Se o processo de reintegrá-los às suas vidas normais for feito em tempo e forma, as crianças-soldado do Sudão do Sul terão deixado de pertencer às milícias deste país em dois anos.
Por Andrew Green*
Publicado por Envolverde
Se o processo de reintegrá-los as suas vidas normais for feito em tempo e forma, as crianças-soldado do Sudão do Sul terão deixado de pertencer às milícias deste país em dois anos. O Exército de Libertação Popular do Sudão (SPLA) havia se comprometido a liberar em março todas as crianças que combatiam em suas fileiras. Essa força, que é a ala militar do partido político sul-sudanês Movimento de Libertação Popular do Sudão, é uma das poucas no mundo que constam da lista da Organização das Nações Unidas (ONU) como parte de um conflito que recruta e usa crianças.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que no Sudão do Sul há duas mil crianças-soldado. Embora nenhuma esteja dentro do SPLA oficial, estão nas milícias que o governo anistiou, e integradas às Forças Armadas nacionais. O país pode ficar fora da lista em dois anos, se o SPLA seguir o plano de ação que traçou e assinou, que inclui retirar todas as crianças das milícias e trabalhar para lhes dar oportunidades educativas.
Entretanto, o processo de reintegração pode demorar muito mais no caso dos meninos, na medida em que entrarem em escolas ou aprenderem habilidades para poderem ganhar a vida fora dos barracões militares. O processo começará com a identificação e a garantia de liberação formal de todas as crianças-soldado, informou Fatuma H. Ibrahim, chefe da unidade de proteção à infância do Unicef no Sudão do Sul. Quando forem liberados, receberão roupas civis, porque “o que é militar fica com os militares”, afirmou.
Os garotos, com idades entre 12 e 18 anos, serão submetidos a sessões de terapia de grupo com trabalhadores sociais para tentar entender como chegaram a se integrar às milícias e para falar de qualquer tipo de violência que possam ter enfrentado. Segundo Ibrahim, será cerca de 1% que “realmente necessitará de acompanhamento clínico”, embora suas opções sejam limitadas em um país com poucos recursos psiquiátricos. “É um problema muito grande. A maioria recebe pílulas, e isso é tudo”, ressaltou.
Os familiares também se reunirão com trabalhadores sociais para falar sobre a reintegração e garantir que as crianças serão bem-vindas em seu regresso, desestimulando-as a voltarem às milícias. “Os pais têm que estar prontos para recebê-los”, destacou Ibrahim. Em algumas comunidades, isso inclui uma simbólica cerimônia de transição.
Em um país que viveu em guerra durante mais de duas décadas, frequentemente a força militar é uma das poucas oportunidades econômicas viáveis para os homens jovens. Muitas das crianças que o Unicef e seus aliados tiram das fileiras militares seguiram esse padrão, buscando um lugar em uma milícia para dar segurança financeira às suas famílias. Um dos grandes desafios dessa agência da ONU é dar oportunidades que estimulem as crianças que abandonam essas forças.
Após a realização das novas rodadas de liberação, será dada aos jovens a oportunidade de escolher entre ir à escola ou aprender um ofício. O limitado mercado de trabalho propicia que os jovens de mais idade se sintam incentivados a aprender habilidades como carpintaria, que tem cada vez maior demanda em localidades de rápido crescimento. No futuro lhes serão ensinadas duas habilidades, caso a primeira não seja rentável.
O Unicef e outras organizações também trabalham para dar incentivos a fim de impedir que as crianças-soldado voltem a se alistar. Ibrahim mencionou um projeto de criação de gado em que os rapazes recebem uma cabra para criar. Se o programa funcionar, os incentivos serão “significativos”, afirmou. O novo plano de ação para o Sudão do Sul foi assinado oficialmente em 16 de março pelo Ministério da Defesa, pela força de paz da ONU no país e pela representante especial do secretário-geral para a Questão das Crianças e dos Conflitos Armados, Radhika Coomaraswamy.
Desde que ficou independente no ano passado, o Sudão do Sul experimentou episódios esporádicos de violência em todo seu território. No norte, se mantêm as hostilidades com o Sudão. E em outras partes, especialmente no estado de Jonglei, há conflitos intertribais pelos direitos à terra e ao gado. Coomaraswamy informou que a maior parte das crianças-soldado do país estão no norte, onde a violência foi mais consistente.
O Sudão do Sul está na lista da ONU muito antes de sua independência, em julho de 2011. Em 2006, um Acordo Exaustivo de Paz foi assinado entre o norte e o sul do Sudão, pondo fim a décadas de enfrentamentos e cimentando o caminho para a independência sul-sudanesa. Nesse momento, o SPLA se comprometeu com um plano de ação para liberar suas crianças-soldado, embora não o tenha cumprido totalmente. Em 2009, as organizações de vigilância não haviam encontrado crianças-soldado em fileiras centrais do SPLA, embora ainda existissem nas milícias.
Segundo Coomaraswamy, o renovado compromisso do país procede do “poder da lista” e da pressão dos sócios internacionais. E, embora a ONU nunca tenha punido o Sudão do Sul pela inclusão nesta lista, a representante declarou que sempre havia a possibilidade de que isto ocorresse. A República Democrática do Congo, por exemplo, sofreu sanções por figurar na lista. Seu escritório negocia atualmente com a República Democrática do Congo, com a Birmânia e com a Somália, os únicos governos militares que ainda não assinaram um plano de ação.
* Andrew Green informa do Sudão do Sul no contexto de uma bolsa do International Reporting Project, um programa de jornalismo independente com sede em Washington, Estados Unidos.