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Em meio a escândalos na família real, desilusão popular com os dois maiores partidos do país e uma crise econômica que nos últimos anos gerou enorme desemprego, o rei Juan Carlos da Espanha renuncia ao trono
Por Vinicius Gomes
[caption id="attachment_47645" align="alignleft" width="267"] O rei Juan Carlos é considerado um político astuto, por ter conseguido sobreviver ao franquismo e ter tido um papel muito importante para a transição democrática da Espanha (foto: WikiCommons)[/caption]
O rei Juan Carlos da Espanha anunciou a intenção de abdicar do trono e abrir o processo de sucessão para o seu filho, Felipe de Bourbon, o “Príncipe de Astúrias”, que reinará como Felipe VI. Ao informar nesta segunda-feira (2) sua decisão, o rei de 76 anos disse que “o Príncipe de Astúrias tem a maturidade e a determinação necessárias para assumir a chefia do Estado e abrir uma nova etapa” no país.
O presidente espanhol, Mariano Rajoy, disse que encontrou o rei "convencido de que este é o melhor momento para produzir esta mudança. Em seu discurso, Rajoy declarou que o rei "foi o melhor porta-voz e a melhor imagem do reino de Espanha por todos os cantos do mundo e um defensor incansável em defesa dos nossos interesses”.
Para analisar essa nova etapa do país ibérico, a Fórum conversou com o professor Luiz Guilherme Arcaro Conci*.
Revista Fórum - Em sua opinião, qual teria sido a maior influência na decisão do rei espanhol: a crise econômica e o ainda alto desemprego ou os recentes escândalos envolvendo a família real?
Luiz Guilherme Arcaro Conci - O rei Juan Carlos é considerado um político muito astuto. Conseguiu sobreviver ao franquismo e ter um papel muito importante para a transição democrática. Seu papel na Constituinte e na formação do primeiro governo espanhol a partir da Constituição de 1978 é reconhecido [por isso]. Na entrada para a União Européia também foi muito hábil. Tem, pessoalmente, muito respeito dos espanhóis. O mesmo não ocorre com a família, afundada na crise do caso Noos. O genro do rei causou-lhe imensos prejuízos políticos.
Não é possível dizer qual a verdadeira razão, mas o momento político, apesar de não ser excelente (crise econômica da qual a Espanha começa a sair, crise política fundada nos acontecimentos familiares e doença) mostra que a decisão parece ser estratégica: o momento não é o melhor, mas foi pior e poderá piorar muito. Se for isso, pensou astutamente na sobrevivência da monarquia.
Fórum - O que se altera politicamente na Espanha com o príncipe Felipe se tornando rei, especialmente em um momento em que os dois principais partidos do país foram mal nas eleições europeias?
Luiz Guilherme - O príncipe terá muita dificuldade em ganhar respeito dos espanhóis. Monarquias constitucionais como a espanhola dependem de mérito dos seus membros, coisa que o rei comprovou justificar sua permanência. Isso vai ser complicado num quadro de contenção de gastos públicos e agravamento do termômetro político especialmente com a consulta catalã. Mas, por outro lado, PP e PSOE estão fechados em alguns assuntos, o que demonstra potencial facilitação da estabilidade.
Mas monarquias como a espanhola dependem de apoio popular. Coisa que vamos ver como será nos próximos meses e anos. Sobre as [eleições] europeias, esse é um assunto que também influenciou o momento da abdicação do rei, pois o "El País" diz que ele avisou tanto ao [presidente Mariano] Rajoy quanto ao Rubacalba (PSOE) ainda em março, mas disse que não queria influenciar as eleições europeias. Todavia, como morei na Espanha, sei que os espanhóis também não são tão animados com essas eleições.
Fórum - Alguns partidos novos e de esquerda como o Podemos e o Izquierda Unida manifestaram o desejo de realizar um referendo sobre a eliminação ou não da monarquia. Qual seria o impacto disso na Espanha?
Luiz Guilherme - Qualquer referendo dependeria do apoio nas cortes gerais dos dois partidos majoritários PP e PSOE, ou seja, inviável sem eles. Os dois partidos não divergiam quanto ao rei Juan Carlos. O filho será uma nova história.
* Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); professor titular de Teoria do Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal; presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Federal.