Escrito en
GLOBAL
el
Para Immanuel Wallerstein, golpe expôs impasses de nossa diplomacia: ela enfrenta Washington, mas está limitada por outros interesses
Por Immanuel Wallerstein | Tradução Gabriela Leite, do Outras Palavras
(Título original: “Um golpe no Paraguai: quem ganhou o que?”)
Em 22 de junho, o Senado paraguaio invocou uma cláusula na Constituição que autoriza destituir o presidente por “fraco desempenho de suas funções”. O presidente era Fernando Lugo, que foi eleito três anos antes e ia terminar seu governo em abril de 2013. De acordo com as leis, estava limitado a apenas um mandato.
O “fraco desempenho” de que fala o Senado desencadeou-se de que, em 17 de junho, houve um conflito entre a polícia e agricultores sem-terra, que haviam ocupado uma área na luta por seus direitos. No choque, dezessete pessoas (trabalhadores e policiais) morreram. O Senado lançou o processo em 21 de junho, oferecendo a Lugo duas horas para defesa (que ele recusou, alegando ser absurdamente inadequado). No dia seguinte, os senadores votaram sua deposição.
O vice-presidente, Frederico Franco, é de um partido diferente de Lugo. Franco, no entanto, concorreu em 2008 numa chapa ao lado de Lugo, para derrotar o Partido Colorado, que estava no poder havia mais de 60 anos. Uma vez tendo assumido o mandato, Franco combateu continuamente as políticas de Lugo. A Constituição paraguaia prevê que, em caso de destituição do presidente, o vice automaticamente assume seu posto. O golpe fez de Franco presidente.
Lugo classificou a ação como um golpe, e se não tecnicamente ilegal, certamente ilegítimo. Quase todos os governos latino-americanos concordaram com sua análise, denunciando a destituição e cortando relações com o Paraguai de várias maneiras. O que levou a esse golpe? Que se pretendia-se alcançar com ele? Quem o apoiou? E quais são as reais consequências — para o Paraguai, para a América Latina e para o mundo?
O Paraguai foi, por um longo período, uma das piores ditaduras da América, governada por e para uma pequena classe detentora das terras, e organizada no Partido Colorado. As condições dos camponeses — indígenas, em sua maioria — eram de extrema miséria. Com a morte, em 1989, do ditador Colorado, Alfredo Stroessner, afrouxaram-se levemente as restrições políticas. O principal partido de oposição, os Liberais (partido do Franco), representava mais as elites urbanas, mas tinha igualmente pouca simpatia pelo campesinato. As eleições em 2008 foram as primeiras relativamente abertas.
Foi nesse ponto que o bispo de São Pedro, Fernando Lugo, entrou na cena política. Conhecido de longa data como o “bispo dos pobres”, Lugo era associado com a Teologia da Libertação, e não contava com a simpatia dos outros bispos e do Vaticano. Concorreu defendendo a causa de melhor distribuição de terras. Como a Constituição paraguaia e o Vaticano não permitiam que o clero disputasse eleições, Lugo renunciou a seu cargo e solicitou “laicização”. Concorreu à presidência mesmo com a recusa do Vaticano, que acabou laicizando-o após sua eleição.
Lugo venceu por maioria simples de votos, numa eleição de três turnos, mas o Partido Colorado reconheceu a derrota pacificamente. Foi o primeiro político de esquerda a ganhar as eleições no Paraguai (com exceção de uma vitória curta de alguém [Rafael Franco], em 1936, revertida em apenas um ano). A eleição de Lugo foi parte da onda de vitórias de partidos de esquerda nas Américas na primeira década do século XXI. Foi um símbolo de esperança para o Paraguai.
Contudo, ele ganhou por poucos votos e seu partido tinha pouca força no Parlamento, principalmente no Senado. O resultado quase inevitável foi que Lugo pôde fazer apenas uma pequena parte do que tinha proposto. Não houve reforma agrária. Lugo prometeu acabar com o papel dos EUA no chamado programa anti-drogas. Ao contrário, deu-lhe continuidade. Não fez nenhum movimento no sentido de fechar a base militar norte-americana no Paraguai. Dada esta performance decepcionante, por que seus oponentes deram-se ao trabalho de removê-lo nove meses antes do fim de seu mandato?
Na verdade, a remoção de Lugo teve uma consequência negativa para os que deram o golpe, tornando possível algo que o Senado paraguaio bloqueava há anos. O Paraguai é um membro do Mercosul, assim como Brasil, Argentina, Uruguai e Bolívia [esta última, na condição de Estado associado]. A Venezuela havia se candidatado a unir-se ao bloco, o que necessitava da ratificação dos quatro Estados-membros. Todos concordavam, exceto o Senado paraguaio. Após o golpe, o Mercosul suspendeu o Paraguai e, imediatamente, deu as boas vindas à Venezuela como membro.
Então, quem ganhou o quê no Paraguai, com o golpe? Em termos de políticas governamentais, não houve nenhuma diferença real. O que as elites locais mostraram foi sua força, talvez esperando com isso não apenas intimidar a esquerda paraguaia, mas mandar uma mensagem para outros países — especialmente a Bolívia. E os bispos paraguaios e o Vaticano tiveram sua vingança, mesmo que débil, sobre um defensor da teologia da libertação.
E os Estados Unidos? Os Estados Unidos já tinham o que queriam no Paraguai. Para certificarem-se, com Franco têm a garantia de continuidade. As afirmações de Hillary Clinton pós-golpe foram vagamente condenatórias. Além disso, os Estados Unidos bloquearam qualquer condenação real ao golpe na Organização dos Estados Americanos. Mas os laços militares do Paraguai com os Estados Unidos agora estarão sob debate e pressão na América Latina. Por isso, não está claro se houve ganho real para os Estados Unidos.
Uma maneira de interpretar o golpe é vê-lo como um conflito na batalha entre os Estados Unidos e o Brasil, pela hegemonia geopolítica na América do Sul. Os passos iniciais do Brasil — a suspensão do Paraguai não apenas do Mercosul, mas União dos Estados Sul-americanos (Unasul), mais ampla — não são exatamente o que os Estados Unidos desejam.
Há, contudo, ambiguidades na posição do Brasil. Os latifúndios no Paraguai, contra as quais o campesinato está lutando, incluem um grande número de propriedades de brasiguaios (brasileiros instalados no país vizinho). O Brasil não quer cortar todos os laços econômicos com o país. Além disso, o Paraguai é uma importante fonte de energia hidrelétrica para o Brasil.
O que vai acontecer agora? O fator-chave é precisamente o Brasil. Ele não pode dar-se ao luxo de adotar um caminho que seja interpretado, na América do Sul, como um reforço à posição dos Estados Unidos. Mas a o interesse político do Brasil em ser um poder “emergente” — criando um bloco sul-americano sob sua liderança — tem que ser balanceado com seus interesses econômicos na mesma América do Sul. Se quiser saber o que vai acontecer no Paraguai, fique de olho no Brasil.