José Ríos Montt foi condenado a 80 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade
Por Fábio Tomaz, da Cidade da Guatemala para o Brasil de Fato
[caption id="attachment_23959" align="alignleft" width="348"] José Ríos Montt responde pela morte de 1.771 indígenas da etnia Ixil (Foto: Prensa Comunitaria/Cristina Chiquin)[/caption]O dia 10 de maio de 2013 converteu-se em uma data histórica para a Guatemala e a América Latina. José Ifraín Ríos Montt, ditador do país centro-americano durante a década de 80, foi condenado a 80 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade. É a primeira vez que um líder latino-americano é condenado por esse crime em seu próprio país.
Em 1982, Ríos Montt participou de um golpe militar e dividiu o poder com dois outros militares. Poucos meses depois, deu um golpe nos próprios golpistas e se declarou presidente e comandante supremo do exército. Os 18 meses em que esteve sob controle total do Estado e das Forças Armadas são considerados os mais sangrentos da guerra civil guatemalteca (1960-1996), em que se enfrentavam o exército, grupos paramilitares de direita e forças insurgentes contra a ditadura.
[caption id="attachment_23957" align="aligncenter" width="580"] Mulheres de comunidade ixile, um dos povos vítimas de massacres, acompanham o julgamento de Ríos Montt (Foto: Prensa Comunitaria/Cristina Chiquin)[/caption]Nos dados oficiais até hoje sistematizados, a guerra deixou cerca de 400 mil mortos, 40 mil desaparecidos e 1 milhão de refugiados.
“Tirar a água do peixe”
Durante seu governo, Ríos Montt executou as operações Vitória 82, Plano Sofia e Firmeza 83, que tinham como objetivo “eliminar qualquer base de apoio do movimento insurgente”. Foi nesse período que o exército cometeu a maioria dos 617 massacres de povos indígenas de que se têm registro.
A estratégia central do exército, conhecida como “política de terra arrasada”, era de eliminar qualquer comunidade que oferecesse qualquer tipo de suporte aos grupos que lutavam contra a ditadura. Tratava-se de “tirar a água do peixe”. Na região de Quiché, os alvos foram principalmente as comunidades maias ixiles.
Frente aos relatos de sobreviventes ixiles e dos planos do exército, Ríos Montt foi responsabilizado pelo assassinato de pelo menos 1.771 ixiles, em 15 dos massacres que autorizou na região, também conhecida como Triângulo Ixil.
Além dos massacres, Ríos Montt criou tribunais militares, no quais os juízes usavam máscaras. Foram também contatados inúmeros casos de violência sexual (estupros massivos), sequestro e deslocamento de crianças para outros grupos étnicos.
O governo criou equivalentes a campos de concentração, chamados de “Aldeias Modelo”, onde os indígenas transferidos eram obrigados a viver sob normas ditadas pelos militares. Um dos sobreviventes relatou que numa ocasião viu “os militares jogando futebol com a cabeça de uma velha senhora como bola”.
80 anos de prisão
Ríos Montt foi condenado a 50 anos de prisão pelo crime de genocídio e 30 anos por crimes contra a humanidade. A juíza Jazmín Barrios declarou que a conduta de Ríos Montt foi “inexplicável e incompreensível, pois tendo conhecimento, poder e capacidade para ordenar o exército, permitiu que se massacrasse a população civil do grupo étnico ixil”.
Além disso, “se implementou um extermínio contra os ixiles como forma de defender as elites nacionais”.
O general Rodriguez Sanchéz, diretor de Inteligencia Militar durante o governo de Ríos Montt, foi absolvido das acusações que sofria no mesmo julgamento. Mesmo sendo o mentor das operações Vitória 82 e Firmeza 83, o tribunal afirmou que “não há comprovação de que Sanchéz possuía ingerência nas áreas de operações”. Neste caso, a incerteza favoreceu ao réu.
A juíza Jazmín Barrios também decretou suspensão da prisão domiciliar que gozava Ríos Montt há mais de um ano. Sua sentença deve ser cumprida em uma prisão guatemalteca. [caption id="attachment_23958" align="aligncenter" width="580"] Manifestantes acompanham o julgamento de Ríos Montt diante do Palácio de Justiça, na Cidade de Guatemala (Foto: Prensa Comunitaria/Cristina Chiquin)[/caption]
Guatemala dividida
A sentença de Ríos Montt se dá em uma Guatemala dividida. Enquanto movimentos sociais e organizações de direitos humanos comemoravam em uma concentração em frente ao Palácio de Justiça, nas zonas mais ricas da cidade, empresários e militares protestavam contra a decisão da justiça.
Para esses setores, os massacres foram “excessos” ou até mesmo “um mal necessário, para salvar a Guatemala do comunismo”. Argumentos muito parecidos com o que dizem agentes da ditadura no Brasil acusados de violarem os direitos humanos.
O atual presidente do país, general Otto Pérez Molina, do direitista Partido Patriota, declarou que houve “excessos, e até massacres, mas não houve genocídio”.
Grupos de extrema direita, como a Fundação Contra o Terrorismo, disse que “haverá resposta”. A juíza Jazmín Barrios já possui dezenas de ameaças de morte e está sob proteção policial. Já os movimentos sociais e organizações de direitos humanos dizem que a sentença de Ríos Montt é um marco na luta para resgatar a história do país e punir os responsáveis pelas violações cometidas pelos militares, além de ser um reconhecimento do sofrimento imputado às diversas comunidades indígenas.
“Justiça antecede a paz”
A defesa de Ríos Montt já declarou que vai recorrer para reverter à sentença, e que lutará até o fim para inocentar o ex-ditador. A sentença de Ríos Montt abre um importante precedente para buscar punição e justiça.
A juíza Jazmín Barrios determinou que o Ministério Público continuasse as investigações para buscar os responsáveis pelas “áreas de operação” onde se deram outros tantos massacres perpetrados pelos militares.
Hoje, com o general Pérez Molina na presidência, os militares voltaram a ocupar diferentes espaços de poder. A conflitividade entre as populações e os grande projetos de mineração aumenta a cada dia, somadas a um contexto de grande empobrecimento (metade das crianças do país sofre de desnutrição crônica).
A paz proposta nos Acordos de 1996 ainda não chegou na sociedade guatemalteca. Numa sociedade dividida assim, não é de surpreender que a sentença de Ríos Montt alimente posições e emoções tão diferentes e contraditórias, que tendem a acirrarem-se.
Frente a isso, são importantes as palavras que encerram a sentença da justiça contra o ex-ditador: “Conhecer a verdade ajuda a sanar as feridas do passado e a justiça é um direito para as vítimas. Este tipo de acontecimento não pode voltar a se repetir. Para que exista paz na Guatemala deve existir previamente justiça”.
O crime mais grave
Derivado da palavra grega “genos” (raça, tribo ou família) e do sufixo “cide” (de “caedere”, matar), o genocídio foi utilizado pela primeira vez em um tribunal durante o julgamento dos oficiais nazistas depois da Segunda Guerra Mundial.
É definido como crime cometido “com a intenção de destruir, totalmente ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Por ser o crime mais grave do Direito Internacional, é visto como juridicamente muito difícil e complexo de ser provado.
Casos como o massacre de armênios na Turquia, muçulmanos na Bósnia, tutsis em Ruanda são exemplos dentro da definição oficial.
Na Guatemala, o governo de Ríos Montt identificou a etnia ixil como “base de apoio” da luta contra a ditadura e, portanto, que deveriam ser exterminados pelo fato de serem ixiles, o que caracteriza crime de genocídio.