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Por Vinicius Gomes Melo
O inverno é rigoroso, no entanto os ucranianos sentem que estão vivendo sua “primavera”. Logo após o presidente Viktor Yanukovych anunciar que não iria mais assinar o Acordo de Associação com a União Europeia (UE) – acertado para acontecer na semana passada, durante a reunião do bloco em Vilnius, Lituânia – milhares de pessoas tomaram as ruas em protesto contra a decisão. Mesmo após a repressão brutal do governo contra os manifestantes, centenas de milhares de pessoas continuam indo às ruas exigindo a renúncia do presidente.
A pergunta a se fazer seria: por que mesmo com diversos países da zona do euro afundados em crises econômicas e programas de austeridade ineficazes, os ucranianos ainda assim enfrentam o frio rigoroso e a violência policial em nome do acordo com Bruxelas?
Contexto
As negociações para a Ucrânia vir a integrar o bloco europeu já duravam anos e eram dadas como certa. Mas o presidente Yanukovych alega “que os benefícios em se aliar à União Europeia seriam insuficientes e que a Ucrânia não poderia perder seus laços fortes com a Rússia”.
A Ucrânia se encontrou em meio a um fogo cruzado entre a União Europeia e a Rússia. O bloco de Bruxelas, com seu plano de “Parceria Oriental”, bate de frente com as ambições de Moscou em criar uma zona alternativa à UE, chamada de União Eurasiática e a Ucrânia – que tem em sua etimologia, “zona de fronteira” – está literalmente entre os dois gigantes europeus, que enxergam o país como vital para seus blocos.
É inegável dizer que a decisão da Ucrânia teve forte influência do presidente russo Vladimir Putin: “Os russos usaram tudo o que tinham em seu arsenal”, disse Elmar Brok, o presidente do comitê de relações exteriores do parlamente europeu. O “arsenal” russo envolveu principalmente o uso de sanções e aumento no preço do gás natural.
A principal razão para Moscou agir dessa maneira, como o próprio Putin confirmou, é que a Rússia seria inundada – praticamente sem tarifas - pelos bens e produtos europeus. “Nós não estamos prontos para abrir nossas portas para os produtos europeus”, disse ele recentemente. Isso aconteceria devido a um acordo de comércio livre já existente entre Rússia e Ucrânia.
Mesmo esse acordo de associação não sendo exatamente – ao menos nesse momento – uma integração da Ucrânia ao bloco, ele aboliria as barreiras comerciais e obrigaria a Ucrânia a adotar os regulamentos internos da UE. Mas o mais importante para os ucranianos seria a necessidade do país em realizar inúmeras reformas, tanto políticas como legais. Como destacado pela revista Time, a integração não tem a ver apenas com dinheiro e sim com o compromisso necessário para padrões de governança e justiça social.
Escalada nos protestos e na repressão
Enquanto, na última quarta-feira (4/12), o primeiro-ministro ucraniano, Mykola Azarov, avisava à oposição para parar de escalar a tensão, alegando que não havia mais motivos para os protestos de ruas, os vídeos de policias espancando os manifestantes se tornaram virais. Isso impulsionou ainda mais o número de pessoas que foram às ruas contra o governo ucraniano.
Uma análise fria da situação que a Ucrânia se encontra hoje é a de que cada vez mais, a população quer se distanciar de seu passado com o sistema soviético. A Radio Free Europe, por exemplo, analisa que existe uma “nova geração de manifestantes”, que cresceram em uma Ucrânia independente e possuem poucas memórias da União Soviética. Essa geração se identifica muito mais com os jovens da Europa Ocidental do que com Moscou. Nada mais simbólico que isso do que a derrubada da estátua de Lenin, neste domingo.
O futuro
Ainda não há previsão para onde a “Revolução do Euromaidan”, como a onda de protestos tem sido chamada em referência à principal avenida de Kiev, está caminhando. Sua principal exigência, a de novas eleições, ainda não é certa de acontecer. O presidente obviamente está enfraquecido, até sua grande base política mais ao leste do país, próxima à Rússia, estaria desapontada com ele. Vladimir Putin também não o considera um aliado confiável, mas os manifestantes ainda parecem não possuir uma liderança real. Os partidos de oposição à Yankukovych – aqueles que poderiam aproveitar o vácuo na liderança – não têm muito prestígio junto ao público, além de eles mesmos estarem sempre brigando entre si.
Consciente da posição delicada em que se encontra, o presidente ucraniano concordou em se reunir com três ex-presidentes (Leonid Kravchuk, Viktor Yushchenko e Leonid Kuchma), nesta terça-feira (10/12), com o intuito de buscar uma solução para uma crise política que a Ucrânia não testemunha desde a Revolução Laranja, em 2004 – onde, coincidentemente ou não – o mesmo Viktor Yanukovych foi o alvo da ira popular.