A Rússia na lista de Washington para ‘mudança de regime’?

Os paramilitares neonazistas de hoje fazem parte de uma velha agenda ocidental. Nada há de anômalo na associação entre a classe capitalista dominante e a bandidagem fascista

Presidente russo Vladimir Putin (Escritório de Imprensa da Presidência Russa)
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Os paramilitares neonazistas de hoje fazem parte de uma velha agenda ocidental.  Nada há de anômalo na associação entre a classe capitalista dominante e a bandidagem fascista por Finian Cunningham, no Strategic Culture (traduzido pelo Coletivo Vila Vudu); reproduzido pelo Escrevinhador [caption id="attachment_43301" align="alignleft" width="300"] Presidente russo Vladimir Putin (Escritório de Imprensa da Presidência Russa)[/caption] Dias antes de o presidente ucraniano Viktor Yanukovych ser expulso do governo, ele foi informado pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden, de que era “fim de jogo”. Segundo o “Guardian” britânico, que cita funcionários não identificados dos EUA, Biden recriminou o presidente ucraniano, durante telefonema que durou uma hora, pelo fracasso de seus esforços para encontrar solução negociada para a crise ucraniana, os quais teriam chegado com  “um dia de atraso, e incompletos”. Não se pode dizer que tenha sido comentário amigável de observador neutro. Desde o fim de semana passado, Yanukovych desapareceu de circulação, com notícias de que estaria em algum ponto da Península da Crimeia, no sudeste da Ucrânia. Um ex-chefe de gabinete, Andriy Kluyev, foi ferido em ataque a tiros, por ‘manifestantes’ antigoverno. Outros membros do Partido das Regiões de Yanukovych também fugiram dos gabinetes no Parlamento, temendo ataques similares; o que deixou a Câmara legislativa entregue a bandos da oposição. Esse parlamento ilegítimo rapidamente aprovou acusações formais contra o ex-presidente e altos funcionários do governo, como responsáveis pelas dúzias de mortos durante os três meses de tumultos e protestos. O clima de terra sem lei governado por gangues que já se implantou em Kiev espalhou-se para outras partes do país, com as comunidades pró-Rússia, sobretudo, já temendo guerra civil[1] em toda essa ex-República Soviética. Esse clima de medo é reflexo do golpe de estado construído e lançado contra presidente eleito e seu governo. A chegada essa semana do vice-secretário de Estado dos EUA Williams Burns à capital da Ucrânia,[2] “para discutir com figuras políticas e empresariais” o futuro do país é mais uma evidência de que todo o golpe de estado foi evento patrocinado e promovido por Washington. Por que mais o vice-presidente dos EUA Joe Biden tanto se interessaria pelos assuntos internos da Ucrânia a ponto de telefonar várias vezes da Casa Branca ao infeliz Yanukovych, nas últimas semanas? Essa interferência criminosa nada “encoberta” dos EUA, em estado soberano, já não surpreende ninguém. O secretário de Estado dos EUA John Kerry e outros líderes ocidentais a repetirem que a Ucrânia não seria “batalha entre o Leste e o Oeste”[3] é, no mínimo absurdo risível, sempre devidamente regurgitado servilmente pela chamada imprensa de notícias ocidental, para consumo popular. A Ucrânia já estava na lista de ‘mudança de regime’ desde o início dos anos 1990s, quando o país foi atacado pela primeira vez por Zbigniew Brzezinski e outros ‘estrategistas’ do império norte-americano, como área desprotegida, um baixo ventre vulnerável, para desestabilizar a Rússia. A ‘revolução laranja’ patrocinada pelo ocidente, de meados dos anos 2000s, e que abriu a Ucrânia para ser saqueada pelo capital ocidental, já se deixa ver hoje, bem claramente, como um ensaio geral para a operação de golpe para ‘mudança de regime’ que hoje se vê em curso. De fato, a Ucrânia já pode ser acrescentada ao conhecido inventário de países alvos de golpes para ‘mudança de regime’ que foi revelado em 2007 por Wesley Clark, general norte-americano de quatro estrelas. Há quase sete anos, Wesley Clark foi a público e contou como Washington tinha um plano em andamento, no mínimo desde o final de 2001, quando o país invadiu o Afeganistão, e que incluía a ambição de ‘mudar o regime’ em outros seis países – Iraque, Síria, Líbano, Somália, Sudão e Irã. Todos esses países sofreram, em maior ou menor grau, a agressão por operação militar clandestina liderada por Washington, a mais intensa das quais se vê hoje na Síria, onde EUA e aliados financiam e armam uma insurgência estrangeira infiltrada ali. Além dos conhecidos já sete alvos (incluindo o Afeganistão), eventos recentemente orquestrados na Ucrânia e provas de evidente intervenção ocidental também fazem desse país mais um item na agenda de governos a derrubar, de Washington. Além do mais, é cada dia mais visível que não só a Ucrânia é alvo dos intentos criminosos. A violência das manifestações de rua na Venezuela para desestabilizar o governo do presidente socialista Nicolás Maduro são, sem dúvida possível, também maquinações da interferência de Washington na Venezuela. E a subversão de hoje faz lembrar a tentativa de golpe, também apoiada pelos EUA, contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002. Em anos recentes, Washington também esteve ativa em golpes para mudança de regime ou tentativa de golpe em Honduras e no Uruguai [Nota do Escrevinhador: o autor, provavelmente, confundiu Uruguai com Paraguai - onde de fato houve um "golpe institucional, com apoio dos EUA, contra o então presidente Lugo] e foi cúmplice da intervenção militar ilegal da França em vários pontos da África, incluindo Costa do Marfim, Mali e atualmente na República Centro-Africana. Golpes para ‘mudança de regime’ são procedimento operacional padrão para Washington e seus procuradores. Não é alguma aberração irracional: é movimento estrutural. Na longa perspectiva histórica que vai até o surgimento dos EUA como potência imperial entre meados e o final dos anos 1800s, Washington já esteve envolvida em mais golpes, contragolpes, guerras de subterfúgio e agressões por todo o planeta, que qualquer outro estado. Apesar das aparentemente sinceras declarações de que não há intervenção do ocidente na Ucrânia, o único modo de compreender o torvelinho que tomou conta daquele país é analisá-lo no contexto das ambições imperialistas de Washington, em nome do capitalismo ocidental. Essa agenda é, infelizmente, seguida por sucessivos governos europeus, que demonstram suas prioridades políticas subscrevendo o diktat do capitalismo liderado pelos EUA na direção de ‘austeridade’ econômica contra seus próprios cidadãos, e garantindo carta branca a Washington para que viole o quanto queira a lei internacional. A verdade sistêmica é que o capitalismo não pode ser sustentado sem a conquista imperialista. É especialmente verdade em tempos de crise do capitalismo, e a atual conjuntura é, provavelmente, a mais profunda crise histórica surgida ante a viabilidade do capitalismo liderado pelos EUA. O imperialismo, com sua proclividade para a intervenção em países estrangeiros, a subversão e a indução a sempre mais guerras está, portanto, hoje no seu ponto mais agudo de necessidade de manifestar-se, para aliviar a estagnada ordem econômica liderada pelos EUA. E é isso que torna a atual situação global tão perturbadoramente perigosa. Essa conexão estrutural entre o capitalismo e o imperialismo foi exposta, em toda a sua conexão lógica, em 1916, por um líder russo bolchevique, Vladimir Lênin, em seu estudo O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo.[4] As intuições de Lênin relacionadas às causas econômicas e sistêmicas da 1ª Guerra Mundial resistiram ao teste do tempo, por mais que tenham sido censuradas e excluídas da consciência ocidental ‘oficial’. Aquelas intuições de como as crises do capitalismo alimentam a predação imperialista aplicam-se, igualmente precisas e cogentes também para explicar as origens da 2ª Guerra Mundial e de muitos outros conflitos internacionais subsequentes, inclusive o surto atual de golpes para mudança de regime patrocinado pelos EUA em diferentes continentes. A análise de Lênin dá conta do motivo pelo qual Washington escalou no seu vício de provocar golpes de mudança de regime por todo o planeta ao longo da última década, a partir do momento em que a ordem capitalista comandada pelos EUA viu-se encurralada numa depressão que já parece insuperável. Como em outras vezes, a guerra e o assalto imperialista são o único modo que o sistema conhece para aliviar sua própria tendência destrutiva, gerando impasses. Não surpreende, portanto, ironicamente, que um dos primeiros atos dos manifestantes fascistas patrocinados pelo ocidente em Kiev, ainda no final do ano passado, tenha sido destruir monumentos que homenageavam Lênin. O que se passa hoje na Ucrânia está afinado com a dinâmica histórica maior que os EUA e seus fantoches ocidentais aprofundaram, em seu ímpeto imperialista – por todo o planeta. Em última instância, os alvos dos capitalistas ocidentais são os dois principais rivais geopolíticos, como os capitalistas ocidentais os veem: Rússia e China. Esses países são obstáculos no caminho do expansionismo doentio dos capitais ocidentais na Eurásia e no Pacífico. Nesse sentido, desgraçadamente, a Ucrânia deve ser vista como mera cabeça-de-ponte para os planos de golpe e mudança de regime, dos EUA, contra a própria Rússia. Com a ascensão do presidente Vladimir Putin da Rússia como líder global, que se tem oposto à agressão nua e crua pelo ocidente a outros países (hoje, declaradamente, no caso da Síria), aquela “obstrução” elevou a Rússia à posição de objetivo prioritário, para Washington. É o que se vê nas repetidas ameaças de escalada militarista dos EUA contra a Rússia (e a China), sob a forma de implantação de mísseis balísticos junto às fronteiras, expansão do armamento nuclear (eufemisticamente chamado “upgrade”e a velada doutrina da capacidade para “o primeiro ataque”. A Ucrânia ilustra um desdobramento aterrorizante de uma tendência que se vem desenvolvendo no imperialismo norte-americano ao longo da última década. A cada dia que passa, mais se vê claramente qual o trunfo a que visam as várias operações clandestinas conduzidas pelos EUA, para mudança de regime no mundo: Moscou. Mas, na verdade, não é simples caso de os EUA retomarem a velha Guerra Fria pós-1945 contra a Rússia. A guerra capitalista global comandada pelos EUA contra a Rússia tem passado mais longo: vai até à Revolução de Outubro de 1917. O massacre da Rússia Soviética pela Alemanha Nazista foi plano ocidental para subjugar um vasto território que se posicionara fora do controle do capitalismo ocidental. (O que é assunto para outra coluna.) Os paramilitares neonazistas[5] que o ocidente mobilizou para desestabilizar a Ucrânia (e a Rússia) hoje trazem ecos de uma agenda velha, sistemática, de golpes para mudança de regime, do ocidente imperialista contra o oriente, e por toda a parte. Nada há de anômalo na associação entre a classe capitalista dominante e a bandidagem fascista, hoje. Essa é uma associação histórica.**** ——————————————————————————– [1] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/21/war-in-ukraine-what-is-its-hidden-purpose.html [2] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/25/ukraine-coup-staged-new-order-established-first-steps-taken-tendencies-taking-shape.html [3] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/21/west-woos-maidan-fascists-of-convenience.html [4] LÊNIN, Vladimir Ilitch [jan.-jun. de 1916], O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, in LÊNIN, Obras Escolhidas, tomo 2, Lisboa-Moscou: Editorial Avante!/Edições Progresso, 1984, emhttp://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/ [NTs]. [5] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/20/cia-use-nazi-strategy-ukrainian-right-wing-nationalists-unabated-since-cold-war.html