Uma postagem no perfil da rede social X “Real Madrid Brasil" reacendeu uma discussão acerca da entrevista que o jogador Endrick, hoje no time espanhol, deu à Revista Placar em fevereiro deste ano. Numa declaração polêmica e até mesmo perigosa em tempos onde a depressão e a ansiedade pairam sobre adolescentes e jovens do mundo inteiro, o atacante disse “Meu psicólogo, primeiramente, é Deus. Eu não preciso abrir meu coração para mais ninguém. Eu tenho Deus na minha vida, eu não preciso desabafar com outra pessoa que não vai nem conhecer meus pais, não vai nem conhecer minha pessoa. Então eu somente tenho que conversar com Deus, tenho que orar.”
A fala do jovem atleta, de 18 anos, expõe uma realidade assustadora, o negacionismo científico também acontecendo nas relações de algumas relações trabalhistas, principalmente os que trazem muita exposição e “fama”. A crença religiosa, sem dúvida, é uma influência na vida de muitas pessoas nas mais variadas camadas da sociedade. No entanto, quando essa influência toma o lugar da razão e é exposta por alguém com capacidade de incentivar (ou não) determinados comportamentos e ideias, caso o posicionamento seja questionável e até mesmo anticientífico, os resultados podem ser desastrosos.
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A Fórum conversou com o pastor e psicólogo Bruno Aguiar, que trouxe algumas colocações relevantes quanto ao tema: “A relação entre jogadores de futebol e a psicologia é um tema de grande relevância no esporte contemporâneo. A pressão para obter resultados, a cobrança da torcida e os desafios pessoais exigem que os atletas estejam não apenas em ótima forma física, mas também com a mente equilibrada”, disse Bruno, que é pastor na Primeira Igreja Batista de Bultrins, em Olinda - PE
Ainda sobre a fala de Endrick, o pastor e psicólogo disse que é problemática, pois “esta declaração reflete uma visão pessoal de enfrentamento dos desafios, mas também suscita um debate sobre a importância do apoio psicológico profissional. Não estou aqui invalidando o que a fé pode para cada indivíduo e que de fato, para alguns, pode ser um recurso e oferecer grande conforto e motivação, mas a psicologia, sobretudo a psicologia esportiva, contribui de forma específica e técnica para lidar com as complexidades mentais do esporte de alto rendimento. Assim, enquanto a fé, que é individual, pode proporcionar um suporte espiritual, a psicologia esportiva continua sendo uma aliada fundamental na carreira dos jogadores, ajudando-os a alcançar um equilíbrio emocional que pode ser determinante para o sucesso dentro e fora de campo.”
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A verdade que, mais cedo ou mais tarde, Endrick certamente precisará de acompanhamento psicológico, devido à pressão que é jogar em um dos melhores times do mundo e com uma cobrança de desempenho que, mesmo antes de sua estreia, já faz parte de sua atividade profissional, ainda mais como ícone de uma geração e, por isso mesmo, traz bastante peso em suas palavras e atitudes.
Além disso, a fala de Endrick sugere menosprezo pelo trabalho dos psicólogos, como se a falta de notoriedade desses profissionais invalidasse o tratamento médico, quando, na verdade, a impessoalidade na psicologia é crucial para obter bons resultados devido ao uso de métodos científicos. É importante lembrar que o jogador da seleção brasileira tinha apenas 17 anos quando deu a entrevista e, devido à inexperiência, pode ter se expressado mal ao tentar enfatizar a importância da religião e da família em sua vida. No entanto, sua declaração reflete um antigo preconceito no meio do futebol contra a psicologia.
Mais psicólogos, menos pastores
Muitos profissionais, especialmente treinadores e dirigentes, têm dispensado ou negligenciado o trabalho dos psicólogos do esporte. Nas duas últimas Copas do Mundo, a seleção brasileira, sob o comando de Tite, não incluiu psicólogos em sua delegação. O ex-técnico Dunga também criticou a atuação desses profissionais, alegando que os atletas "não se abrem para quem não conhecem".
Em contraste, pastores e líderes religiosos são presença comum nas concentrações de clubes e seleções. Psicólogos que trabalham no meio esportivo notam que jogadores muito apegados à religião frequentemente resistem às abordagens psicológicas, como se o tratamento emocional e o acolhimento espiritual fossem mutuamente excludentes.
Pelo jeito, o negacionismo chegou também ao reino do futebol. Os frutos, todos estamos vendo: muita oração e pouco futebol, muita fé individual e pouco jogo coletivo. Que Endrick e outros aprendam o quanto antes a harmonizar as ideias, amadurecer as experiências e a fazer com que nosso futebol volte a brilhar, com atletas equilibrados e conscientes de seu papel, não só em campo, mas também fora dele.