Derrubada da barreira que separava as duas Alemanhas virou símbolo do fim da Guerra Fria; cidade comemora com instalações de balões representando muroPor Rafael Targino, em Opera Mundi
A queda do Muro de Berlim, um marco do fim da Guerra Fria e símbolo do desmantelamento do bloco socialista do leste europeu, completa 25 anos neste domingo (9) Antes desse aniversário histórico, conheça 25 fatos sobre a barreira que dividiu a Alemanha por 28 anos:
1. A Alemanha Oriental surgiu antes do Muro de Berlim: A Alemanha Oriental – conhecida em português pela sigla RDA (DDR, em alemão) – surgiu anos antes da construção do Muro. Em 7 de outubro de 1949, o novo país foi fundado a partir dos territórios controlados pela União Soviética (após a divisão feita ao fim da Segunda Guerra entre os vencedores). Um contraponto direto ao lado controlado por EUA, França e Reino Unido, que, em 16 de setembro do mesmo ano, arquitetavam a criação da República Federal da Alemanha (RFA, ou BRD, em alemão). No lado oriental, a capital era Berlim; no ocidental, Bonn.
2. Mesmo com duas Alemanhas, Berlim continuava sem divisão física: A cidade foi dividida em quatro partes entre os vencedores da Segunda Guerra: EUA, Reino Unido e França a Oeste, União Soviética, a Leste. Mesmo após a criação das duas Alemanhas, havia certa liberdade de movimento entre as zonas, por mais que o controle (especialmente de leste a oeste) tenha sido aumentado gradativamente. O metrô, com várias linhas que iam de um lado a outro, circulava normalmente.
3. Stalin tentou unificar as Alemanhas: Em março de 1952, o então líder soviético, Josef Stalin, enviou uma proposta aparentemente boa para as forças capitalistas: tratado de paz e eleições livres em uma Alemanha reunificada. A condição era que o novo país não poderia entrar em nenhuma aliança militar contra os antigos ocupantes. O então chanceler alemão ocidental, Konrad Adenauer, recusou o plano, o que muitos historiadores veem hoje como um erro, já que poderia, em tese, ter evitado os 37 anos seguintes de divisão. Mas a proposta de Stalin tinha seus “poréns”: ela fazia com que a nova nação renunciasse a antigos territórios prussianos a leste – o que tinha potencial para acabar com a força política de Adenauer.
[caption id="" align="alignleft" width="321"] Mao (esq.) Stalin (ao centro) e Ulbricht (dir.) em foto de 1949/Wikimedia Commons[/caption]
4. Stalin autorizou a criação de um “muro virtual”: Com a recusa de Adenauer, Stalin chamou a direção da Alemanha Oriental (notadamente Walter Ulbricht, primeiro-secretário do Comitê Central do Partido Socialista Unificado da Alemanha – SED, em alemão – e quem efetivamente mandava no país) para uma reunião em Moscou. O líder soviético deu dois conselhos: “organizar o próprio Estado” e “reforçar a proteção da fronteira” entre os dois países. Foi o suficiente: em 26 de maio de 1952, os líderes orientais fecharam a fronteira entre as zonas e estabeleceram perímetros máximos de circulação de estrangeiros dentro da área sob controle soviético – em uma espécie de “muro virtual”.
5. Alemanha Ocidental ganhou soberania no mesmo dia do fechamento da fronteira: No mesmo 26 de maio de 1952, um tratado dava soberania (mesmo que relativa) à Alemanha Ocidental, permitindo que ela entrasse na Otan (Aliança do Tratado do Atlântico Norte) três anos depois.
6. O lugar para fugir era... Berlim: A fronteira interna entre os dois países havia sido fechada, mas ir de um lado para o outro não era muito difícil: bastava viajar a Berlim. A cidade continuava dividida, mas atravessar de uma zona a outra não era tão complicado. Isso preocupava Ulbricht.
[caption id="" align="alignright" width="223"] Walter Ulbricht, em foto de 1970/Wikimedia Commons[/caption]
7. Morte de Stalin atrasou construção: Em janeiro de 1953, Stalin havia acertado com Ulbricht a colocação de guardas na fronteira entre as zonas soviética e dos outros ocupantes em Berlim. Segundo a historiadora Hope M. Harrison, professora da George Washington University, no livro “Driving Soviets up the Wall”, os homens seriam colocados para “acabar com o acesso descontrolado a Berlim Oriental a partir dos setores ocidentais” e, principalmente, vice-versa.
Frederick Taylor, autor de “Muro de Berlim”, uma das obras mais importantes sobre o tema, afirma que isso era, basicamente, “a premissa de uma fronteira fortificada em Berlim”. Em 1º de março, no entanto, Stalin sofreu um derrame, morrendo no dia 5. O novo governo soviético, então, engavetou os planos para a capital da RDA.
8. Fugas para Berlim Ocidental ajudaram o governo da RDA a decidir pela barreira: Mesmo com controles cada vez mais rígidos, o número de pessoas que atravessavam da zona soviética para a zona controlada pelos capitalistas só aumentava. Em maio de 1961 (ano da construção do Muro), 17.791 haviam fugido para o oeste; em junho, 19.198; só nas duas primeiras semanas de julho, 12.578. Até o fechamento da fronteira, o número total superava 870 mil.
9. “Ninguém pretende construir um Muro”: Walter Ulbricht ficou famoso por essa frase, dita durante uma entrevista coletiva à imprensa em 15 de junho. Na conversa com os jornalistas, ele havia deixado claro que, assim que Berlim saísse do controle das forças de ocupação, o SED assumiria o controle de todas as rotas aéreas e terrestres que tivessem como origem ou destino a capital Oriental.
Vídeo mostra a resposta de Walter Ulbricht sobre construção do Muro (em alemão):
Na entrevista, uma repórter do jornal Frankfurter Rundschau, da Alemanha Ocidental, perguntou a UIbricht: “Em sua opinião, a criação de uma cidade livre [no caso, Berlim sem ocupação] significa que a fronteira do Estado ficará no Portão de Brandemburgo?” O líder alemão oriental respondeu:
“Depreendo de sua pergunta que existem na Alemanha Ocidental pessoas que gostariam que mobilizássemos operários da RDA para construir um muro. Não tenho conhecimento de qualquer intenção neste sentido. Os operários da construção civil em nosso país estão ocupados principalmente na construção de casas, e suas forças são completamente consumidas nesta tarefa. Ninguém pretende construir um muro.”
10. Barreira foi construída de um dia para o outro: 1 hora da manhã, 13 de agosto de 1961, domingo: sob o comando do então secretário de Segurança do Comitê Central do SED e futuro líder da Alemanha Oriental, Erich Honecker, soldados foram posicionados a cada dois metros ao longo de toda a fronteira interna de Berlim. Enquanto isso, outras tropas cercavam a parte ocidental com arame farpado e mais bloqueios. A iluminação nas ruas próximas foi desligada enquanto o trabalho era feito.
[caption id="" align="alignleft" width="473"] Início da construção do Muro, em agosto de 1961 Bundesarchiv/Wikimedia Commons[/caption]
Segundo o historiador Frederick Taylor, 68 dos 81 pontos de cruzamento entre as zonas soviética e as outras foram fechadas, além das 193 ruas que atravessavam as fronteiras. Linhas de metrô (U-Bahn) e de trem (S-Bahn) foram interrompidas.
Às 6h, Berlim amanhecia fisicamente dividida.
11. Nem o prefeito de Berlim sabia do fechamento da fronteira: A construção da barreira física pegou todo mundo de surpresa: Washington, Londres, Paris, Bonn e... o então prefeito de Berlim, Willy Brandt. No dia anterior, de forma quase premonitória, Brandt havia feito um discurso em Nuremberg, ao sul da Alemanha Ocidental, durante a campanha eleitoral para a chancelaria do país (cargo para o qual era candidato). O político disse, se referindo ao número de pessoas que fugiam da porção oriental:
[caption id="" align="alignright" width="435"] “Eles temem que as malhas da cortina de ferro se fechem definitivamente. Pois receiam ser encarcerados numa enorme prisão. Pois sentem a terrível angústia de que venham a ser esquecidos, descartados, sacrificados no altar da indiferença e das oportunidades perdidas...” [Imagem com os quatro militares da Kommandatura/Wikimedia Commons][/caption]
Após o discurso, Brandt pegou um trem noturno para a cidade de Kiel, ao norte. Às 5h da manhã, ele foi acordado com uma mensagem urgente do chefe de gabinete: o Leste estava fechando a fronteira. O prefeito estava de volta a Berlim já na hora do café da manhã.
13. EUA, França e Reino Unido evitaram confronto: Recebida até com certo alívio pelos Estados Unidos, a notícia da divisão da cidade provocou menos reações das forças dos países capitalistas do que esperava o prefeito Brandt. A cidade tinha um mandatário, mas eram os comandantes militares das potências de ocupação que ditavam os rumos. Brandt foi ao encontro da Kommandatura (como era chamado o grupo, sem representante soviético desde 1948) para discutir a situação e saiu decepcionado: por mais que eles estivessem solidários, só decidiram mandar patrulhas adicionais para as fronteiras após a reunião.
Além disso, forças de segurança dos três países afastaram berlinenses ocidentais que tentavam ajudar orientais a ultrapassar a recém-construída barreira.
Aconteceu, após a construção, um reforço na presença de tropas em Berlim, mas não houve uma reação militar de nenhum membro da aliança.
14. Muro dividiu ruas ao meio: Por conta da divisão estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, havia determinadas ruas em que a zona soviética, por exemplo, terminava literalmente no meio da pista. Com a construção da barreira física entre as áreas, vizinhos foram, de repente, separados e impedidos de atravessar de um lado para outro.
O caso da Bernauer Straße (rua Bernau), no bairro de Prenzlauer Berg, foi um dos mais notáveis: ela foi partida ao meio. Atualmente, no local há um memorial do Muro.
[caption id="" align="alignleft" width="660"] Bernauer Straße, em foto de 1973: rua dividida ao meio/Wikimedia Commons[/caption]
15. Muro dividiu o metrô ao meio: Além de todos os problemas inerentes à divisão repentina de uma cidade, situações curiosas acabaram sendo criadas. Como dividir o metrô, por exemplo? Havia linhas que saíam de Berlim Ocidental, entravam na RDA e voltavam para o setor dos outros aliados (a linha existe até hoje e liga o norte ao sudeste da cidade). A solução foi fechar as estações de Berlim Oriental sem interromper o tráfego de trens, o que provocou o surgimento de estações fantasma, onde não havia parada. Elas eram fortemente vigiadas e protegidas até quanto a uma possível fuga dos guardas que cuidavam do local.
Algumas estações foram simplesmente muradas por dentro.
[caption id="" align="alignright" width="426"] Mapa do metrô de Berlim em 1968; em claro, o Muro e as estações "fantasma" a leste /Reprodução[/caption]
16. Muro cercou bairros e criou “ilhas” capitalistas na Alemanha Oriental: A divisão entre as potências ocidentais e os soviéticos não se restringiu ao meio da cidade. Bairros mais afastados sob domínio dos países capitalistas foram praticamente cercados pelo Muro e viraram ilhas dentro do território oriental. No total, foram criados 12 exclaves.
Um desses lugares é um pacato bairro chamado “Steinstücken” (do alemão “pedaços de pedra”), onde hoje não moram mais do que 300 pessoas. Após uma troca de terras entre as duas Alemanhas, foi aberta uma estradinha que ligava a região a Berlim Ocidental – devidamente margeada pelo Muro.
17. Número de mortos tentando atravessar Muro até hoje é incerto: Até hoje, pesquisadores não conseguem fechar um número preciso de quantas pessoas tentaram atravessar o Muro e morreram, muito porque o governo da RDA (que chamava a barreira de “muro de proteção antifascista”) evitava divulgar as mortes – que eram sempre um constrangimento no resto do mundo.
[caption id="" align="alignnone" width="543"] Peter Fechter foi atingido enquanto tentava pular o muro; ele ficou sangrando até morrer, sem ajuda/Reprodução[/caption]
Uma pesquisa da Universidade de Potsdam, em 2011, fala, no entanto, em 136 mortes causadas por tiros disparados por guardas da fronteira. Só que esse total já foi revisto: dois anos depois, o número subiu para 138.
O caso mais famoso é o do jovem Peter Fechter, que tentou atravessar o Muro aos 18 anos, em agosto de 1962, junto a um amigo. Na hora em que os dois subiam a primeira barreira de arame farpado, os guardas começaram a atirar. Fechter foi baleado em uma artéria da perna e ficou sangrando e pedindo por ajuda até morrer. Ninguém, nem do lado ocidental, nem do oriental, foi ajudá-lo. Uma hora depois, o jovem faleceu e foi “recolhido”.
O constrangimento provocado pelo caso – fartamente fotografado – fez com que a RDA enfrentasse protestos e mudasse as regras, autorizando “atendimento imediato” em casos semelhantes.
18. O Muro não era só um muro, mas pelo menos dois: Com o passar dos anos, o Muro foi se sofisticando. No final, havia, pelo menos, um muro de contenção, duas cercas, uma barreira antiveículos, arames farpados e torres de observação. Essa área entre os muros ficou conhecida como “faixa da morte”: o objetivo era dificultar ao máximo a passagem para o outro lado.
[caption id="" align="alignright" width="492"] "Faixa da morte" em Berlim, sob a neve, em foto de 1987[/caption]
19. Economia ajuda a explicar a queda: A Alemanha Oriental entrou nos anos 1980 ainda como grande potência do bloco socialista, mas com a economia desandando. Junte-se a isso uma onda reformista, que se iniciou na Polônia, e podem-se ter algumas razões para o fim da RDA.
Um dos “czares” econômicos da Alemanha Oriental afirmava que, em 1989, se o padrão de vida da população não fosse reduzido em 30%, o país não conseguiria fechar as contas do ano. O Muro caiu antes, entretanto.
20. Um piquenique na Hungria tirou o primeiro tijolo do Muro de Berlim: Em agosto de 1989, Áustria e Hungria fizeram um piquenique exatamente na fronteira entre os dois países. Foi a oportunidade para que vários alemães orientais fugissem para o lado ocidental.
21. Erro de comunicação provocou abertura surpresa da fronteira: Em 9 de novembro de 1989, o governo da RDA recém empossado (com Egon Krenz no lugar de Erich Honecker no comando do país) tentava controlar as seguidas manifestações por mudança. Em uma coletiva de imprensa, o então porta-voz do governo, Günter Schabowski, anunciou que qualquer cidadão poderia atravessar a fronteira da Alemanha Oriental sem autorização prévia.
O anúncio foi tão surpreendente que, efetivamente, os jornalistas que estavam no local não entenderam o que estava acontecendo e, de acordo com Taylor, precisaram fazer uma pausa para um café para pensar. A questão é que a medida só valeria a partir do dia seguinte — o que Schabowski não sabia. Ele acabou dizendo que a norma entraria em vigor imediatamente.
[caption id="" align="alignleft" width="518"] Entrevista em que governo oriental fala da abertura da fronteira: surpresa em todo o mundo/Wikimedia Commons[/caption]
Os jornalistas não sabiam o que fazer, mas, como a coletiva era transmitida ao vivo, a população entendeu bem o que estava acontecendo. Foi o suficiente para que uma multidão, antes mesmo do término da entrevista, já se aglomerasse em frente aos postos de controle em Berlim.
Sem conseguir segurar o público, os guardas liberaram a passagem. Era o fim do Muro.
22. Líderes mundiais não esperavam abertura: Por mais que uma série de protestos já tomasse a Alemanha Oriental (em especial nas cidades de Berlim Oriental e Leipzig), não se acreditava que a RDA tivesse as fronteiras abertas.
No dia da queda, o chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, nem em Bonn estava: o político participava de um jantar com o novo governo reformista da Polônia em Varsóvia. Informado da situação, interrompeu o banquete e correu para a Alemanha.
23. Muro dos anos 2000 teria barreiras de micro-ondas e sensores sísmicos: O governo da Alemanha Oriental acreditava que o Muro iria durar ainda muito tempo. Por isso, sempre tentava melhorá-lo. No começo de 1989, Berlim Oriental começou a estudar avanços tecnológicos para a construção, como barreiras de micro-ondas e sensores sísmicos que detectariam movimentos. A ideia era tornar o Muro mais “humano” e diminuir os casos fatais entre os que tentavam atravessar o obstáculo.
[caption id="" align="aligncenter" width="660"] Dia seguinte à queda do Muro de Berlim: fato abriu caminho para a reunificação alemã/Wikimedia Commons[/caption]
24. Um quarto de século depois, Muro virtual ainda existe: A Alemanha virou um só país em 1990, mas, até hoje, sente os efeitos da reunificação, em um processo que envolveu a transferência da capital de Berlim pra Bonn. O que foi então comemorado, hoje, provoca sentimentos de nostalgia entre os antigos moradores de cada um dos lados, criando uma espécie de “muro virtual”: seja nos estilos de construção dos bairros (o modelo socialista domina a paisagem das cidades a leste), seja nos hábitos das pessoas. Isso abriu margem para um preconceito de ambos os lados: os “Ossis” (ao alemão Ost, “leste”) reclamam dos “Wessis” (de West, "oeste"), que reclamam dos “Ossis”.
25. Nas comemorações dos 25 anos, Muro está sendo “reerguido”: Desde o começo do ano, a Alemanha lembra o Muro com diversos eventos, mas o ápice foi no dia 7 de novembro: a barreira foi “reconstruída” com balões de luz. A instalação, que fica na cidade até hoje, percorre 15 km do trajeto onde ficava o Muro. Veja no vídeo como ficou:
Foto de Capa: howstuffworks.com