Escrito en
GLOBAL
el
Georges Corm, historiador e jurista libanês, analisa a situação atual do mundo árabe
Por Kenza Sefrioui, do Telquel | Tradução: Vinicius Gomes
[caption id="attachment_38170" align="alignleft" width="360"] Georges Corm pertence a uma geração de intelectuais árabes progressistas que advoga pelo laicismo e defende a soberania dos estados frente a qualquer forma de imperialismo (Foto: Telquel)[/caption]
- Depois das esperanças levantadas pela Primavera Árabe em 2011 e a chegada ao poder no Egito e na Tunísia de movimentos que se declaram islâmicos, você é otimista quanto ao futuro dos países árabes?
- O movimento de 2011 foi extraordinário: de Omã à Mauritânia, a consciência coletiva árabe despertou, mas as esperanças são de longo prazo. Os ciclos revolucionários do mundo árabe são longos, principalmente por conta de interferências externas. Para romper com esse movimento, se criaram pontos de fixação na Líbia e na Síria. Ambas as intervenções foram conduzidas para a catástrofe e provocaram a guerra civil quando armaram os manifestantes pacíficos. A indignação quanto a um ditador é seletiva e segue os interesses geopolíticos ocidentais junto de seus aliados locais. Acabar com um sistema ditatorial e predador para substituí-lo pelo que? Todo o Oriente Médio está sendo consumido por suas classes dirigentes e seus aliados dentro do mundo corporativo. São economias rentistas, totalmente improdutivas que geram desemprego e uma grande concentração de riqueza. Apenas a própria população pode resolver seus problemas com seus regimes políticos e econômicos e, assim, reconstrui-los.
- Qual é a sua visão sobre a situação da Síria?
- É uma batalha muito perigosa que ultrapassa, e muito, os desafios internos dos sírios, que pode desencadear uma guerra mundial. Enquanto existirem quase 100 mil combatentes não sírios e o financiamento estrangeiro da oposição continuar atrelado aos interesses de Turquia, França, Arábia Saudita e Qatar, não iremos a lugar algum. Estão destruindo o país de forma sistemática. Amanhã chegarão novos predadores para saquear a Síria com o pretexto de reconstrução, como ocorreu no Líbano, Iraque e Bósnia.
- Em sua opinião, quais são os interesses estratégicos que atuam na região?
-Agora se trata do reequilíbrio do sistema internacional e do final do unilateralismo estadunidense. A região é um caos total. Na costa sudeste do Mediterrâneo, EUA e Israel colocaram a região de joelhos com a invasão do Iraque em 2003 e depois com o ataque israelense ao Líbano em 2006. A Síria suportou cerca de um milhão e meio de refugiados iraquianos sem pedir ajuda, os tunisianos viram-se obrigados a acolher milhares de refugiados da Líbia. No Líbano, existem entre 800 mil a um milhão de refugiados sírios, ou seja, 25% da população. Nessa situação explosiva, a Europa – assim como os EUA – não desempenha nenhum papel de apaziguamento, mas exatamente o contrário.
- Qual é o papel do Golfo Pérsico na região?
- O aumento dos preços do petróleo desde 1973 constituiu um terremoto social no Oriente Médio de uma amplitude sem precedentes na época moderna. As elites urbanas árabes que desencadearam um “renascimento” no século 19 e adaptaram os princípios da lei islâmica às necessidades do mundo moderno, progressivamente cederam o poder cultural, religioso e midiático às famílias reinantes do Golfo, as quais dispõem de meios econômicos e financeiros desproporcionais frente aos demais regimes políticos do mundo árabe, fragilizados por suas derrotas para Israel e por fracassos no desenvolvimento. O “despertar islâmico” veio substituir o “renascimento árabe” – com seu séquito de pregadores influenciados pelo rigor teológico extremista do wahabismo. A religião muçulmana se converteu em uma arma política temível com sua aliança aos EUA na luta contra o comunismo. Abandonou-se a questão da Palestina em benefício de lutas que não são as nossas, no Afeganistão, na Bósnia, na Chechênia e no Cáucaso. Esses movimentos trazem em si, a legitimação de um autoritarismo terrível, que pretende controlar a vida dos crentes até em seus mínimos detalhes e combater os “infiéis”, muçulmanos ou não.
- Contra essas “ideologias autoritárias”, você prega o retorno à liberdade de pensamento...
- O grande erro de muitos intelectuais árabes tem sido deixar a questão religiosa à Irmandade Muçulmana e ao wahabismo, os quais, com seus meios, se apoderaram das mentes das pessoas. As conquistas da civilização islâmica, que instituiu uma liberdade de pensamento notável para a época, são esquecidas completamente. Falam-se apenas de Sayyid Qotb, Maududi e Ibn Taymiyyah! Agora vemos o resultado de 40 anos de uma política muito ativa, que remete à Guerra Fria, onde ocorreu uma “reislamização” das sociedades para lutar contra o comunismo. Atualmente você não é um muçulmano “representativo” se for um muçulmano moderado. No mundo árabe, sempre existiu um vivo debate sobre a maneira de interpretar o texto corânico, mas que não interessa aos setores acadêmicos e midiáticos.
- Você advoga pelo laicismo, não é utópico defender um modelo impopular no mundo árabe?
- Com o que ocorre no Egito, na Tunísia e na Síria, a opinião pública árabe, incluindo a parte crente, começa a compreender qual é a utilidade do laicismo. Na região do Mashreq, onde reina uma forte diversidade religiosa dentro do próprio islã, o laicismo é a única solução. Outra coisa é que não pode haver democracia sem o laicismo. Se tudo está polarizado no que concerne a referência religiosa nas instituições ou a identidade social e cultural, é porque não temos um pensamento econômico alternativo que havia deixado essa questão em segundo plano. Temos que rechaçar a análise exclui as identidades: o problema é a desestruturação de nossas sociedades e a negação do pluralismo em uma região do mundo que é plural desde a mais longínqua antiguidade.
- Qual papel desempenharia o Magreb, e Marrocos em particular, nesse contexto?
- No Magreb, a Argélia tem sofrido enormemente com a onda islâmica. A Líbia está atualmente presa em uma anarquia que beneficia os elementos que se declaram militantes islamitas e a Tunísia se torna, a cada dia, mais perigosa. O Marrocos com sua monarquia de legitimidade religiosa, ao se declarar partidário de um islamismo moderado - que é o autêntico islã - poderia desempenhar um papel catalisador de um liberalismo árabe e islâmico moderno, como o que existiu nos anos 1950. É também o que tenciona fazer a Universidade de Al Azhar, no Egito. É o momento de trabalhar para reestabelecer no mundo árabe a saúde mental que perdemos um pouco a cada dia e voltar a ter uma concepção de mundo aberta, tolerante e pluralista, onde, em outra época, construiu a grandeza da civilização árabe-islâmica e mais recentemente, o magnífico renascimento árabe.
** Georges Corm, nascido em 1940 em Alexandria, assistiu em sua juventude a chegada ao poder de Nasser e a nacionalização do Canal de Suez. Possui um doutorado em Direito Público sobre as sociedades multiétnicas. Foi professor de Ciências Políticas pela Universidade Saint-Joseph de Beirute e ministro das finanças do Líbano de 1998 a 2000. Em suas numerosas obras, tanto em árabe quanto em francês, como “Le prche-Orient éclaté” e “Pour une lectura profane des conflicts”, advoga por um mundo árabe mais unido e mais independente, criticando duramente o apoio dos EUA e Europa aos Estados teocráticos como Arábia Saudita e Israel.