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O conturbado momento político pelo qual passa o Brasil deixa todas as possibilidades das eleições deste ano – se elas acontecerem – em aberto. A cinco meses da data marcada do pleito, a indefinição ainda é grande, e não é à toa. Trata-se da primeira eleição presidencial depois de um controverso processo de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff que culminou em uma acirrada polarização política. O líder disparado em todas as pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva, está preso, e o segundo lugar, isolado dos demais, não é um tucano, mas um ex-militar, com aspirações da direita radical e que beiram o fascismo: Jair Bolsonaro.
Ainda que essas eleições sejam repletas de particularidades, a prisão do líder nas pesquisas e a ascensão eleitoral de um candidato de extrema-direita não são aspectos que surgiram agora de forma espontânea ou isolada. Trata-se do resultado de um processo que já vem sendo trabalhado em outras eleições, na verdade desde a primeira após a redemocratização do país, em 1989.
Sempre com chances de vencer, Lula tem sido sistematicamente demonizado pela direita e pela centro-direita, com o apoio da mídia, desde sua primeira candidatura – os factoides, as “convicções” e as acusações sem prova não vêm de hoje e, com o intuito de impedir que Lula volte à presidência, a demonização historicamente encampada contra o petista atingiu um nível superior com sua prisão no mês passado. As chances de Lula conseguir sair candidato nas eleições deste ano são mínimas.
[caption id="attachment_132737" align="aligncenter" width="614"] Lula é líder absoluto em todas as pesquisas e se entregou à prisão, em pleno ano eleitoral, nos braços do povo. (Foto: Ricardo Stuckert)[/caption]
Da mesma maneira, a força do pensamento de extrema-direita em pleitos eleitorais já vem sendo gestada desde a década de 90 com as candidaturas de Enéas Carneiro e, em 2018, esse pensamento também atinge um nível superior na figura de Jair Bolsonaro.
[caption id="attachment_132738" align="aligncenter" width="608"] Bolsonaro, que representa a ascensão do pensamento fascista e está em segundo lugar nas pesquisas, "bate" em um boneco que faz alusão ao ex-presidente Lula em roupa de presidiário (Foto: Guilherme Santos/Sul 21)[/caption]
Para entender como se deu esse processo de demonização de Lula e ascensão do pensamento fascista em eleições, Fórum resgatou duas matérias: uma publicada na edição impressa da revista em 2002, às vésperas da primeira vitória de Lula, e outra publicada em nossa edição digital, em 2015.
Na matéria de 2002, o jornalista Glauco Faria fez um retrospecto de como a direita e a centro-direita tentavam inviabilizar a candidatura de Lula de 1989 e como se articulava para fazer o mesmo – sem sucesso – naquele ano.
Já na matéria de 2015, logo após a apertada vitória da ex-presidenta Dilma Rousseff, o mesmo jornalista analisava que pesquisas já apontavam para um massivo apoio ao impeachment e já sinalizavam a ascensão de Bolsonaro que está sendo concretizada este ano.
Relembre.
O trator governista continua trabalhando firme. E o candidato do PT, sempre vítima de armações em eleições passadas, continua como o alvo principal (Por Glauco Faria - Publicada originalmente na edição nº 6 da Fórum impressa, em 2002)
Lembra da Miriam Cordeiro? Ex-mulher de Lula, ela foi um dos principais cabos eleitorais de Fernando Collor de Mello quando apareceu na TV dizendo que o candidato do PT teria oferecido dinheiro para que fizesse um aborto. Isso às vésperas do segundo turno da eleição de 1989. Mas esse não foi um fato isolado. Na mesma época, os seqüestradores do empresário Abílio Diniz apareceram presos vestindo camisas do PT. Alguns jornais não titubearam e estamparam a manchete: “PT seqüestra Abílio Diniz”. Depois, provou-se que haviam vestido os criminosos dessa forma para prejudicar Lula. Alguém foi punido? [caption id="attachment_132739" align="aligncenter" width="620"] Miriam Cordeiro ataca Lula em propaganda eleitoral de Collor, em 1989 (Foto: Reprodução)[/caption] O jornalista Chico Santa Rita, um dos responsáveis pela campanha de Collor no segundo turno do pleito de 1989, revelou que a baixaria poderia ser ainda pior. Segundo ele, na última semana de campanha, Collor entregou-lhe uma fita e ordenou que a utilizasse no programa daquele dia: Lula assistia ao fuzilamento de três prisioneiros por homens vestidos com roupas de guerrilheiros cubanos. Um técnico teria avisado que se tratava de uma montagem. Santa Rita chamou o comando “collorido” para avisar que se a imagem fosse usada sairia da campanha. A fita acabou não indo ao ar. Ah, sim! E a famosa edição do Jornal Nacional sobre o debate final do segundo turno? Nunca foram poupados esforços para evitar a vitória de Lula. E a eleição de 1989 não foi a única. Em 1994, a hoje mais tranquila Igreja Universal trabalhava fortemente contra o petista. Como já havia feito em 1989, por sinal, quando Edir Macedo disse que Lula era o candidato do demônio e perseguiria os evangélicos se eleito. Na primeira eleição contra FHC, as “acusações” da Folha Universal, jornal da igreja, eram de que Lula participava de rituais de candomblé, defendia o aborto e daria calote na dívida externa. Em uma capa, o candidato petista aparecia junto à bandeira do Brasil sem os dizeres Ordem e Progresso, que eram lembrados na manchete “Sem Ordem e Sem Progresso”. Em 1998, a mídia deu muito destaque a uma história sobre um cheque que Lula recebeu pela venda de um carro Omega do advogado Roberto Teixeira, seu compadre. Como o cheque estava no nome do empresário Sérgio Lorenzoni (Teixeira simplesmente repassou para Lula o cheque que havia recebido de Lorenzoni) todas as especulações possíveis foram feitas pela grande imprensa. Nada de irregular foi achado. Aliás, essa pseudodenúncia foi levantada pelo petebista Campos Machado, então aliado dos tucanos. A história sobre o cheque foi revelada em julho de 1997 a Machado, que preparou o texto da denúncia, mas engavetou-a. O deputado demorou mais de um ano para entregar a representação à Procuradoria-Geral de Justiça, só fazendo a menos de dois meses das eleições presidenciais de 1998. Mera coincidência? Pelo jeito, nessas eleições não vai ser diferente. Nos últimos meses, a candidatura Lula vem sendo bombardeada de todos os lados: primeiro, veio a perspectiva do apocalipse econômico promovido por parte da mídia e pelo governo, que sustentavam o mito de que os males da economia brasileira, a subida do risco-país e a desconfiança do mercado financeiro internacional derivavam exclusivamente da posição do petista nas pesquisas. Depois, de novo com a ajuda da grande imprensa, surgiu uma forma de terrorismo mais típica do oficialismo tucano: a Polícia Federal aproveitou o assassinato do prefeito da cidade de Santo André, Celso Daniel, para fazer escutas telefônicas em vários integrantes do partido ligados àquela gestão, episódio em que foram lançadas suspeitas até mesmo contra o presidente do PT, o deputado José Dirceu. Além disso, a Polícia Federal investigou, novamente por meio de procedimentos de legalidade duvidosa, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Leia a reportagem completa aqui.Bolsonaro e a extrema-direita que quer aparecer (Por Glauco Faria - Publicada originalmente na Revista Fórum Digital, em julho de 2015)
Se os principais dados que ganharam as manchetes da pesquisa CNT/MDA divulgada na terça-feira (21) foram aqueles relativos à avaliação positiva da presidenta Dilma (7,7%) e ao apoio a seu eventual impeachment (60%), um deles também merece atenção. Em três dos cenários analisados pelo levantamento para as eleições presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro, ex-PP e postulante declarado ao Planalto, aparece com índices que variam entre 4,6% e 5,5% ou 5,8% a 7,3%, descontando-se os votos brancos e nulos e os indecisos. Obviamente ainda é prematuro para se cravar algo em relação ao pleito que só vai acontecer daqui a pouco mais de três anos, mas o percentual não é desprezível para uma figura que representa um dos extremos do espectro político brasileiro. E mesmo que longe de ser competitiva, uma candidatura com tal percentual poderia ser, por exemplo, decisiva em um segundo turno, pendendo a balança para um dos lados ou pautando o debate entre os dois finalistas. Ou mesmo puxando candidaturas ao Legislativo, bancando uma participação ainda maior dos conservadores no Congresso Nacional. Não seria a primeira vez que um candidato identificado com ideias típicas da extrema-direita teria alguma relevância no pleito presidencial. Em 1994, o candidato do extinto Partido da Reedificação da Ordem Nacional (Prona) Enéas Carneiro chegou a 7,38% dos votos válidos, ficando em terceiro lugar e desbancando nomes como Orestes Quércia e Leonel Brizola. Com um discurso ultranacionalista, em uma entrevista ao Roda Viva naquele ano disse que homossexuais não “poderiam ser um exemplo de comportamento sexual”, já que a sociedade “existe para reproduzir”, sendo “homossexuais casais um absurdo”. Mas, na eleição seguinte, em 1998, teve 2,14% e nem sua extravagante defesa de que o Brasil deveria construir a bomba atômica e que fosse aumentado o seu efetivo militar seduziram uma parcela maior do eleitorado. Na verdade, pode-se inferir que, por seu aspecto pitoresco – celebrizado pelo bordão “meu nome é Enéas”, a maior parte dos votos recebidos pelo presidenciável do Prona em 1994 eram mais de protesto do que de adesão. Mesmo assim, a exposição garantiu que fosse o deputado federal mais votado proporcionalmente da história do país em 2002, elegendo junto consigo mais cinco parlamentares. Na última disputa presidencial, Pastor Everaldo (PSC) tentou ser uma opção de uma direita confusa, conciliando conservadorismo político e moral com um liberalismo econômico radical. Isso, aliado a seu desempenho pífio diante das câmeras, fez com que sua candidatura, que chegou a ter 4% de intenções de voto em pesquisas, amargasse meros 0,75% dos votos válidos nas urnas. Bolsonaro não tem esse problema de personalidade difusa assumida por Everaldo em 2014. Seu pensamento e suas ações políticas são homogêneas. Passou por partidos como PDC, PPR, PPB, PTB, PFL e PP, e namora com siglas menores para pleitear a disputa ao Planalto. Militar da reserva, é apoiador da ditadura, combate causas relacionadas aos direitos humanos e já se definiu “preconceituoso, com muito orgulho”. A respeito do PLC 122, que criminalizava a homofobia, declarou em entrevista que “a maioria dos homossexuais é assassinada por seus respectivos cafetões, em áreas de prostituição e de consumo de drogas, inclusive em horários em que o cidadão de bem já está dormindo. O PLC 122, na prática, criará uma categoria de vítimas privilegiadas, ou seja, com proteção especial em virtude de sua opção sexual”. Se muitos ficaram espantados com os arroubos homofóbicos de Levy Fidelix no último debate entre presidenciáveis no primeiro turno, o que esperar de Bolsonaro? Por conta de declarações de cunho similar às do presidenciável do PRTB dadas ao programa CQC, o parlamentar chegou a ser condenado em primeira instância, em abril deste ano, a pagar uma indenização de R$ 150 mil ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, alegando que iria recorrer por ter foro privilegiado. Florescimento da extrema-direita No que diz respeito ao modus operandi da direita radical brasileira, personificada na figura de Bolsonaro, existe um “ódio cabal aos direitos humanos”, dizia em palestra proferida em março Renato Janine Ribeiro, quando ainda não havia assumido o Ministério da Educação. “O que distingue a extrema-direita hoje no Brasil é quase que mais uma agenda de costumes do que uma agenda política”, analisou, de acordo com o blogue de Roldão Arruda. “Atacam o homossexual, a igualdade de gênero, os direitos das mulheres, e por aí. Tudo isso tem um alcance muito grande no Brasil”, disse o filósofo. “Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas… Pregar a volta dos militares deveria ser crime, deveria levar a pessoa para a cadeia. Vários países da Europa criminalizaram a pregação nazista. Nós – que tivemos uma ditadura militar – deveríamos criminalizar a pregação da ditadura.” A tolerância a que Janine se refere é fruto de uma situação aparentemente paradoxal no Brasil. Ao mesmo tempo em que muitas figuras políticas – mesmo as oriundas do regime militar e de seu partido, a Arena – se recusavam a se assumir como sendo de direita, o modelo de transição negociada garantiu um espaço generoso aos nostálgicos da ditadura. Algo impensável em países vizinhos que também passaram por regimes de exceção. “Não há na Argentina uma determinação legal de que fazer apologia da ditadura é crime, mas sim há um compartilhamento social da ideia de que não há como defender o que aconteceu entre 1976 e 1983. Não existe espaço de legitimidade, por exemplo, para um [Jair] Bolsonaro, que lá seria uma figura execrada e já teria perdido o mandato legislativo”, disse em entrevista a pesquisadora Caroline Silveira Bauer, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A falta de acerto de contas com o passado, em geral, causa problemas no futuro, como a História ensina. Há dois outros fatores que também contribuem para o caldo que permite o florescimento de posições extremadas de direita, ambos relacionados. A consolidação de grupos fortes e com ação constante nas redes sociais pregando um discurso de ódio e centrando fogo no arco que vai desde os governos petistas até a oposição de esquerda a esses mesmos governos acabou fazendo com que muitos conservadores e autodeclarados anticomunistas (ainda que isto possa parecer um contrassenso a essa altura da História) perdessem a vergonha e o medo de se assumir publicamente. Como muitos destes grupos faziam o chamado “trabalho sujo” na internet ao inventar boatos, tentar causar pânico e agir de forma violenta contra petistas e a esquerda em geral, seu trabalho acabou interessando ao PSDB e outras legendas. Ao encampar parte desse discurso, Aécio fez uma das campanhas mais polarizadas em termos ideológicos da história das eleições presidenciais, legitimando um tipo de ação política que, ao fim, macula a própria atividade política. Leia a reportagem completa aqui.