A razão pela qual 2012 parece tão vazio é que agora os eleitores de ambos os lados da divisória partidária não apenas estão cansados desta situação, eles sentem nojo dela.
Por Matt Taibbi (Tradução de Idelber Avelar)
As eleições presidenciais de 2012 começam agora com as assembleias de eleitores em Iowa e todos sabemos o que isso significa …
Nada.
A disputa pela Casa Branca é, normalmente, um acontecimento repleto de drama, que atrai olhares interessados em todo o planeta. Da mesma forma que até mesmo os não-britânicos se sentiram pelo menos temporariamente interpelados pelo casamento real do ano passado, gente de todo o mundo fica fascinada pela corrida presidencial dos EUA: ambos os dramas excitam a imaginação popular como versões de vida real dos contos de fadas infantis.
Em vez de um conto sobre qual donzela conseguirá se casar com o belo príncipe, a campanha é uma história épica, completada por um castelo brilhante e branco ao fundo, sobre a batalha para suceder o rei no trono. Posto que a presidência dos EUA é o escritório de maior poder no mundo, o conto atrai gente de todo o globo, das florestas equatoriais até as aldeias da Sibéria.
É necessária muita coisa para roubar da corrida presidencial essa atração elementar. Mas a disputa deste ano perdeu esse apelo. Na verdade, 2012 pode ser a campanha eleitoral mais insignificante que jamais tivemos. Se a disputa presidencial normalmente cativa o público como uma batalha ideológica dramática e raivosa entre uma metade apaixonada da sociedade contra a outra, a disputa deste ano parece ser algo completamente diferente.
Na esteira do Tea Party, dos movimentos de ocupação e de uma dúzia ou mais de episódios de rebelião real nas ruas, nos legislativos municipais e nos tribunais federais e estaduais, esta eleição presidencial parece agora um show banal e burocrático, lateral em relação ao acontecimento real – um confronto que iminente entre enormes massas de cidadãos revoltados dos dois lados do divisor partidário contra uma estrutura política falida, corrupta e cada vez mais ideológica, representada em grande medida pelos dois partidos que dominam a disputa.
Coloquemos a coisa da seguinte forma: o que lhe parece mais uma notícia real – Newt Gingrich chamando Mitt Romney de mentiroso pela milionésima vez ou este ítem quente que acaba de se anunciar na Corte Suprema de Montana:
HELENA-- A Corte Suprema de Montana restaurou a proibição de um século do estado sobre os gastos diretos de corporações em candidatos políticos ou comitês, num veredito de sexta-feira que grupos de interesse afirmam ter contrariado uma famosa decisão da Suprema Corte dos EUA que conferiu direitos de expressão às corporações...
Um grupo que tenta reverter a decisão da Suprema Corte sobre a Citizens United elogiou a corte de Montana, com o seu co-fundador afirmando que “foi uma grande vitória para a democracia”.
“Com esta decisão, a Corte Suprema de Montana estabelece agora o primeiro caso teste para que a Corte Suprema dos EUA revisite sua decisão sobre a Citizens United, que coloca uma ameaça séria e direta à nossa democracia”, disse John Bonifaz, do grupo Free Speech for People.
Pois bem, isso é política de verdade – protesto real, mudança real. É exatamente o oposto da farsa estéril e capenga em Iowa. Estas assembleias de eleitores em Iowa, reconheçamos, marca o início de um processo longo, rigidamente controlado e cuidadosamente coreografado que é feito para duas coisas: excluir as opiniões minoritárias perigosas e conceder poder ao candidato que menos ofender o público enquanto vai realizando a tarefa principal, a de representar energicamente os interesses do establishment.
Se isso lhe parece um exagero acerca de um sistema eleitoral livre que permite ao público escolher qualquer candidato que queira sem censura ou interferência direta do Estado, que assim seja. Mas a feia realidade, como Dylan Ratingan continuamente aponta, é que o candidato que levanta mais dinheiro vence em espantosos 94% dos casos nos EUA.
Esta estatística, tão condenatóia, só confirma o que todo mundo que passou algum tempo em meio a campanhas eleitorais já sabe, ou seja, que a disputa presidencial não é por ideias, mas toda ela por levantar mais dinheiro.
O processo eleitoral em leilão é feito para reduzir o campo a dois candidatos que receberão, cada um, centenas de milhões de dólares do mesmo conjunto de doadores. Dê uma olhada na lista dos principais doadores de Obama e McCainna eleição de 2008.
O top 20 da lista de Obama incluía:
- Goldman Sachs ($1.013.091)
- JPMorgan Chase & Co ($808.799)
- Citigroup Inc ($736.771)
- WilmerHale LLP ($550.668)
- Skadden. Arps et al ($543.539)
- UBS AG ($532.674) e
- Morgan Stanley ($512.232)
A lista de McCain, enquanto isso, incluía (rufem os tambores, por favor):
- JPMorgan Chase & Co ($343.505)
- Citigroup Inc ($338.202)
- Morgan Stanley ($271.902)
- Goldman Sachs ($240.295)
- UBS AG ($187.493)
- Gibson. Dunn & Crutcher ($160.346)
-
Greenberg Traurig LLP ($147.437) e
- Lehman Brothers ($126.557)
A lista de Obama incluía todos os principais bancos e recebedores do socorro estatal (bailout) e mais uma legião de advogados endinheirados de firmas como WilmerHale e Skadden Arps, que fazem suas fortunas representando aqueles mesmos bancos. A lista de McCain incluía exatamente os mesmos bancos e uma lista parecida de firmas de advocacia, com a diferença mínima de que era a Gibson Dunn em vez da WilmerHale etc.
Os números revelam notável consistência, já que o Chase, o Morgan Stanley e o Citigroup deram o dobro ou pouco mais que o dobro a Obama do que deram a McCain, replicando quase perfeitamente o perfil geral das doações dos candidatos: no geral, Obama levantou um pouco mais do dobro ($730 milhões) do que McCain ($333 milhões).
Estes números nos revelam que ambos os partidos dependem do mesmo grupo de doadores principais advindos das firmas de advocacia, empresas de Wall Street e líderes de negócios – basicamente, o 1%. Este um por cento sempre doa generosamente a ambos os partidos e ambos candidatos presidenciais, apesar de que às vezes ele privilegia significativamente um lado quando crê que ele tem uma chance muito maior de vitória. Isso claramente aconteceu em 2008, quando Wall Street corretamente previu Obama como favorito 2 por 1 (ou talvez 7 por 3) contra McCain.
Os doadores do 1% são notavelmente tolerantes. Eles doarão para praticamente qualquer um que esteja bem nas pesquisas, contanto que o candidato se alinhe dentro de certos parâmetros. O que eles não farão é doar a qualquer um que seja uma ameaça, mesmo que remota, de fazer mudanças estruturais, ou seja, um Dennis Kucinich, uma Elizabeth Warren ou um Ron Paul (o inferno vai se congelar antes que Wall Street doe pesadamente a um candidato que é favorável à abolição do seu cofrinho de estimação, o Fed). Portanto, o que isso significa é que os eleitores são livres para escolher qualquer candidato que queiram, contanto que não seja Dennis Kucinich, Ron Paul ou algum outro personagem inaceitável.
Se os eleitores insistem em apoiar tais pessoas, desafiando esses doadores – e isto pode até acontecer hoje à noite, com uma vitória de Ron Paul em Iowa [nota da Fórum: Paul não venceu, mas conseguiu 21,5% dos votos, contra 25% de Romney e 25% de Santorum] –, o que você inevitavelmente verá é uma monstruosa quantidade de dinheiro sendo usada com o objetivo de derrubar esse candidato. Isso pode tomar formas óbvias, como a doação pesada aos seus adversários principais, ou formas mais veladas, como a manufatura de opiniões através de institutos [think tanks] subsidiados ou pelo uso pesado de cães de estimação da mídia para disseminar as objeções do establishment.
O que acaba acontecendo aí é que o candidato com a maior pilha de dinheiro de doadores sempre consegue sobreviver aos inevitáveis escândalos e revelações vergonhosas, enquanto que aquele que depende de cheques da vovó e de doações de $25 dos universitários via internet sempre termina misteriosamente alijado.
E assim um sujeito como George W. Bush, que fugiu do serviço militar e mentiu sobre seu serviço na Guarda Nacional, dispara para a reeleição, enquanto que um sujeito como Howard Dean – nem de longe uma ameaça real ao status quo, e cujos grandes crimes eram não ser suficientemente pró-guerra e ter encontrado uma fonte alternativa de financiamento na internet – magicamente sai do mapa e é transformado numa caricatura depois de um grito estranho nas assembleias de Iowa.
A razão pela qual 2012 parece tão vazio é que agora os eleitores de ambos os lados da divisória partidária não apenas estão cansados desta situação, eles sentem nojo dela. Eles querem uma chance de escolher seus próprios líderes e ter controle completo sobre as políticas implementadas, não só um direito parcial a um palpite. Há alguns desafios a este estado de coisas dentro do processo eleitoral – e não importa quanto eu discorde de Ron Paul em muitas coisas, acredito que sua campanha é uma legítima válvula de escape dessas reclamações –, mas todos sabem que, no final das contas, quando as primárias terminarem, nos sobrará um pateta aprovado pelo 1% brigando com o outro.
O mais provável é que seja Mitt Romney versus Barack Obama, o que quer dizer que as escolhas dos eleitores, em meio a uma crise econômica global causada, em grande parte, pela corrupção na indústria de serviços financeiros, serão um parasita dos fundos de investimento que sempre foi um ideólogo do etos “a-cobiça-é-boa”, no estilo Gordon Gekko (Romney), versus um progressista que, em 2008, recebeu, sozinho, mais dinheiro de Wall Street que qualquer dos dois candidatos presidenciais anteriores, e que nos quatro anos seguintes inundou Wall Street de socorros financeiros ao mesmo tempo em que não realizava um único processo bem-sucedido por corrupção (Obama).
Há diferenças óbvias, até mesmo significativas, entre Obama e alguém como Mitt Romney, particularmente em questões sociais, mas não importa como Obama se propangadeie desta vez, a escolha entre esses dois não representará, de forma nenhuma, uma escolha entre “mudança” e o status quo. Será uma escolha entre duas versões do status quo, e todo mundo o sabe.
A luta real contra o status quo vem de lugares como a Suprema Corte de Montana que, com essa decisão recente, identificou corretamente as linhas de batalha reais da próxima temporada política, ao rejeitar o conceito de gastos de campanha ilimitados para corporações.
Ela vem de lugares como o tribunal do juiz federal Jed Rakoff, que recentemente rejeitou um acordo espúrio entre a SEC e o Citigroup. Vem das ruas e dos protestos do Ocupar Wall Street, e até mesmo do Tea Party, que em anos recentes derrotou inúmeros patetas Republicanos por causa do apoio deles ao socorro financeiro aos bancos (como o Senador de Utah Robert Bennett, que foi recepcionado numa convenção do partido aos gritos de “cara-de-pau, cara-de-pau, cara-de-pau”).
Este movimento crescente e disseminado contra as influências corruptoras gêmeas do dinheiro sobre a nossa política, por um lado, e do mecenato estatal aos grandes negócios, por outro, está acontecendo em todas as partes – nas ruas, nesses tribunais e nas casas das pessoas que se recusam a se mudarem depois da liquidação das hipotecas, até mesmo nos movimentos anti-impostos e nas campanhas contra as pensões estatais.
O único lugar em que podemos ter absoluta certeza de que esta batalha não acontecerá é na disputa presidencial entre Barack Obama e alguém como Mitt Romney.
A campanha ainda é um ritual gigantesco e será revestido dos espetáculo e pompa usuais, mas ela é vazia. Na verdade, sendo realmente uma disputa entre candidatos aprovados pelo 1%, ela é pior que vazia – ela é insultante.
Sempre foi irritante ver esses dois partidos e a mídia subserviente que acompanha seus ideólogos durante 18 meses fingirem que se tratava de um embate colossal de forças opostas. Mas agora, com a economia na situação em que está em grande parte graças às pessoas que financiam estas eleições, essa pretensão é mais que irritante, ela é uma ofensa.
E eu imagino que quanto mais eles tentem alimentar o drama desses rituais de campanha conhecidos-mas-vazios, mais irritante para o público tudo isso se tornará. Na verdade, eu não me surpreenderia se, antes do fim da temporada, a própria campanha se torne um odiado símbolo do 1% – com as convenções e as barracas das estações de TV fora das inevitáveis “zonas de expressão livre” atraindo protestos da mesma forma que os escritórios do Chase e do Bank of American atraíram no segundo semestre do ano passado.
Ou talvez não. Veremos. Em todo caso, começou ontem a sombria campanha para escolher o próximo administrador imperial – o desconto do 1%, chamemos. É o mesmo velho ritual, mas não creio que ele seja engolido da mesma forma desta vez.