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Às vésperas das Olimpíadas de Inverno, líder russo decreta libertação de milhares de prisioneiros, entre eles, o ex-magnata do petróleo Khodorkovsky. O que estaria por trás da decisão?
Por Vinicius Gomes
Em meras 34 palavras, o presidente russo Vladimir Putin decretou a libertação do prisioneiro mais famoso da Rússia, o antigo magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky e um dos seus maiores inimigos políticos, após 10 anos na prisão.
Na semana passada, Vladimir Putin iniciou uma proposta de anistia que previa a liberação de pelo menos 25 mil prisioneiros entre menores de idade, idosos, mulheres grávidas, mães com filhos pequenos, veteranos de guerra e até vítimas do acidente nuclear de Chernobyl. Todavia, durante essa semana, o escopo da proposta aumentou para alcançar também “hooligans” e participantes em protestos de massa, o que inclui as duas integrantes da banda Pussy Riot e os 30 ativistas do Greenpeace capturados no Ártico. A proposta foi aceita rapidamente na Duma Federal, a câmara baixa do Parlamento russo.
Mas foi o anúncio da libertação de Khodorkovsky que surpreendeu a todos. O perdão que tirou o homem que já foi o mais rico da Rússia de uma cela da região da Karlelia, próxima à Finlândia, teve como base “os princípios do humanismo”, disse Putin.
Os Oligarcas
[caption id="attachment_38562" align="alignleft" width="424"] Quando Putin chegou ao poder, teria feito um “acordo de cavalheiros” com oligarcas russos e Khodorkovsky talvez tenha quebrado o pacto (Foto animalnewyork.com)[/caption]
Khodorvsky foi apenas um do grupo de ambiciosos empresários bem conectados politicamente, conhecidos como “oligarcas”, que após a abertura econômica da perestroika de Mikhail Gorbachev, criaram enormes impérios bilionários no tumultuado ambiente pós-soviético que já foi definido como um “velho oeste”. O homem que viria a se tornar o mais rico do país primeiramente abriu um café, em seguida, uma trading company e um banco, e foi em meados da década de 1990 que ele viria a adquirir uma companhia petrolífera que se tornou a gigantesca Yukos.
Quando Putin chegou ao poder em 2000, teria feito um “acordo de cavalheiros” com os oligarcas russos – eles manteriam suas fortunas, desde que não se metessem na política. Foi então que as ambições, empresariais e políticas, de Khodorkovsky passaram a colidir com a consolidação de poder de Putin e então o magnata teria quebrado o pacto ao passar a financiar partidos de oposição e denunciar casos de corrupção dentro do Kremlin.
A prisão e o “perdão”
Muitos afirmam que foi o envolvimento político de Khodorkovsky que o colocou atrás das grades. Outros atestam que o fim da Yukos – com a prisão de Khodorkovsky - era necessário para que Putin trouxesse o controle do principal recurso natural da Rússia, de volta para as mãos do Estado.
O fato, entretanto, é que o magnata russo foi preso em um terminal de aeroporto em 2003 e julgado e condenado por duas vezes, em 2004 e 2010, por evasão fiscal, fraude e lavagem de dinheiro. Ele estava para ser libertado em agosto de 2014, quando começaram nos últimos meses os rumores de que haveria um terceiro julgamento de seu caso. É nesse contexto que outras teorias começam a respeito do seu “perdão”.
Em seus dois julgamentos, Khodorkovsky sempre alegou inocência e disse que jamais admitira sua culpa, nem para ser perdoado. Durante dez longos anos em uma prisão no norte do país, ele manteve sua palavra, por isso a notícia de sua liberação pegou a todos de surpresa, inclusive seus advogados e sua mãe, que foi a grande “motivadora” de Putin para libertar Khodorkovsky: ela estaria seriamente doente, fazendo o ex-magnata pedir clemência.
“Seguindo a lei, Mikhail Borisovich [Khodorkovky] deveria ter escrito o documento necessário [pedido de perdão], o que ele não fez, mas recentemente ele me escreveu esse pedido de clemência”, disse Putin.
Fazer essa diferenciação entre “perdão” e “clemência” é crucial para o caso de Khodorkovsky, já que, em termos legais, o primeiro seria uma admissão de culpa, enquanto a segunda é apenas um apelo de misericórdia.
A motivação
A anistia para 25 mil prisioneiros - incluindo Pussy Riots, os 30 do Greenpeace e Khodorkovsky – tem gerado especulação mundial sobre as reais motivações de Putin para tal.
Muitos acreditam que essa seria uma maneira de Putin evitar o desgaste internacional de ter críticas quanto ao histórico russo nos direitos humanos – principalmente quanto à homossexualidade –, às vésperas das Olimpíadas de Inverno em Sochi, que se realizará em fevereiro próximo.
“Todos os dias temos novas notícias de algum líder mundial que decidiu não vir para os Jogos”, disse Andrei Piontkovsky, analista político independente e velho crítico do Kremlin. “Putin decidiu que algo precisava ser feito, especialmente quanto a Khodorkovsky, que é o prisioneiro político mais famoso na Rússia”, completa ele.
Isso sugere que a decisão de Moscou é um gesto para a comunidade internacional. O fato de o governo estar selecionando aqueles que serão libertados, principalmente os mais famosos no Ocidente, mostra que não se trata de uma guinada política quanto a direitos humanos.
O Futuro
Apesar de muitos russos ainda terem ressentimentos para com os oligarcas, que fizeram enormes fortunas enquanto a pobreza crescia na população, os dez anos que Khodorkovsky passou aprisionado, desafiando o Kremlin com tanto custo pessoal, parecem ter criado uma imagem de redenção para o público e a classe média urbana em geral. Principalmente pelo fato de, mesmo estando na cadeia, conseguir continuar com visibilidade, escrevendo em revistas e jornais, além de manter um website, se tornando um crítico ao sistema político russo, mesmo que com maior cautela do que no passado.
As opiniões quanto ao que será do futuro do ex-magnata divergem, muitos enxergam nele uma grande força, que pode unificar a desestruturada oposição ao governo russo, enquanto outros alegam que toda sua energia intelectual e política se foi com seu longo período na cadeia. Alguns chegaram a sugerir até mesmo um acordo secreto com Putin: liberdade em troca de silêncio.
Mas talvez ele apenas faça aquilo que ele disse mais estar querendo: passar seu tempo com a família.