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Presidente dos Estados Unidos ainda não cumpriu a promessa de seu primeiro mandato, de fechar a prisão que afronta o Direito Internacional. E, provavelmente, não irá encerrá-la em 2013
Por Glauco Faria. Fotos: AF Rodrigues/Divulgação.
Quando Barack Obama tomou posse, iniciando o seu segundo mandato, além dos milhões de telespectadores nos EUA e no mundo, um grupo inusitado pôde acompanhar pela TV o evento. Os prisioneiros da base militar de Guantánamo viram o democrata, que prometeu há quatro anos fechar o local, fazer mais um discurso invocando valores elevados da democracia estadunidense.
"Os detidos de Guantánamo têm acesso a televisão ao vivo via satélite e rádio e seguem com atenção os eventos mundiais, inclusive as eleições dos EUA e a posse", garganteou o capitão Robert Durand, porta-voz da base, de acordo com essa matéria. É fato até que Obama tomou algumas medidas para tornar menos brutal o tratamento dado aos detentos, mas a própria existência da prisão e os motivos que levam as pessoas para lá, afrontando convenções internacionais, continua sendo uma aberração.
No início de janeiro, o presidente estadunidense chegou a ameaçar um veto da a Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA), que mantinha uma série de restrições impostas pelo Congresso e que teriam como objetivo impedir que a prisão fosse fechada. Mas não cumpriu a ameaça. "O presidente Obama fracassou totalmente na primeira prova do seu segundo mandato”, disse na ocasião o diretor executivo da União Americana de Liberdades Civis (ACLU), Anthony Romero, segundo essa reportagem. “Pôs em risco a sua capacidade de encerrar Guantánamo durante o seu governo". Uma das cláusulas da Lei diz que não poderá ser realizado qualquer financiamento com base no orçamento de 2013 para transladar presos de Guantánamo para outro país. Ou seja, ainda que quisesse, o governo não teria, em tese, condições de encerrar o local.
Mas por que o presidente dos EUA ainda não cumpriu sua promessa? “Nossa avaliação é que ele não fez isso porque se ele colocasse em liberdade todas essas pessoas, 166 no total, isso significaria a necessidade de os EUA enfrentarem questões incômodas”, analisa Maurício Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil. “[Obama] não eliminou uma série de infrações como a detenção indefinida de pessoas, não os reconhece como prisioneiros de guerra e usa a denominação 'combatente inimigo' para os prisioneiros, definição inventada pelo governo Bush e que não tem nenhum valor jurídico em termos do Direito Internacional. Hoje, os detentos não são prisioneiros de guerra nem prisioneiros comuns, a Suprema Corte determinou que eles podem recorrer ao sistema prisional americano, mas os tribunais de primeira instância estão derrubando esses pedidos.”
Santoro considera a prisão de Guantánamo uma “bolha de exclusão de direitos”. “Começa desde a captura, por milícias ou por outros governos, passa pelo modo como são encarcerados, torturados, pela não realização de um processo formal e, muitas vezes, o processo termina em morte, algo absolutamente perturbador”, aponta. “Quase 800 pessoas passaram por Guantánamo, só sete delas foram acusadas formalmente, processadas e julgadas. 99% das pessoas não conseguem ser levadas à Justiça por falta de evidências e provas, e isso é um indicativo de um nível de fragilidade jurídica preocupante. O método de encarceramento e de obtenção de informações está fora de qualquer padrão internacional”, avalia.
A Anistia Internacional luta há onze anos para que a prisão de Guantánamo deixe de existir. Na última terça (22), aproveitando a ocasião da posse de Obama, a entidade realizou um ato no Rio de Janeiro a fim de chamar a atenção das pessoas para a questão. “Há uma grande quantidade de cartas e petições, um trabalho de pressão da Anistia sobre o governo americano. O governo, aliás, não autorizou a entrada da Anistia em Guantánamo, o máximo que foi nos deixar acompanhar os parcos julgamentos feitos por comissões militares, que não estão de acordo com padrões internacionais de acesso à Justiça. Os advogados de defesa não têm acesso ao farto material que o Estado tem a respeito de seus clientes”, explica. Mesmo assim, Santoro acredita que, futuramente, as pessoas saberão avaliar o significado real da prisão de Guantánamo. “Isso, no futuro, será encarado como um período de exceção.”