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Guerra mexicana contra os cartéis da droga, que já deixou mais de 80 mil mortos desde 2006, testemunha o perigo de legitimar modelo onde se combate "ilegalidade com ilegalidade"
Por Daniela Pastrana, em IPS/Envolverde
[caption id="attachment_41996" align="alignleft" width="480"] Um grupo de autodefesa na zona de Tierra Caliente, em Michoacán, que desde 2013 combate de forma ilegal o cartel do narcotráfico e que agora o governo busca regularizar.
Foto: Félix Márquez/IPS[/caption] “No longo prazo, o que nos dará a regulamentação das autodefesas? Acredita que tenho aptidão ou vocação profissional para ser policial?”, questionou Juan Carlos Trujillo, um ativista pela paz do estado mexicano de Michoacán. Fugitivo da violência e com quatro irmãos desaparecidos, Trujillo, da localidade de Pajacuarán, não espera muito da última estratégia do governo do presidente Enrique Peña Nieto para enfrentar a guerra travada nesse Estado do sudoeste do país. Os protagonistas da batalha são, de um lado, os Cavaleiros Templários, principal cartel do narcotráfico assentado na região e, de outro, as autodefesas de Michoacán, uma espécie de confederação de grupos civis armados ilegalmente, formado em abril de 2013, diante da falta de resposta do Estado para garantir sua segurança. Depois de meses de choques armados, que chegaram a um ponto culminante em janeiro, as autodefesas acompanharam, no dia 9 deste mês, efetivos policiais e militares na tomada do município de Apatzingán, considerado um reduto dos Templários, sem disparar um só tiro e sem capturar nenhum chefe desse cartel. Cerca de cem membros desarmados das autodefesas fizeram uma marcha pela paz e asseguraram que não partirão do município “enquanto este não estiver limpo”. Essa operação aconteceu depois da assinatura, em 27 de janeiro, de um insólito convênio entre o governo mexicano, o governador de Michoacán, Fausto Vallejo, e os líderes das autodefesas, que responde à decisão presidencial de incorporar dez mil civis armados ilegalmente em Michoacán aos Corpos de Defesa Rurais das polícias municipais. O primeiro dos oito pontos desse acordo diz que “as autodefesas serão institucionalizadas ao se incorporarem aos Corpos de Defesa Rurais”. Para isso deverão apresentar uma lista com os nomes de seus integrantes e o registro será controlado pelo exército. As autodefesas também estão obrigadas a registrar as armas que possuem ou portam, enquanto as forças federais se comprometem e “fornecer as ferramentas necessárias para sua comunicação, traslado e operação”. No complicado quebra-cabeça de Michoacán, o acordo não convence ninguém. Especialistas em segurança alertam para o perigo de legitimar um modelo paramilitar. Erubiel Tirado, pesquisador da Universidade Iberoamericana, disse à revista Processo que o governo “combateu ilegalidade com ilegalidade” e que criou, com as autodefesas, uma “versão pós-moderna de Chucho el Roto”, sobrenome de Jesús Arriaga (1858-1894), um mítico ladrão mexicano que, como Robin Hood, roubava dos ricos para dar aos pobres. Outra preocupação, sobretudo das organizações de defesa dos direitos humanos, é que as mesmas regras são aplicadas aos diferentes grupos de autodefesas criados no país nos últimos anos. “Não se pode estabelecer uma medida geral para todas as autodefesas. Deve ser caso a caso”, opinou à IPS a advogada Karla Michelle Salas, da Associação Nacional de Advogados Democráticos. Para Salas, “deve-se distinguir casos como os de Cherán ou a Comunitária de Guerrero, onde as autodefesas obedecem a uma forma histórica de organização dos povos mediante seus usos e costumes”. A advogada insistiu que “tampouco temos todos que nos tornar policiais porque o Estado não cumpre a obrigação de garantir a segurança. Para muitos dentro dos grupos de autodefesas, não interessa se manter armado e, na medida em que o Estado faz seu trabalho, poderão deixar as armas”. O Conselho Maior do povo indígena de Cherán, de aproximadamente 13 mil habitantes, também vê com desconfiança o acordo. “Tivemos cuidado para que não registrem nossos nomes” no acordo de regularização das autodefesas, explicou à IPS um dos integrantes do Conselho, Trinidad Ramírez. “O que propõem é cooptá-los para integrá-los à polícia, mas se a polícia é frequentemente levada a reboque pelo crime, não podemos esperar que isso seja bom”, pontuou. Cherán é uma comunidade purépecha que ficou famosa porque, em abril de 2011, se entrincheirou contra grupos criminosos que saqueavam suas terras, depôs suas autoridades municipais e instaurou um governo baseado em suas tradições. Desde então o povoado está cercado por barricadas e protegido por seus próprios moradores. Pelas cabeças desses purépechas não passa a menor possibilidade de se desarmar. “Não vamos deixar as armas”, assegurou Ramírez. “Temos lições aprendidas porque a gente tem memória. E porque ninguém está acabando com o crime em Michoacán, cujas máfias estão apenas se reacomodando”, afirmou. O dirigente purépecha destacou que “desmantelar um desses grupos vai além dos líderes, porque possuem uma estrutura de organização que se um cai já tem que o substitua”. O cenário não poderia ser mais complexo e o acordo entre governo e autodefesas deixa, no momento, mais dúvidas do que certezas, além de ser visto por muitos analistas como um golpe publicitário de Nieto. O presidente se atreve a aventurar uma saída próxima do conflito, no qual o governo mexicano tem uma atitude ambivalente. As autodefesas proporcionam informação às forças regulares e várias vezes as acompanharam em operações para recuperar um povoado sob controle dos Templários. Contudo, em outros momentos, ficam sozinhas. Em 13 de janeiro o governo lançou uma operação para desarmar os grupos de autodefesas, que acabou com três civis mortos. Porém, não houve desarmamento, e em 21 de janeiro, os Templários e as autodefesas se enfrentaram a tiros durante três horas em duas comunidades dos municípios de Parácuaro e Apatzingán, enquanto um helicóptero do exército sobrevoava a área com ordem de não intervir, segundo os jornalistas locais. “É a estratégia ‘Iodex’, de morde e assopra”, observou Arturo Cano, experiente jornalista do diário La Jornada, de circulação nacional. Para os moradores de Michoacán, as possibilidades de normalizar sua vida ainda parecem distantes. “Gostaria de regressar ao meu povoado e fazer uma organização que aponte e vigie os governantes”, contou o ativista Trujillo. “Creio que estes senhores das autodefesas poderiam fazer o mesmo, mas não como grupos inseridos no Estado, mas como um observatório cidadão. Essa é minha humilde opinião, mas agora… pois não há condições”, afirmou. Trujillo é mais uma das vítimas da guerra mexicana contra os cartéis da droga, instaurada pelo presidente anterior, Felipe Calderón (2006-2012), que já deixou mais de 80 mil mortos e 20 mil desaparecidos.
Foto: Félix Márquez/IPS[/caption] “No longo prazo, o que nos dará a regulamentação das autodefesas? Acredita que tenho aptidão ou vocação profissional para ser policial?”, questionou Juan Carlos Trujillo, um ativista pela paz do estado mexicano de Michoacán. Fugitivo da violência e com quatro irmãos desaparecidos, Trujillo, da localidade de Pajacuarán, não espera muito da última estratégia do governo do presidente Enrique Peña Nieto para enfrentar a guerra travada nesse Estado do sudoeste do país. Os protagonistas da batalha são, de um lado, os Cavaleiros Templários, principal cartel do narcotráfico assentado na região e, de outro, as autodefesas de Michoacán, uma espécie de confederação de grupos civis armados ilegalmente, formado em abril de 2013, diante da falta de resposta do Estado para garantir sua segurança. Depois de meses de choques armados, que chegaram a um ponto culminante em janeiro, as autodefesas acompanharam, no dia 9 deste mês, efetivos policiais e militares na tomada do município de Apatzingán, considerado um reduto dos Templários, sem disparar um só tiro e sem capturar nenhum chefe desse cartel. Cerca de cem membros desarmados das autodefesas fizeram uma marcha pela paz e asseguraram que não partirão do município “enquanto este não estiver limpo”. Essa operação aconteceu depois da assinatura, em 27 de janeiro, de um insólito convênio entre o governo mexicano, o governador de Michoacán, Fausto Vallejo, e os líderes das autodefesas, que responde à decisão presidencial de incorporar dez mil civis armados ilegalmente em Michoacán aos Corpos de Defesa Rurais das polícias municipais. O primeiro dos oito pontos desse acordo diz que “as autodefesas serão institucionalizadas ao se incorporarem aos Corpos de Defesa Rurais”. Para isso deverão apresentar uma lista com os nomes de seus integrantes e o registro será controlado pelo exército. As autodefesas também estão obrigadas a registrar as armas que possuem ou portam, enquanto as forças federais se comprometem e “fornecer as ferramentas necessárias para sua comunicação, traslado e operação”. No complicado quebra-cabeça de Michoacán, o acordo não convence ninguém. Especialistas em segurança alertam para o perigo de legitimar um modelo paramilitar. Erubiel Tirado, pesquisador da Universidade Iberoamericana, disse à revista Processo que o governo “combateu ilegalidade com ilegalidade” e que criou, com as autodefesas, uma “versão pós-moderna de Chucho el Roto”, sobrenome de Jesús Arriaga (1858-1894), um mítico ladrão mexicano que, como Robin Hood, roubava dos ricos para dar aos pobres. Outra preocupação, sobretudo das organizações de defesa dos direitos humanos, é que as mesmas regras são aplicadas aos diferentes grupos de autodefesas criados no país nos últimos anos. “Não se pode estabelecer uma medida geral para todas as autodefesas. Deve ser caso a caso”, opinou à IPS a advogada Karla Michelle Salas, da Associação Nacional de Advogados Democráticos. Para Salas, “deve-se distinguir casos como os de Cherán ou a Comunitária de Guerrero, onde as autodefesas obedecem a uma forma histórica de organização dos povos mediante seus usos e costumes”. A advogada insistiu que “tampouco temos todos que nos tornar policiais porque o Estado não cumpre a obrigação de garantir a segurança. Para muitos dentro dos grupos de autodefesas, não interessa se manter armado e, na medida em que o Estado faz seu trabalho, poderão deixar as armas”. O Conselho Maior do povo indígena de Cherán, de aproximadamente 13 mil habitantes, também vê com desconfiança o acordo. “Tivemos cuidado para que não registrem nossos nomes” no acordo de regularização das autodefesas, explicou à IPS um dos integrantes do Conselho, Trinidad Ramírez. “O que propõem é cooptá-los para integrá-los à polícia, mas se a polícia é frequentemente levada a reboque pelo crime, não podemos esperar que isso seja bom”, pontuou. Cherán é uma comunidade purépecha que ficou famosa porque, em abril de 2011, se entrincheirou contra grupos criminosos que saqueavam suas terras, depôs suas autoridades municipais e instaurou um governo baseado em suas tradições. Desde então o povoado está cercado por barricadas e protegido por seus próprios moradores. Pelas cabeças desses purépechas não passa a menor possibilidade de se desarmar. “Não vamos deixar as armas”, assegurou Ramírez. “Temos lições aprendidas porque a gente tem memória. E porque ninguém está acabando com o crime em Michoacán, cujas máfias estão apenas se reacomodando”, afirmou. O dirigente purépecha destacou que “desmantelar um desses grupos vai além dos líderes, porque possuem uma estrutura de organização que se um cai já tem que o substitua”. O cenário não poderia ser mais complexo e o acordo entre governo e autodefesas deixa, no momento, mais dúvidas do que certezas, além de ser visto por muitos analistas como um golpe publicitário de Nieto. O presidente se atreve a aventurar uma saída próxima do conflito, no qual o governo mexicano tem uma atitude ambivalente. As autodefesas proporcionam informação às forças regulares e várias vezes as acompanharam em operações para recuperar um povoado sob controle dos Templários. Contudo, em outros momentos, ficam sozinhas. Em 13 de janeiro o governo lançou uma operação para desarmar os grupos de autodefesas, que acabou com três civis mortos. Porém, não houve desarmamento, e em 21 de janeiro, os Templários e as autodefesas se enfrentaram a tiros durante três horas em duas comunidades dos municípios de Parácuaro e Apatzingán, enquanto um helicóptero do exército sobrevoava a área com ordem de não intervir, segundo os jornalistas locais. “É a estratégia ‘Iodex’, de morde e assopra”, observou Arturo Cano, experiente jornalista do diário La Jornada, de circulação nacional. Para os moradores de Michoacán, as possibilidades de normalizar sua vida ainda parecem distantes. “Gostaria de regressar ao meu povoado e fazer uma organização que aponte e vigie os governantes”, contou o ativista Trujillo. “Creio que estes senhores das autodefesas poderiam fazer o mesmo, mas não como grupos inseridos no Estado, mas como um observatório cidadão. Essa é minha humilde opinião, mas agora… pois não há condições”, afirmou. Trujillo é mais uma das vítimas da guerra mexicana contra os cartéis da droga, instaurada pelo presidente anterior, Felipe Calderón (2006-2012), que já deixou mais de 80 mil mortos e 20 mil desaparecidos.