do salário mínimo. Mesmo para um economista renomado como Toni Boza é difícil explicar distorções econômicas como essa. "As questões que explicam a crise venezuelana vão além das variáveis econômicas. Não é um problema de insuficiente oferta ou de demanda. Não tem a ver a com uma falta de liquidez monetária. Essa crise é resultado de alguns fatores políticos, pois há uma oposição que pressiona por saídas antidemocráticas. Problemas complexos exigem soluções complexas", analisa o economista venezuelano. Boza e um grupo de economistas progressistas são autores de uma proposta que está sendo discutida e implementada pelo governo Maduro. Trata-se uma medida para fixar os preços de 50 produtos alimentícios essenciais, como carne, leite, ovos, farinha, arroz, entre outros. "É uma proposta parecida a que o ex-presidente Nestor Kirchner implementou na Argentina, depois da crise de 2002. Trata-se de um acordo baseado no consenso com os empresários. Não é regulação de preço, mas um acordo feito entre o governo, os produtores e empresários. E leva em conta todos os custos da cadeia produtiva”, explica. Apesar das dificuldades e o alto nível de especulação de preços, segundo o economista, houve melhorias nessa questão nos últimos dias. "Estamos avançando, já temos alguns produtos com preços definidos. Isso deve ser anunciado em breve pelo presidente Maduro", indica. Ledis Maria Simana não vê formas de isso acontecer agora. A trabalhadora disse que há dois meses é quase impossível comprar carne. "Está muito cara. Tem alguns cortes de carnes que já estão com preços fixados pelo governo, mas são apenas de segunda e são difíceis de encontrar", relata. Alguns empresários e comerciantes, no entanto, se recusam a chegar a um acordo do que seria o preço justo dos produtos. Aliados com setores opositores ao governo de Nicolás Maduro, parte do empresariado retira produtos de circulação para criar um ambiente de insatisfação na população. O relato da jornalista venezuelana Ambar Garcia retrata como funciona, na prática, a guerra econômica. "Semana passada meu pai foi comprar frango e percebeu que a coxa e a contra-coxa caíram de 29 mil bolívares, para 22 mil. Isso aconteceu no bairro de Cátia (zona oeste de Caracas). Essa semana não tem carne de vaca, nem de frango. Essa é uma ação dos comerciantes e dos matadouros que diminuem a produção para gerar desabastecimento. Diante de uma guerra, precisamos de medidas antiguerra", defende. O governo trabalha para chegar a um acordo também com os partidos opositores do país e, assim, frear a crise. Na próxima quarta-feira (15), os porta-vozes do governo e da Assembleia Nacional Constituinte realizam uma nova rodada de diálogo com os representantes dos partidos que fazem oposição ao chavismo. O encontro ocorre na República Dominicana. A assessoria de imprensa do Ministério de Economia informou que ainda nesta semana novas medidas econômicas devem ser tomadas para conter a inflação e o aumento de preços. Além disso, também nesta semana o valor do petróleo voltou a subir e o barril, dentro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), chegou a ser vendido a US$ 61, o que tende a trazer melhoras na economia.