Espancado por policiais aos 15 anos, Eric Adams entrou para a NYPD e se tornou um dos principais ativistas pela reforma da polícia no país; subprefeito do Brooklyn, já declarou querer se candidatar para a prefeitura nas próximas eleições
Por Terrell Jermaine Star, do AlterNet | Tradução por Isis Shinagawa, do Opera Mundi
Eric Adams tinha 15 anos quando policiais o prenderam por entrar indevidamente em propriedade privada. Eles o levaram ao porão de uma delegacia no Queens, em Nova York, e o espancaram de tal forma que ele urinou sangue pelos sete dias seguintes. Constrangido e envergonhado, ele não contou a ninguém sobre o acontecido. Quando Adams se lembra daquela semana, ele não tem certeza se contar sobre o episódio a alguém faria alguma diferença. O que poderia ser feito?
“Famílias negras sentiam medo demais para irem a um distrito policial denunciar um dos agentes”, diz Adams, 54, capitão aposentado da polícia de Nova York, a NYPD, e atual subprefeito do Brooklyn, bairro nova-iorquino. “Isso não acontecia; desejavávamos mínima ou nenhuma interação com policiais.”
A história se tornou uma parte fundamental da biografia de Adams. Foi a razão pela qual ele decidiu entrar na instituição para ajudar a transformar a percepção dos policiais nova-iorquinos sobre pessoas negras. Ele começou como um jovem policial ativista que estava em constante tensão com a NYPD, e hoje usa uma linguagem mais moderada quando fala sobre a relação entre a polícia e a comunidade. Atualmente é um político com aspirações assumidas ao cargo de prefeito da cidade. Ele ainda fala sobre a necessidade de reforma da polícia, especialmente após a morte de Eric Garner, homem negro sufocado por um policial nova-iorquino em julho de 2014. E por conhecer os dois lados da moeda, as pessoas tendem a escutá-lo.
Em 1984, quando ele se tornou policial, notou instantaneamente os estereótipos racistas que os policiais brancos mantinham em relação a pessoas negras. Entretanto, admitiu que quase teve a mesma linha de pensamento. “Em alguns momentos da minha carreira como policial me apeguei a estereótipos assim como meus colegas brancos”, declarou em entrevista a um programa de rádio norte-americano em dezembro do ano passado. “Você tem que realmente tomar cuidado cotidianamente para não cair na crença comum, porque você toma contato com um número grande de chamadas relativas a uma porção reduzida da comunidade que comete crimes que não dizem respeito à comunidade inteira”.
Adams se destacou em 1995, quando foi um dos fundadores de “100 Blacks in Law Enforcement Who Care” (“Cem policiais negros que se importam”, em tradução livre), um grupo de defesa contra os abusos policiais da NYPD, situado no Brooklyn. Ele criticava abertamente o então comissário de polícia de Nova York, Howard Safir, e o então prefeito Rudy Giuliani devido à agressividade dos policiais em comunidades negras. Suas críticas colocaram-no na mira do gabinete de assuntos internos do departamento. Foi iniciada uma investigação sobre o grupo e sobre Adams. Em 1999, o 100 Blacks foi acusado de “assediar” oficiais negros que lidavam com crimes de rua para falar sobre “atividades racistas” dentro da unidade. A sindicância foi finalizada em março do mesmo ano por falta de provas.
Adams não se deu por vencido. Ele criticou publicamente o então prefeito Rudy Giuliani mais uma vez em 2000, que divulgou ao público a ficha criminal de Patrick Dorismond, um homem negro desarmado morto por um policial disfarçado.
“Se estamos conferindo fichas criminais, eu mesmo fui preso aos 15 anos”, declarou Adams na época ao jornal The New York Times. “Isso faz com que uma pessoa não possa andar pela cidade? Quando foi que isso se tornou motivo para que um jovem seja alvo de um tiro? Alguém que queira justificar isso é doente.”
Em 2002, ele criticou o então comissário da NYPD, Ray Kelly, pela falta de diversidade no departamento e pelo apoio à prática “Stop and Frisk” (Pare e Reviste, em tradução livre), que focava desproporcionalmente jovens negros. Em 2006, depois de se aposentar após 22 anos na NYPD, Adams foi eleito para o Senado estadual de Nova York, representando o 20º Distrito Central do Brooklyn, de maioria negra. Ele se manteve no posto por oito anos, e logo depois concorreu e venceu as eleições municipais de 2013 para a sub-prefeitura do distrito do Brooklyn.
Adams seguiu condenando publicamente os abusos cometidos pelos policiais e as justificativas para os atos de violência.
No começo de dezembro de 2014, a Justiça dos EUA decidiu não indiciar Daniel Panteleo, o policial que aplicou uma técnica de estrangulamento proibida em Eric Garner, homem negro desarmado que morreu na hora. Quando os nova-iorquinos foram às ruas em protesto, Adams defendeu o direito à marcha e criticou Giuliani, seu velho inimigo, por desviar a discussão sobre a brutalidade policial para crimes envolvendo pessoas negras.
Tempos depois, ele defendeu os manifestantes da declaração do líder do sindicato da NYPD, Pat Lynch, que culpava os ativistas por criarem uma atmosfera de tensão que resultou na morte dos policiais Rafael Ramos e Wenjian Liu em 20 de dezembro, no Brooklyn. “Não podemos misturar as duas coisas”, declarou enquanto discursava em frente a um memorial improvisado no local onde os policiais foram mortos. “As pessoas que querem uma reforma policial não estão interessadas em vingança contra a polícia”.
Entretanto, ainda no mesmo local, ele disse à multidão de repórteres que os ativistas deveriam suspender as marchas até que os policiais fossem enterrados. “Está na hora de os nova-iorquinos se unirem.”
Quando indagado se aquele pedido de cancelamento dos protestos poderia ser visto como uma acusação indireta aos manifestantes pela morte dos policiais, ele disse que se tratava de permitir que as famílias dos oficiais vivenciassem o luto. “Acho que quem não entendeu isso cometeu um grande erro”, afirma. “Nada que pudesse engrandecer os argumentos dos ativistas seria maior do que dizer: ‘Nós não queremos que nossa discussão faça parte desse período de luto. Existe um período para que continuemos nossos protestos, para os nossos argumentos, mas uma pausa durante este período de luto é importante’.”
O sindicato de policiais, comandado por Pat Lynch, usou aquele momento para antagonizar Bill de Blasio, prefeito de NY, que declarou publicamente o medo de que seu filho, que é negro, sofresse nas mãos da polícia.
Adams criticou os oficiais por terem virado as costas para o prefeito durante o funeral do policial Ramos. Ele disse que, se fosse comissário de polícia, os teria acusado formalmente dentro da instituição e recomendado suspensão ou dispensa dos policiais que tiveram tal atitude. “Se eles querem agir desse modo enquanto civis, a Constituição lhes dá este direito”, afirmou. “Policiais possuem dois níveis de autoridade que nenhum outro norte-americano tem: eles podem tirar a liberdade e a vida de alguém. Quando você tem este nível de responsabilidade, você não pode seguir agindo como bem entender”.
Para o jornalista Errol Louis, especializado em cobrir assuntos políticos do município de Nova York, os antecedentes de Adams como ex-policial e crítico da NYPD podem servir para angariar alguns pontos agora, mas não devem ajudá-lo a alcançar um cargo mais alto em Nova York.
“Adams sempre foi um crítico da polícia diferenciado, porque ele atinge o equilíbrio entre reclamar das condições de trabalho e iniciar uma discussão ampla sobre as relações entre a polícia e a comunidade”, acredita Louis. “Este é um campo em que ele tem credibilidade ímpar. Isso pode desaparecer com o tempo, mas, por ora, é uma vantagem política enorme para Adams.”
Brooklyn é o maior distrito de Nova York, com mais de 2,5 milhões de residentes, e marca o início do “broken windows” [“janelas quebradas”, em tradução livre], uma prática policial que Adams apoia. Trata-se de multar pequenas infrações como urinar em locais públicos, vender cigarros nas esquinas ou fumar maconha em lugares públicos. Entre 2001 e 2013, de acordo com o jornal The New York Daily News, 81% dos 7,3 milhões de pessoas detidas por essas infrações eram hispânicas ou negras.
As comunidades do Brooklyn mais visadas pela prática – Crown Heights, Bedford-Stuyvesant, Brownsville e East New York – são majoritariamente negras. Adams demonstrou sua preocupação com relação à disparidade racial nas abordagens da polícia, expressando a necessidade de os residentes brancos estarem sujeitos da mesma forma a essas detenções.
Robert Gangi, diretor do Police Reform Organizing Project (Projeto de Organização da Reforma da Polícia, PROP, na sigla em inglês), acredita que Adams queira de fato a reforma, mas que a “broken windows” não é uma prática digna do apoio do subprefeito. “O que nós da PROP gostaríamos de ver, da parte dele e de outros políticos, é oposição declarada à ‘broken windows’”, afirma. “Os próprios números do governo mostram claramente o que qualquer observador mais atento pode ver: a ‘broken windows’ é uma prática racista que prejudica comunidades de minorias raciais de baixa renda. Cerca de 90% das pessoas detidas ou multadas pela NYPD por infrações leves são negras ou pardas, e as atividades que a polícia reprime nessas comunidades foram, na prática, descriminalizadas nas comunidades majoritariamente brancas.”
Adams sabe que o cargo de subprefeito limita o quanto ele pode pressionar os policiais para patrulharem todo o Brooklyn indistintamente. Ele também tem os olhos voltados para outros projetos, como a prefeitura da cidade. Durante um encontro com uma organização judaica do distrito em outubro do ano passado, ele elogiou o prefeito Bill de Blasio, mas declarou que “após oito anos, quando o prefeito de Blasio deixar de esquentar a minha cadeira, eu serei o próximo prefeito”.
Independentemente do orgulho em ostentar o emblema da NYPD, Adams diz que nunca poderá esquecer o dia em que policiais violentaram sua humanidade naquele porão – coincidentemente na mesma delegacia em que estão lotados os policiais que atiraram e mataram Sean Bell, homem negro desarmado, em 2006 – e como a experiência o motivou a seguir sua missão.
“Depois que o sangue parou de escorrer, pensei que tudo estava bem e que eu poderia seguir em frente e deixar tudo para trás”, conta. “Mas, na verdade, não deixei nada para trás. Aquilo ainda me perseguia e a única maneira de me livrar era mergulhando de cabeça dentro desse mundo. Entrei para a polícia para combater o demônio que ela criou”.
(Foto: Kathryn Kirk/Divulgação Facebook)