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Em 1914, um jovem de 19 anos e seus dois disparos contra o arquiduque do império Austro-Húngaro desencadearam uma guerra mundial e cem anos de matanças. A administração Bush pode ter feito o mesmo com o Oriente Médio
Por William Rivers, em Truth-Out| Tradução: Vinicius Gomes
Ao longo desse final de semana, o mundo observou o que pode ser considerado um dos mais sombrios e sangrentos aniversários na história da humanidade. Cem anos atrás, em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando era assassinado junto de sua esposa por Gravrilo Princip, um sérvio-bósnio de 19 anos que era membro de um grupo conhecido como “Mão Negra”. O arquiduque foi atingido por duas balas e morreu em questão de minutos, enquanto sua esposa falecia no transporte para o hospital. Um mês depois, o império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, as outras grandes potências europeias logo entraram na briga e com cartazes ao vento e trompetes tocando, a incrível carnificina que foi a Primeira Guerra Mundial começou. O banho de sangue não terminou até novembro de 1918 e, uma vez que a fumaça e o gás mostarda se assentaram. Quatro dos grandes impérios da Europa – o russo, o otomano, o austro-húngaro e o alemão – deixaram de existir. Milhões foram mortos, grandes partes do continente estavam em ruínas e a velha prática napoleônica de marchas em batalhas de fileiras próximas foi substituída pela realidade letal da guerra mecanizada moderna. As consequências, no entanto, eram apenas o começo. O caos na Rússia, resultante da guerra, levou ao colapso do governo, a ascensão de Vladimir Lênin e o nascimento da União das Repúblicas Soviéticas Socialistas (URSS). Dez anos depois da criação da URSS, Josef Stálin foi nomeado secretário-geral do partido comunista. Ele permaneceu como o líder inquestionável da URSS até sua morte em 1953 e, durante todos esses anos, Stálin supervisionou um dos regimes mais paranoicos e cruéis que já existiu na face da Terra. No ápice de suas atrocidades, havia quase que mil execuções por dia, enquanto milhões mais “desapareciam” em gulags. Apesar disso, a União Soviética sob Stálin se tornou uma enorme potência industrial e uma presença dominante no cenário mundial. Na Alemanha, a bagunça deixada na esteira da guerra, como já era prevista, afetaria o planeta inteiro e o curso da História. A guerra e o armistício assinado ao seu fim, deixou a Alemanha em pedaços e humilhada. A raiva, as privações e o desespero que se seguiu no país com o fim da República de Weimar pavimentou o caminho para o crescimento do fascismo, ao qual um fracassado pintor chamado Adolf Hitler foi capaz de colher uma verdadeiramente amarga safra. Em 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, o genocídio do Holocausto estava a caminho e o massacre global que foi a Segunda Guerra Mundial encontrou as portas abertas. A Segunda Guerra Mundial engendrou a criação e o uso da bomba atômica e sua subsequente propagação colocou a raça humana sob o risco de extinção, um risco que persiste ainda hoje. Observando os princípios de governança de Stálin, o embaixador norte-americano em Moscou, George Kennan, escreveu e transmitiu o “Longo Telegrama” em 1946 – o documento creditado pela História como a gênese da Guerra Fria. O resultado da Segunda Guerra Mundial, combinada com a Guerra Fria em progresso, inspirou a aprovação do Ato de Segurança Nacional em 1947 e a criação do “Estado de Segurança Nacional” dos EUA – o qual engendrou a criação da Agência Central de Inteligência (CIA, sigla em inglês) e a Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla em inglês) – além de todos os seus valores de segredos e ampla vigilância. O Estado de Segurança Nacional, junto da hiper-militarização dos EUA causada pela Segunda Guerra, impulsionou o complexo militar-industrial e a decisão de colocar, e manter, a economia norte-americana em um permanente estado de guerra – um status que existe até hoje. Os incríveis lucros através da guerra, combinados com a paranoia da Guerra Fria e o imaturo oportunismo de políticos norte-americanos, semearam os dez anos de carnificina com a Guerra do Vietnã, assim como dúzias de outras “ações” ao redor do mundo, incluindo uma guerra no Iraque, novamente outra guerra no Iraque e, em breve, mais uma guerra no Iraque. Tudo isso ocasionado por duas balas, disparadas por um jovem de 19 anos, há cem anos. Todavia, essa é uma versão resumida e incompleta da história. Tecendo por essa tapeçaria de sofrimento, existem tranças de aleatoriedade e caprichos do destino: se o motorista de Francisco Ferdinando soubesse a rota que ele deveria ter tomado pelas ruas de Sarajevo, por exemplo, ele não teria feito uma curva errada e, inadvertidamente, colocado o arquiduque de frente com a pistola de Gravilo Princip. Dito isso, quantificar as inúmeras possibilidades de tudo “o que poderia ter sido” pelos últimos 100 anos desde que aquelas duas balas foram disparadas, é no fim, um exercício de futilidade. Aquilo aconteceu e cá estamos hoje. Faz-se menção de essa longa e sinistra trama da história na sombra do caos em progresso no Iraque. Nesse final de semana, o Estado Islâmico do Iraque e Síria (Isis, sigla em inglês), anunciou a criação daquilo que eles chamam de califado – que se expande em vastas porções de dois países. A atual situação da Síria e do Iraque – assim como em todo o Oriente Médio – pode ser depositada na conta da administração Bush e sua decisão de os EUA fazerem guerra no Iraque, uma decisão baseada em sonhos irresponsáveis imperialistas e o desejo de lucros políticos e financeiros. A situação está à beira de sair totalmente de controle podendo levar a região a uma conflagração, onde seu resultado ninguém pode saber com certeza. A bem simples moral da história: grandes nuvens se condensam com pequenas partículas, como Richard Bachman disse sabiamente certa vez. Indivíduos certamente precisam – enquanto governos absolutamente devem – pensar muito bem sobre as consequências de suas ações, antes de decidirem apertar o gatilho. Duas balas em Sarajevo desencadearam cem anos de carnificina. Algumas hábeis mentiras de alguns políticos norte-americanos podem muito bem ter desencadeado outros cem anos da mesma coisa."Não existe presente nem futuro, apenas o passado se repetindo e repetindo" - Eugene O´Neill