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[caption id="attachment_20161" align="alignright" width="300"] O aiatolá Khamenei dará a última palavra sobre dialogar, ou não, com os Estados Unidos (Foto CC BY-SA 3.0)[/caption]
Segundo ex-presidente, país “agora pode negociar plenamente com os Estados Unidos com base em condições igualitárias e respeito mútuo”
Por Farideh Farhi, da IPS/Envolverde
Enquanto as autoridades iranianas se preparam para as negociações com os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) mais a Alemanha (P5+1) sobre seu programa nuclear, o debate interno vai além: seria útil dialogar ou mesmo se relacionar com os Estados Unidos? Historicamente, falar em público sobre as relações com os Estados Unidos é tabu no Irã. Sempre houve quem aceitasse essa ideia, mas eram reprovados, ignorados ou rapidamente silenciados.
O debate atual é diferente, tanto por sua amplitude como pela clara posição das duas partes sobre o tema. De um lado, estão os expoentes da linha dura, que continuam promovendo o valor da “economia da resistência” (termo cunhado pelo líder supremo Ali Khamenei) para responder às sanções internacionais conduzidas pelos Estados Unidos. Por outro, cada vez mais figuras de todo o espectro político, inclusive algumas conservadoras, reclamam conversações bilaterais.
A ideia de negociar diretamente com os Estados Unidos foi apresentada na última primavera boreal por Akbar Hashemi Rafsanyani, ex-presidente do Irã (1989-1997) e atual presidente do Conselho de Conveniência, em algumas entrevistas. O Irã “agora pode negociar plenamente com os Estados Unidos com base em condições igualitárias e respeito mútuo”, afirmou.
A atual obsessão com o programa nuclear iraniano não é o principal problema de Washington, disse Rafsanyani, respondendo aos que “pensam que os conflitos do Irã (com o Ocidente) serão solucionados deixando para trás a questão nuclear”. O ex-presidente disse ainda que a situação de “não falar e não ter relações com os Estados Unidos não é sustentável. O sentido das conversações não é capitular diante deles. Se aceitarem nossa posição ou aceitarmos a deles, já basta”.
Estados Unidos e Irã não mantêm relações diplomáticas desde a Revolução Islâmica de 1979. O conflito tem sido principalmente frio, mas a ameaça de uma guerra se agravou este ano, depois de uma campanha de pressão do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, baseada no suposto fim armamentista do programa nuclear de Teerã.
Entretanto, Rafsanyani já não é uma voz solitária a favor de conversações diretas. Na verdade, enquanto cobra brios para o debate, ele se mantém em um silêncio relativo. Na semana passada, por exemplo, centenas de pessoas lotaram um auditório universitário na pequena capital provincial de Yasuj, para ouvir um debate entre dois ex-membros do parlamento quanto a ser uma oportunidade ou uma ameaça o diálogo com Washington.
Mostafa Kavakabina, acadêmico e político reformista, disse que, além das sanções ao Irã islâmico, “a questão da energia nuclear, as múltiplas resoluções (contra o país) em organizações internacionais, as violações dos direitos humanos do ponto de vista do Ocidente, a questão de Israel e o terrorismo internacional são resultado da falta de uma relação lógica com os Estados Unidos”. Em contraposição, o parlamentar Sattar Hedayatkhah afirmou que “as relações com os Estados Unidos nas atuais condições significam retratar-se de 34 anos de resistência contra sanções da arrogância mundial”.
Nas últimas semanas, a posição de linha dura foi articulada por personagens como o chefe da milícia Basij, Mohammadreza Naqdi, para quem as sanções são um meio para liberar “o potencial latente” do Irã. Também o representante de Khamenei no Corpo da Guarda Revolucionária do Irã, o clérigo Ali Saeedi, disse que as propostas de Washington sobre conversações diretas são um estratagema para convencer Teerã a “desistir de seu programa nuclear”.
Em meio a esse debate está Khamenei, que tomará a decisão final. Nos últimos dois anos, ele expressou claramente sua desconfiança sobre as intenções de Barack Obama. E não permitiu um único contato bilateral de alto nível, desde as falidas negociações de outubro de 2009 para tirar o urânio enriquecido do Irã (quando o representante iraniano Saeed Khalili se reuniu com o subsecretário de Estado norte-americano William Burns no encontro P5+1).
Entretanto, a perspectiva de que possa mudar de opinião foi suficiente para que se publicasse um duro editorial no jornal Kayhan, advertindo sobre uma “conspiração” de “revolucionários tresloucados” para forçar o líder “a beber o cálice da retratação, abandonar suas posições revolucionárias e conversar com os Estados Unidos”.
O artigo afirma que, “ao expor análises errôneas e relacionar todos os problemas do país com as sanções externas, (os tresloucados) querem inflamar o clima social e agitar sentimentos públicos, para que o exaltado líder se veja obrigado a ceder às suas demandas a fim de proteger os interesses do país e os ganhos da revolução”. A imagem do veneno se refere ao famoso discurso do pai da Revolução Islâmica, o aiatolá Ruhollah Khomenei, quando aceitou a contragosto o cessar-fogo com o Iraque, em 1988, e se referiu a ele como um cálice de veneno do qual deveria beber.
Os representantes da linha dura continuam acreditando que foram os líderes moderados da época, como Rafsanyani, que convenceram Khomeini a tomar esse veneno, omitindo convenientemente o fato de que o aiatolá estava naqueles tempos muito alinhado com Rafsanyani. Desta vez, os suspeitos são “revolucionários tresloucados” que ainda operam dentro do sistema.
Entretanto, os duros estão em apuros. Após elevarem o papel de Khamenei ao grau de um líder que tudo sabe, semelhante a um imã, têm poucas opções além de manter silêncio e submeter-se à sua liderança se ele decidir a favor das conversações diretas. Daí sua tentativa de expor todo esforço de diálogo como uma derrota ou um remédio amargo e desnecessário.
Neste contexto, a decisão de Khamenei só pode ser considerada uma grande interrogação. Não está totalmente claro se acabará cedendo ao diálogo, e, de fato, é bastante improvável, a menos que a posição de Washington sobre o programa nuclear iraniano fique publicamente clara, para permitir um acordo negociado aceitável. Em outras palavras, embora Khamenei possa acabar aprovando as conversações diretas, o caminho para essa posição implica algum tipo de acordo na disputa nuclear – ainda que seja limitado – no contexto do P5+1, e não ao contrário.
A realidade é que as pressões de Washington sobre Teerã ajudam a criar um ambiente no qual muitos exigem uma mudança de direção estratégica, embora gradual, na política externa iraniana relativa à “questão norte-americana”. Mas esta reclamação de mudança só pode tornar-se dominante se houver garantias de que nos Estados Unidos estão amadurecendo mudanças correspondentes, ainda que graduais, sobre a “questão iraniana”.
* Farideh Farhi escreve no blog de Jim Lobe (www.lobelog.com).