Em palestra no Ibase, Antanas Mockus descreveu a experiência da capital colombiana no combate à violência
Por Carola Mittrany
Há 15 anos, Bogotá era considerada uma das cidades mais perigosas do mundo. Em 1990, a taxa de homicídios era de 80 por 100 mil habitantes. Baixou para 23 por 100 mil em 2003, e este ano chegou a 17 por 100 mil habitantes. Os acidentes de trânsito diminuíram de 1.287 em 1995, para 585 em 2002. Ao longo do mesmo período houve um declínio de 26% no uso de armas de fogo. A isso deve-se agregar também um aumento na arrecadação fiscal, ampliação no uso da água potável e saneamento básico, recuperação da credibilidade da polícia e um conseqüente aumento da auto-estima da população. Esses números ilustram sem dúvida uma das administrações mais eficazes, de fazer inveja a muitas cidades afetadas pela violência urbana. O nome por trás deste processo de mudança é Antanas Mockus (foto), duas vezes prefeito de Bogotá (1995-1997 e 2001-2003), que participou de uma mesa redonda no Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (Ibase), no último 14, para falar sobre sua filosofía de governo e de um novo projeto que compara culturas cidadãs de cidades latino-americanas.
Filho de imigrantes da Lituânia, Mockus cursou filosofía e matemática e foi reitor da Universidade Nacional da Colômbia entre 1990 e 1993, quando decidiu lançar-se como candidato à prefeitura da capital Bogotá. Em seus dois mandatos liderou iniciativas de cultura cidadã originais e bem humoradas que resultaram na redução de 50% nos índices de criminalidade. Em uma das iniciativas, colocou palhaços no lugar de guardas de trânsito para repreender motoristas que cometiam infrações.
“O que importa em uma cidade é o comportamento das pessoas. Todos nós estamos aprendendo a ser cidadãos, somos projetos inacabados. Quando vemos outras pessoas atuando de maneira correta tendemos a copiar sua conduta”, acredita Mockus.
Controle mútuo A idéia central do movimento que foi denominado cultura cidadã é a noção de que as cidades são resultado de interações intensas de pessoas muito diferentes entre si, o que pressupõe risco devido a um contato entre cidadãos que não se conhecem. Para minimizá-los, Mockus apostou na comunicação simbólica para que tais riscos não comprometam a vida:
“Os códigos culturais determinam muito da conduta. Então minha idéia era incentivar as pessoas a comunicar-se mais. Intensificar a interação para que haja menos separação entre a lei, a moral e a cultura. Por isso era necessário possibilitar outras formas mais elaboradas de reflexão e ação que substituíssem parte da violência”, explica.
Para cumprir tal tarefa se formulou um plano de governo com quatro objetivos principais: aumentar o cumprimento das normas de convivência; aumentar a quantidade de cidadãos que, pacificamente, levem outros cidadãos a obedecer as normas – instrumento denominado controle mútuo -; aumentar a solução de conflitos por meios pacíficos; e, finalmente, incentivar a comunicação entre a população. Para cada um desses objetivos se designou um pressuposto específico.
“O controle mútuo ajuda a corrigir o hábito social, permitindo que a consciência e o comportamento sejam consistentes. Assim podemos chegar no ideal que é a auto-regulação”, afirma.
Violência x segurança Para um grupo de colombianas presentes ao encontro, no entanto, nem tudo são flores na gestão de Mockus. “Algumas ações do seu governo poderiam ser consideradas violentas, numa perspectiva do Estado contra os cidadãos, como o uso de uma relação desigual de força e poder do governo contra grupos vulneráveis da população, sem lhes oferecer alternativas para mudanças”, reclama Zulma Urrego Mendoza, médica sanitarista pública, que atualmente está fazendo um intercâmbio acadéêico no Rio de Janeiro.
Ela cita como exemplos o despejo de vendedores ambulantes por meio de uma violenta repressão policial, que resultou em dezenas de desempregados, e uma ampla reestruturação hospitalar, que culminou na precariedade da saúde pública.
“A memória que o cidadão de classe média tem de Mockus em Bogotá é de um impacto positivo relacionado ao programa de redução da mortalidade infantil por fogos de artifício, da mortalidade por acidentes de trânsito e homicídios e dos programas de controle de alcoolismo em festas de fim de ano, além da organização do trânsito e a limpeza da cidade, com o programa de cultura cidadã. Mas não me lembro de algum impacto especial em índices de segurança, exceto pela redução de acidentes de trânsito e homicídios em ‘horas e zonas de rumba?", afirma Zulma Mendoza.
E completa: “Em compensação, ele é lembrado por suas ações policiais contra pessoas humildes que perderam o direito ao trabalho e pelos milhares de desempregados aos quais não foi oferecida uma alternativa digna. Ele é tido ainda como a pessoa que reduziu pessoal em serviços de saúde para cidadãos mais pobres", dispara.
Mesmo com as críticas, o consenso entre o público foi que o caso de Bogotá apresenta diversos pontos de êxito, que podem ser replicados e servir como exemplo para outras cidades.
Diagnóstico cidadão Atualmente presidente da ONG Corporación Visionarios por Colombia, o ex-prefeito está lançando um estudo comparativo para avaliar o potencial de cultura cidadã de uma determinada localidade e, com fundamento nesse diagnóstico, propor ações e campanhas de cultura cidadã.
“O objetivo é aumentar o cumprimento voluntário das normas, a capacidade de cumprir acordos, incentivar a comunicação e a solidariedade entre cidadãos e uma ajuda mútua para atuar conforme a própria consciência e em harmonia com a lei”, afirma Henry Murrain Knudson, coordenador de projetos da ONG.
As cidades contempladas nesta primeira etapa são Belo Horizonte e São Paulo, no Brasil, e a Cidade do México. Apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e as respectivas administrações regionais, este projeto busca gerar uma linha base das cidades em aspectos relacionados com as atitudes das pessoas, crenças e relações entre cidadãos e sua atitude em relação a fatores de convivência.
“A idéia é atacar as carências e construir sobre as fortalezas identificadas. A partir das análises serão desenhadas metodologias para implementar ações-piloto em cada uma destas cidades”, explica Murrain.
Saiba mais: A lição de Bogotá Em outros sites: • Cultura ciudadana: programa contra la violencia en Santa Fe de Bogotá, Colombia (1995-1997) Por Antanas Mockus • Corporación Visionarios por Colombia • Medios independientes de Colombia Comunidade Segura