Chile avança no combate ao financiamento empresarial de campanhas

“As empresas não poderão fazer doações de nenhum tipo. A transgressão dessas normas será considerada delito. Será o Estado que financiará o trabalho dos partidos. Para isso, eles terão que cumprir com as exigências e controles claros", disse a presidenta Michelle Bachelet, em pronunciamento à nação.

Escrito en GLOBAL el
“As empresas não poderão fazer doações de nenhum tipo. A transgressão dessas normas será considerada delito. Será o Estado que financiará o trabalho dos partidos. Para isso, eles terão que cumprir com as exigências e controles claros", disse a presidenta Michelle Bachelet, em pronunciamento à nação Por Marco Weissheimer, no Sul 21 O Chile foi sacudido no início desse ano com denúncias de corrupção atingindo políticos e empresários acusados de envolvimentos com práticas de lavagem de dinheiro, tráfico de influência e enriquecimento ilícito. Essas denúncias começaram em fevereiro, envolvendo o filho da presidenta Michelle Bachelet, Sebastián Dávalos, que renunciou ao cargo de assessor presidencial ainda em fevereiro, após uma reportagem publicada pela revista Qué Pasa, de Santiago. Segundo a publicação, Dávalos e a mulher, Natalia Compagnon, teriam conseguido um empréstimo bancário equivalente a US$ 10 milhões, sem renda suficiente para adquiri-lo pelos critérios do sistema bancário chileno. Com o dinheiro, o casal comprou terrenos que teriam sido vendidos por uma diferença de cerca de US$ 5 milhões. Como assessor presidencial, Dávalos administrava projetos sociais do governo chileno e costumava acompanhar a mãe, que é solteira, em eventos oficiais. Mas as denúncias não parariam por aí e atingiriam também integrantes da oposição. No início de março, dois empresários e outras quatro pessoas, entre elas um ex-vice-ministro do governo anterior de Sebastián Piñera, foram presos, acusados de envolvimento com doações de campanha irregulares, crimes fiscais e emissão de notas fiscais adulteradas. Apontado como o maior escândalo de corrupção do Chile, o chamado “Caso Penta” envolve políticos e altos nomes do setor empresarial, e deu origem a uma comissão parlamentar de inquérito encarregada de investigar as irregularidades. A Justiça decretou a prisão preventiva dos dois donos do grupo Penta, uma das maiores holdings empresariais chilenas, acusados de crimes tributários e suborno. A partir daí o Ministério Público chileno passou a investigar o braço político o caso, chamando para depoimentos vários dirigentes políticos, em especial do partido direitista União Democrata Independente (UDI), acusados de envolvimento em um esquema de fraude fiscal e financiamento ilegal de campanhas políticas no país, similar ao que é investigado neste momento também no Brasil. Em um pronunciamento à nação no dia 28 de abril, Michelle Bachelet anunciou uma profunda reforma política e administrativa contra a corrupção e a abertura de um processo constituinte para redigir uma nova Constituição, em substituição àquela outorgada pelo ditador Augusto Pinochet em 1980. No dia 7 de maio, Bachellet solicitou a renúncia a todo seu gabinete e fixou um prazo de 72 horas para anunciar a sua nova equipe ministerial. Pelo fim das doações de empresas a políticos Em seu discurso à nação, Bachelet defendeu mudanças constitucionais urgentes para desmontar o sistema no qual, segundo ela, a democracia e a política são capturadas pelo poder do dinheiro. Neste pronunciamento, a presidenta chilena propôs as seguintes medidas para mudar o sistema político-eleitoral do país: “As empresas não poderão fazer doações de nenhum tipo. A transgressão dessas normas será considerada delito. Será o Estado que financiará o trabalho dos partidos. Para isso, eles terão que cumprir com as exigências e controles claros. Terão que reinscrever todos os seus militantes, para tornar válidos os seus registros. Terão que ser internamente democráticos, ter contabilidade transparente e fiscalizada. Abrir espaço aos novos líderes. Fazer o investimento necessário para ter uma melhor vida pública e uma maior participação da cidadania. Regularemos detalhadamente o financiamento das campanhas eleitorais. O importante deve ser o debate de ideias. Por isso, reduziremos o gasto. Só será permitido fazer propaganda em zonas delimitadas”. No dia 11 de março de 2015, Bachelet criou o Conselho Assessor Presidencial Contra os Conflitos de Interesse, o Tráfico de Influências e a Corrupção, que recebeu a tarefa de “propor um novo marco normativo que permita o cumprimento efetivo dos princípios éticos, de integridade e transparência, em seus aspectos legais e administrativos para obter um eficaz controle do tráfico de influências, prevenção da corrupção e dos conflitos de interesse nos âmbitos dos negócios, da política e do serviço público, assim como na relação entre esses setores”. Para elaborar seu informe final o Conselho realizou audiências públicas e criou um canal para receber propostas de cidadãos individualmente. Presidido por Eduardo Engel, professor titular de Economia na Universidade do Chile e professor visitante na Universidade de Yale, o conselho reuniu renomados pesquisadores chilenos das áreas do Direito, Ciências Sociais e Políticas, Economia e Desenvolvimento. Desde o dia 11 de março, foram 45 dias de trabalho que envolveram 10 instituições estatais, 12 instituições ou organizações políticas, 12 especialistas internacionais (incluindo aí representantes do Banco Mundial e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), 51 organizações da sociedade e 53 propostas escritas apresentadas. Ao todo, foram realizadas oito audiências públicas nas cidades de Coquimbo, Valparaíso, Temuco, Concepción e Santiago, organizadas em torno de cinco grandes temas de debate: financiamentos de campanha, financiamentos de partidos, órgãos e fiscalização, conflitos de interesse e corrupção. Nestas audiências, 305 ideias foram apresentadas pelos participantes. Dez propostas contra a corrupção Entre outras propostas, o relatório final do conselho propôs o fim do financiamento de empresas para partidos e candidatos em campanhas eleitorais, o estabelecimento de um teto para as doações de pessoas físicas e a criação de um fundo público para o financiamento das campanhas. Confira dez das principais propostas apresentadas pela Conselho Assessor Presidencial Contra os Conflitos de Interesse, Tráfico de Influências e Corrupção: 1. Os funcionários das áreas sensíveis dos municípios devem realizar anualmente um curso sobre probidade e aqueles que atuam em áreas orçamentárias devem realizar um curso de contabilidade e gestão financeira municipal, ambos organizados pela Controladoria Geral da República. 2. Encarregados de compras e licitações e diretores de órgãos governamentais devem ser concursados. 3. Os avaliadores de licitações públicas estarão obrigados a firmar uma declaração juramentada da ausência de conflitos de interesse na operação. 4. Adequar penas, tipificação e prescrições dos delitos de corrupção de acordo com os padrões internacionais. 5. Pelo prazo de um ano, depois do término de suas funções, ministros, subsecretários e autoridades com papeis normativos e fiscalizadores não poderão trabalhar, prover serviços e manter vínculos comerciais com organizações privadas relacionadas com sua função prévia no governo. 6. Proibição de doações por parte de pessoas jurídicas para os partidos políticos e as campanhas eleitorais. 7. As pessoas físicas terão um teto para doação a partidos políticos e campanhas eleitorais. 8. Estabelecer um Fundo Público de Financiamento dos Partidos Políticos de aproximadamente $ 6.900 milhões de pesos anuais (valor equivalente ao gasto anual em campanhas eleitorais). 9. Estabelecer um período de pré-campanha, desde o dia das eleições primárias até 30 dias antes da eleição geral. Neste período, toda receita deve ser declarada à Justiça Eleitoral. 10. Estabelecer sanções proporcionais às faltas para os partidos que não cumpram os requisitos estabelecidos, podendo chegar até ao cancelamento do registro do partido. Foto de capa: Arquivo/Agência Brasil