Alisson é um dos pilares fundamentais na equipe do São Paulo hoje, sob a liderança de Dorival Júnior. Adaptado ao papel de volante, o meio-campista revelou que enfrentou uma fase de depressão que se estendeu do final do ano passado até o início de 2023.
A conquista de Alisson marca uma temporada de superação, tanto em sua carreira com a camisa tricolor, quanto em sua vida pessoal e familiar. No programa conduzido por André Plihal, o meio-campista compartilha sua batalha contra uma depressão severa, chegando a considerar o suicídio durante o pico da doença.
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Neste sábado (30), em entrevista ao Bola da Vez, da ESPN, o meio-campista contou a batalha que teve contra a depressão e que cogitou se suicidar. O depoimento a seguir é autêntico e pode conter gatilhos emocionais:
"O que aconteceu foi o seguinte: a gente perde a Sul-Americana (para o Independiente Del Valle-EQU). E acaba que eu sinto no primeiro tempo uma lesão na coxa. Só que é uma final, e eu não vou sair... pode me oferecer qualquer coisa, eu não quero sair de uma final. E acaba que a gente perde o título. E eu também não quero sair do próximo jogo seguinte, porque vão virar e vão falar 'ah, que perdeu a final, está se escondendo agora'. E eu não sou assim. Eu jogo contra o América-MG no jogo seguinte, e a gente ganha um jogo de 2 a 1. Eu faço até um gol de cabeça", disse.
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No entanto, o problema na coxa que Alisson sentiu na derrota para o Del Valle seria apenas o início de uma longa jornada. “Durante os treinamentos (antes do jogo contra o Palmeiras), o penúltimo treinamento, faço um movimento e sinto uma dor muito forte no tendão. E acaba então que eu fico com duas lesões (na coxa e no tendão). Aí para mim acabou o ano. Os fisioterapeutas viram e falaram 'Alisson, agora vão entrar as férias, mas a gente quer que você fique aqui mais alguns dias para você tratar de tudo'".
Ele prometeu voltar “zerado” para o São Paulo e sua esposa disse para ele cuidar mais dele mesmo. "Eu falei 'cara, acabei comprando minhas passagens, estava tudo planejado para eu viajar. Cara, eu prometo que eu volto sem dor nenhuma, pode ficar tranquilo'. E aí eles me deram esse voto de confiança. Acabou que, se eu não treinei nesses 30 dias, foram quatro dias que eu não fiz nada, e a minha esposa falava 'amor, cuida da sua cabeça, cuida do seu corpo'. Só que como eu fiz esse compromisso, eu não queria abrir mão dele. Eu falei 'não, vou voltar zerado'".
"Eu pego um pouco da pré-temporada e tem um amistoso. O Rogério Ceni vira para mim e fala assim 'o que está acontecendo com você?' Eu falei 'nada está acontecendo, nada'. Aí ele falou 'Alisson, aconteceu alguma coisa, você nunca é assim'. E acaba o amistoso. Eu vou embora, tomo um banho muito rápido no CT, pego minhas coisas e vou para minha casa”, lembrou Alisson, ao dizer que sua mente já não era mais a mesma depois das férias.
Não sabia a quem recorrer no início
"Eu não queria falar para minha esposa porque ela já cuida do meu filho, não queria falar com meus pais, que já têm os problemas deles, então eu não queria que eles sentissem o que eu vinha sentindo, então guardei muito. Só que à noite, do nada, virou alguma coisa na minha mente. Eu ligo para o Rui Costa (diretor-executivo do São Paulo). Ligo para ele 22h. Ligo e falo para ele 'não quero jogar futebol'", revelou o meio-campista.
"No mesmo dia, à noite, ele fala ‘calma, calma, o que está acontecendo?' Nesse mesmo dia, minha esposa me diz 'o que está acontecendo? Como assim você vai largar o futebol?' Falei 'amor, não aguento mais'. 'Porque você não falou para mim, não conversou comigo para te ajudar?' Eu falei 'Não, não, não quero mais, não aguento mais'"
Fortes crises de ansiedade
Alisson enfrentou crises de ansiedade desencadeadas pelo futebol, chegando ao ponto de não conseguir se envolver em nenhuma atividade. "E, no dia seguinte, meu filho vai brincar de futebol. E quando eu vejo ele brincando eu começo a ter uma crise de ansiedade muito forte, meu coração começa a acelerar, eu começo a ter falta de ar e sufocar. Não conseguia ver nada de futebol. Minha esposa falou 'calma, vai ali para o canto'".
Em sua fala, prossegue: "E nisso a doutora me liga, a Nair, a psicóloga do clube, que falou 'olha, se afasta e não vê nada, calma que você vai se acalmar'. Pronto, me acalmei, eu falei ‘agora vou botar na televisão ali para ver um jogo’. Passou um tempinho, eu fui ver o jogo, não consegui. Eu entrei em desespero de novo, começou a acelerar e tudo. E eu queria ficar trancado no quarto".
Sua esposa se propôs a ajudá-lo no momento difícil. 'Você não vai passar o que eu passei de forma alguma. Pode levantar do quarto'. Falei 'Não tenho força para fazer nada'. Ela falou 'Vai fazer sim. Vamos ficar aqui, vamos conversar. Vamos fazer alguma coisa'".
Até que Alisson descobre que tinha um quadro depressivo. "Eles [psiquiatras] falaram 'Olha, você está com um início de depressão, uma crise de ansiedade, mas calma que a gente vai cuidar'. Só que eu não via esperança nenhuma, eu me sentia muito mal. Vivi minha vida inteira com futebol, mas não conseguia ver nem meu filho brincando, então foi algo muito difícil para mim. Foram três, quatro semanas. Eu fiquei muito mal, sabe? Sem ver futebol, sem ver nada".
"Foi passando o tempo, eu fui sentindo que falta de algo, sabe? Aí eu falei 'eu quero dar um pulo lá no CT'. E o Muricy foi um cara espetacular comigo. Ele falou 'olha, você pode ir no CT, mas você não vai voltar agora... você vai voltar no seu tempo. A hora que você estiver realmente bem, você volta', afirmou ele quando fez a visita ao CT e recebeu apoio de Muricy Ramalho e Rogério Ceni.
"Aí eu chego no CT, o Rogério me chama, me dá um abraço, me leva para o canto para conversar e, quando eu chego no CT e entro no campo com ele, eu começo a ficar um pouco ruim, e ele vem me abraçando. Ele foi falar algumas coisas que ele já passou e tudo. Aí acaba, eu saio e vou embora para casa"
Após a visita, Alisson se sentiu mal e chegou a considerar a possibilidade de tirar a própria vida. No entanto, seus amigos do futebol estiveram ao seu lado e isso o ajudou muito. "Eu falei 'não tenho condição, não estou conseguindo'. E nesse meio tempo já vem o pensamento de querer fazer alguma coisa de suicídio. Já pensava em pegar o carro, bater o carro. E daí teve um episódio que aconteceu comigo depois de um tempo... que eu liguei para um companheiro do clube pedindo ajuda... que eu queria me suicidar".
“Três companheiros me ajudaram aqui, que foi o Rafinha, o Luan e o Luciano. Luciano foi até o lugar que eu estava junto com meu empresário e junto com Mayke, do Palmeiras, eles foram até o lugar e não me deixaram fazer o que estava pensando”, contou.
E aí está o Luciano na porta lá de casa com a esposa dele. Aí está o Mayke com a esposa dele, a minha esposa... todos sentados assim na porta de casa, porque eles estavam com medo que eu pegasse o carro. E tinha vez que eu ia para o treino sozinho com carro e pensava em pegar o carro e bater o carro (de propósito)", prosseguiu.
‘Pude ver que eu tinha força, que eu estava forte’
O apoio da esposa foi essencial para ele. “A gratidão que eu tenho pela minha esposa, o que ela fez por mim. E eu querer aceitar essa ajuda, eu buscar essa ajuda. Então eu me dispus a aceitar. Então isso acho que foi muito importante, porque como eu era muito de me fechar e não falar para as pessoas o que eu sentia... então chega um momento que você vai explodir, não tem como, você tenta ser forte, você quer demonstrar às pessoas que você é forte, mas no fundo você não é".
Com o passar do tempo, Alisson começou a se sentir melhor. Isso o levou a reaparecer entre os jogadores selecionados pelo então técnico do São Paulo, Rogério Ceni, no início da temporada. No entanto, durante o Campeonato Paulista, o jogador teve que enfrentar um novo “teste de fogo”. Mas desta vez, sem recaídas.
Em um jogo contra o Água Santa, que terminou 0 a 0 no tempo normal, Alisson, que sempre treinava pênaltis, se ofereceu para ser um dos cobradores. Apesar de confiante e recuperado dos problemas passados, ele perdeu a cobrança. Mas não perdeu a compostura. Era um novo Alisson.
"Pude ver que eu tinha força, que eu estava forte”, destacou. Durante o jogo do último domingo (24), contra o Flamengo, ele recorda de uma cena emocionante. “Meu filho foi com o cartaz que ele e minha esposa fizeram para mim. Eu começo a ver tudo, tudo o que eu passei. E ver o que eu ia deixar para trás. Hoje eu tenho uma família muito linda. Eu estou com a minha esposa desde que eu tinha 15 anos, e ela tem 14. Você olha isso aí (cartaz do filho escrito 'papai, vim te ver campeão')... ele é um amigo para mim, é tudo para mim”.
Ao finalizar seu depoimento, Alisson explica que se sentiu grato por sua esposa e seus amigos reconhecerem o que estava passando. “Foi um momento difícil, mas que hoje eu agradeço muito. Agradeço por eles terem acreditado em mim, por terem me ajudado também. E como eu disse, hoje eu me sou um pai melhor, um marido melhor, uma pessoa melhor. Se eu puder ajudar de alguma forma ao próximo, sem dúvida eu faço”.
*Principais canais de apoio
Em casos de ajuda ou informações, há meios acessíveis que fornecem apoio emocional e preventivo ao suicídio. Confira abaixo:
- Centro de Valorização da Vida (CVV) – 188 (ligação gratuita).
- CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde);
- UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro;
Hospitais;