REI DO FUTEBOL

Pelé já se lançou candidato à presidência e se disse socialista

Entenda a relação do rei do futebol com a política e as declarações concedidas em uma entrevista coletiva inesperada

Créditos: Reprodução / Instagram do Pelé
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Há 34 anos, um ano após a promulgação da Constituição Federal e quando o baixinho Romário era o novo craque da seleção de Carlos Alberto Parreira, Pelé foi manchete de capa na Folha de S. Paulo por um motivo inusitado. "Pelé quer ser presidente e se declara socialista", diz o título publicado em 8 de novembro de 1989, às vésperas da primeira eleição presidencial direta após a Ditadura Militar, em que Fernando Collor de Mello saiu vitorioso em um segundo turno duríssimo contra Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia 7 de novembro de 1989 Pelé lançava uma empresa, "O Rei" e por isso chamou uma entrevista coletiva na sede do clube Sírio Libanês, em São Paulo. Entretanto, pela proximidade do pleito, as perguntas acabaram se concentrando no tema da política, assunto em geral evitado pelo Rei do Futebol. A manchete saiu no dia seguinte.

De rei a presidente?

"O ex-jogador de futebol Pelé disse que poderá se candidatar à Presidência em 1994. Afirmou que se considera um socialista e que pretende criar um partido próprio caso se decida pela vida política", diz o texto de apoio da manchete. O texto informa ainda que Pelé foi crítico à candidatura de Silvio Santos, que acabou impugnada no dia seguinte. "Sílvio Santos é uma excelente pessoa, mas não tem base política nem plano de governo. Ele dificilmente faria uma boa administração", afirmou. Na mesma entrevista, disse ainda: "Se eu for candidato, vou procurar fazer um plano com antecedência e participar dos debates na TV". Questionado pelos jornalistas, o ídolo se declarou socialista e disse que, se entrasse para política, atuaria dentro dessa linha ideológica.

Durante sua brilhante atuação na seleção brasileira, entre 1958 e 1971, a maior parte durante o Regime Militar (1964-1985), a genialidade do craque no futebol esteve aliada ao silêncio sobre o que ocorria no país, o que lhe rende muitas críticas até hoje. Entretanto, apesar de ter feito acenos à Ditadura, documentos do Ministério da Aeronáutica e do Serviço Nacional de Informações (SNI) tornados públicos após a aprovação da Lei de Acesso à Informação revelam que Pelé foi por este investigado entre 1972 e 1985. Seus negócios imobiliários e a suposta militância de um dos seus funcionários foram alvo de apuração e os documentos indicam que, no início da década de 1980, o governo militar temia que Pelé ingressasse na vida política, temendo em especial uma aproximação com o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Leonel Brizola.

Aposentadoria da seleção

Além disso, quando Pelé se aposentou da seleção brasileira, em 1971, continuou jogando pelo Santos. Foi pressionado algumas vezes pelos militares a retornar, mas não cedeu. Mais de 4 décadas depois, já em 2013, ao comentar sua recusa em participar da Copa do Mundo de 1974 em entrevista concedida ao UOL, Pelé afirmou que sua recusa em voltar à seleção era uma forma de boicote contra a ditadura militar, que estava "prejudicando demais o povo", em suas próprias palavras, justificando que o Regime piorou em comparação com o período em que disputou a Copa do Mundo de 1970.

Em 1969 Pelé dedicou seu milésimo gol às "criancinhas pobres". Bastante criticado, em autobiografia publicada em 2010 ele alega que o ato foi político. "Acho que muita gente não entendeu o que eu estava querendo dizer [sobre as criancinhas]. Fui um pouco criticado, com pessoas me chamando de demagogo. Achavam que eu não tinha sido sincero. Mas isso não me incomodou. Acredito ser importante que pessoas como eu mandem mensagens sobre a questão da educação. Não haverá futuro se você não educar os jovens", escreveu.

Diretas

Para completar, em 1984 o ex-camisa 10 chegou a apoiar o movimento Diretas Já ao aparecer na televisão com uma réplica da Taça Jules Rimet, declarando apoio ao movimento. Em entrevista à Revista Placar, em abril do mesmo ano, ele explica: "Nós estamos numa luta difícil, que é a luta pelas diretas. O Brasil já ganhou a Copa do Mundo, definitivamente, e esta ninguém tira. Agora, tem uma outra Copa que a gente tem que ganhar e foi por isso que ergui a minha réplica da Jules Rimet, pelas eleições diretas". Dias depois, o fotógrafo Ronaldo Kotscho arrancou de Pelé uma foto com uma camisa com os dizeres "Diretas Já!" que virou capa da edição seguinte da revista. Posteriormente o craque reconheceu que a foto foi um "gol de placa", e que "ajudou o povo brasileiro no caminho pela liberdade", conforme entrevista à revista Veja concedida em 2020.

Pelé não chegou a ser candidato a presidente da república, mas alguns anos depois compôs o primeiro escalão do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando assumiu o ministério extraordinário dos Esportes em 1995, ganhando novamente antipatia dos setores progressistas. Ficou no ministério até 1998.

Intermediário

Na entrevista coletiva de imprensa realizada na década de 1980, apesar das declarações mais politizadas do que costumava fazer, o rei do futebol não quis declarar seu voto para presidente. Nem mesmo fez declarações simpáticas a qualquer candidatura, limitando-se a negar que tivesse aderido à candidatura de Collor. O ídolo disse que se sentia um "intermediário" entre a população e os candidatos, motivo pelo qual fazia questão de atender a todos os presidenciáveis.