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Quase setenta anos após revolução liderada por Mao Zedong, os líderes da China e de Taiwan realizaram, no último sábado (7), um encontro histórico – repleto de simbolismo – marcado por tensões, expectativas e pelo clima eleitoral na ilha que serviu de refúgio às tropas nacionalistas de Jiang Jieshi, em 1949
Por Vinicius Wu*
Quase setenta anos após revolução liderada por Mao Zedong, os líderes da China e de Taiwan realizaram, no último sábado (7), um encontro histórico – repleto de simbolismo – marcado por tensões, expectativas e pelo clima eleitoral na ilha que serviu de refúgio às tropas nacionalistas de Jiang Jieshi, em 1949. Foi o primeiro encontro entre presidentes dos dois países. Não foi um acontecimento local. Trata-se de um encontro de grande relevância para a política internacional. Afinal, o continente asiático é palco de uma disputa aberta entre as duas maiores economias do planeta.
O governo de Beijing está consciente do impacto causado pela reunião realizada a menos de três meses das eleições em Taiwan. Não foi simplesmente uma tentativa de “influenciar o resultado das urnas”, como alguns analistas ocidentais se puseram a afirmar nas últimas semanas. É também uma sinalização clara a respeito das intenções dos chineses seja qual for o resultado eleitoral.
Há oito anos, os nacionalistas de Taiwan, sob a liderança de Ma Ying-Jeou, iniciaram uma política de aproximação à China, que enfrenta fortes resistências internas. A oposição, liderada pelo Partido Democrata Progressista (DDP), favorita para as eleições de 2016, criticou duramente o encontro realizado em Singapura.
A principal questão a ser enfrentada pelo novo governo de Taipé diz respeito à manutenção, ou não, do que os chineses chamam de status quo, um acordo não-oficial que estabelece a não invasão de Taiwan pela China em troca da não declaração de independência da ilha. Os nacionalistas não apenas trabalham pela manutenção do statusquo, como tem implementado uma política abertamente simpática ao bom relacionamento com Beijing.
Os chineses sabem que o encontro pode não alterar o cenário eleitoral, mas, garantiram ali um ato simbólico, que pode ser decisivo para definir as relações com o próximo governo. O porta-voz do DDP realizou, no início do ano, uma viagem aos Estados Unidos, que motivou uma forte reação do governo chinês. Na ocasião, Beijing afirmou se opor “firmemente” a qualquer movimento pró-independência. Há diferentes posições a respeito da relação com a China entre os membros do partido de oposição em Taiwan.
A questão de Taiwan é um elemento central para a política externa da China, em franca disputa com os EUA por influência na região. Mas, ao mesmo tempo, é um tema fundamental para a política interna e a própria sustentação do Partido Comunista Chinês (PCCh).
Afinal, o peso do orgulho nacional na história da China moderna é elemento chave à compreensão da trajetória recente da potência asiática. O “Império do Centro”, subjugado pelas potências imperialistas entre o final do século XIX e início do XX e fustigado pelo Japão ao longo da Segunda Grande Guerra, reergueu-se a partir do grande movimento nacionalista, sob o qual os comunistas apoiaram-se para fazer sua revolução.
O orgulho nacional, ao lado da melhoria das condições materiais de subsistência – assegurada pelo crescimento econômico expressivo dos últimos anos – são o combustível da legitimidade e da manutenção do poder político do PCCh.
Foi na poderosa energia mobilizadora do orgulho chinês que Mao Zedong procurou apoiar sua estratégia de tomada do poder. O achinesamento do marxismo realizado por Mao pressupunha que o orgulho cultural e histórico de seu povo não permitiria um caminho para a revolução que não fosse eminentemente chinês. O mito criado em torno da Longa Marcha o projetou como grande unificador de toda China. A ascensão de Mao, por sinal, guarda semelhanças com a ascensão das dinastias Han, Tang e Ming – articulando nacionalismo, disciplina e poder hipercentralizado.
O “caminho chinês” apontado por Mao expressou, acima de tudo, um método de ação política até hoje valorizado pela ortodoxia comunista. A mobilização do “orgulho chinês” em eventos recentes como a festa dos sessenta anos da Revolução ou mesmo os Jogos Olímpicos de 2008 são provas do apego dos líderes chineses ao método proposto por Mao.
O discurso de legitimação do regime transitou, nos últimos anos, do comunismo ao nacionalismo, perfazendo um caminho, aparentemente, sem volta. O Partido Comunista da China esforça-se, cada vez mais, em ser o partido “da” China. E abrir mão, formalmente, do controle sobre Taiwan seria um duro golpe sobre o orgulho nacional chinês, algo inadmissível para o atual regime.
Portanto, o encontro do último sábado é uma sinalização clara da disposição da China em manter o status quo. Uma eventual vitória da oposição em Taiwan colocará o debate no centro das relações entre os dois países. E a ideia de uma “uma só China” parece ser um ponto inegociável para os líderes de Beijing. O encontro de Singapura deixa uma marca que os futuros governantes de Taiwan não poderão ignorar.
(Foto: New China)
(*) Vinícius Wu, 35, é historiador. Foi idealizador e coordenador do Gabinete Digital do Estado do Rio Grande do Sul. Exerceu também as funções de Secretário-Geral de Governo do Estado do RS, Chefe de Gabinete do Governador do RS, Assessor Especial do Ministro da Justiça e Chefe de Gabinete da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Atualmente, é Secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura