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A ONU propôs a adoção de um código de conduta para as corporações transnacionais na década de 1970, mas a ideia nunca chegou a ir adiante devido à vigorosa oposição do poderoso setor privado e dos países industrializados. Agora, a história volta a repetir-se
Por Thalif Deen, em IPS
O movimento para ressuscitar esta proposta – através da criação de um novo tratado internacional juridicamente vinculativo que vise a responsabilização das empresas transnacionais pelos abusos dos direitos humanos – tem vindo a ganhar força na atual sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que termina sexta-feira (27).
Ainda assim, tem gerado a mesma reação política dos anos 1970, com uma forte oposição dos interesses económicos e dos países industrializados, desta vez especificamente dos 28 membros da União Europeia (UE).
Jens Martens, diretor da Global Policy Forum Europa, uma organização independente que monitoriza o trabalho da ONU, disse à IPS que existe um acalorado debate no Conselho de Direitos Humanos sobre a criação de um grupo de trabalho intergovernamental que negoceie o instrumento juridicamente vinculante proposto com relação às transnacionais.
“Portanto, a discussão atual não se trata da substância do código de conduta ou tratado, mas do processo”, acrescentou.
A atual sessão do Conselho apresentou dois projetos de resolução em Genebra. Um patrocinado por Equador e África do Sul, que pede ao órgão que defina um grupo de trabalho intergovernamental. Este projeto tem o apoio do Grupo dos 77 (G77) países em desenvolvimento e de uma coligação de mais de 500 organizações não governamentais. Um segundo projeto de resolução, patrocinado pela Noruega, Rússia, Argentina e Gana, apoia o atual grupo de trabalho sobre empresas e direitos humanos e pede a extensão do seu mandato por mais três anos. O mesmo tem o apoio dos Estados Unidos, da UE e de outros.
Martens, co-autor do recente estudo A Influência Corporativa na Agenda Empresarial e de Direitos Humanos da ONU, disse que os “atores empresariais tiveram um êxito absoluto com a implantação de estratégias de relações públicas que contribuíram para apresentar as empresas comerciais como boas cidadãs corporativas”. Também deram a impressão de “procurar o diálogo com os governos, a ONU e as partes interessadas, e de serem capazes de implantar normas ambientais, sociais e de direitos humanos por meio de iniciativas voluntárias de responsabilidade social empresarial”, acrescentou o ativista.
Martens apontou que o Pacto Global e os Princípios Reitores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos são os principais exemplos de um enfoque supostamente pragmático baseado no consenso, no diálogo e na colaboração com o setor privado, em contraste com a estratégia reguladora. Alberto Villarreal, ativista da organização Amigos da Terra Uruguai, disse à IPS que, ao reconhecer o ativismo ambiental em todas suas expressões como uma legítima defesa dos direitos humanos, “podemos contribuir com a luta dos defensores dos direitos ambientais e mantê-los a salvo”.
A Global Exchange, uma ONG de direitos humanos com sede em Londres, apresentou uma lista das “dez principais empresas criminosas”, acusando-as de cumplicidade com violações dos direitos humanos e do ambiente. A relação inclui Shell/Royal Dutch Petroleum, Nike, Blackwater International, Syngenta, Barrick Gold e Nestlé, acusadas por péssimas condições de trabalho para os operários de suas fábricas, ausência de direitos sindicais, contaminação, trabalho infantil, despejo de lixo tóxico, práticas trabalhistas desleais, discriminação e destruição de terras indígenas para a exploração de minerais e petróleo.
Anne van Schaik, ativista da Amigos da Terra Europa, disse que muitos países apoiam a proposta de um tratado vinculante, mas que a UE advertiu que se negará a analisá-lo se este chegar a ser adotado. “Portanto, a UE boicota o Conselho de Direitos Humanos da ONU e defende os interesses das empresas, em lugar dos direitos humanos”, afirmou.
“Não estamos certos se este problema será resolvido amanhã”, respondeu Schaik quando a IPS lhe perguntou se a atual sessão do Conselho tomaria uma decisão a respeito. “A estratégia extremamente obstrucionista” da UE significa que, se a resolução for adotada, o bloco não participará do processo intergovernamental para criação do tratado e “prejudicará de maneira efetiva o processo democrático de tomada de decisões na ONU”, acrescentou.
Schaik explicou que a resolução da Noruega afirma que se deveria discutir o tema do acesso aos recursos, judiciais e não judiciais, para as vítimas de abusos dos direitos humanos derivados da atividade empresarial na agenda do Fórum de Empresas e Direitos Humanos. Na prática, isto significa que na sessão desta semana haverá uma discussão, mas não haverá consequências nem planos de acompanhamento, acrescentou.
O Equador propõe “criar um grupo de trabalho intergovernamental de composição aberta com mandato para elaborar um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre as empresas transnacionais com relação aos direitos humanos”, acrescentou Schaik. Isto significa que haverá um novo instrumento que indicará obrigações para transnacionais, o que é muito mais transcendente do que uma discussão num fórum da ONU, assegurou.
O estudo sobre o tratado de direitos humanos escrito por Martens centra-se especificamente nas respostas das companhias transnacionais e dos seus grupos de interesse diante das diversas iniciativas da ONU, e especifica os principais atores e os seus objetivos. Também destaca a interação entre as reivindicações privadas e a evolução dos debates regulamentares no fórum mundial.
O estudo apresenta um grau de influência que têm as corporações e a sua capacidade, em colaboração com poderosos Estados membros da ONU, para a adoção de normas internacionais vinculantes com relação às empresas transnacionais.
Por outro lado, a organização Repórteres Sem Fronteiras, com sede em Paris, exortou o Conselho de Direitos Humanos a promover a adoção de normas claras e vinculantes sobre a vigilância e a censura na internet. “As empresas vendem tecnologia a regimes autoritários que lhes permite fazer a vigilância em grande escala de sua população na internet”, afirmou a entidade num comunicado.
Esta tecnologia é usada na Líbia, no Egito, Marrocos e na Etiópia para deter, prender e torturar os dissidentes, e as companhias que fornecem esta tecnologia não podem afirmar que ignoram a situação, acrescentou a Repórteres Sem Fronteiras.