LANÇAMENTO

O encontro de duas gerações de economistas no livro ‘Crônicas antieconômicas’

Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta lançam livro com artigos que debatem criticamente a economia política por meio da arte e da cultura

Economistas Nathan Caixeta e Luiz Gonzaga BelluzzoCréditos: Divulgação/Reprodução EBC
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Duas gerações de economistas se encontram no livro “Crônicas Antieconômicas” (editora Contracorrente), lançado na última semana na TV Fórum num debate que reuniu os dois autores: Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta.

Belluzzo é professor Emérito da Unicamp. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990). Em 2001, foi incluído entre os cem maiores economistas heterodoxos do século 20 no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Em 2005, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano (Prêmio Juca Pato). Nathan é seu ex-aluno, mestrando em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e graduado em economia pelas Faculdades de Campinas (Facamp), onde também atua como pesquisador.

A obra busca, de acordo com os próprios autores, “suscitar, em quem se atrever a encarar as suas páginas com rigor, o mesmo inconformismo que carregam” as palavras do livro: “o inconformismo com a fome, com as desigualdades, com o individualismo meritocrático, com o fascismo, com a vida social transformada em espectro postiço das forças dos mercados”.

Nas palavras do economista Saulo Abouchedid, o livro traz uma “visão enriquecedora em relação ao debate econômico atual, empobrecido por termos técnicos, que interditam qualquer questionamento dos mais leigos, além de esconder os interesses mais escusos”.

Para Belluzzo, “a economia, infelizmente, foi-se encolhendo no seu calabouço intelectual que é muito estreito, e foi perdendo aquela relação com as demais ciências humanas e sociais. Nós procuramos, inclusive, estabelecer relações com as outras áreas do pensamento, como a literatura”.

Segundo Belluzzo, “um dos grandes problemas da evolução da chamada ciência foi a especialização. Esse livro é uma tentativa, com textos relativamente curtos, mas muito interessantes, de retomarmos essa pertinência da economia na vida humana. Fundamentalmente, a tendência é incluir a economia, fazer com que a economia seja uma espécie de pensamento, uma reflexão sobre as condições de vida humana”. Para o professor, há um déficit cultural na formação dos economistas.

O jovem Nathan diz que é uma “tentativa de cutucar um pouco o debate econômico”. O livro busca uma abordagem com humor, literatura, cinema e artes para tornar a leitura agradável.  

No lançamento, Belluzzo explicou por que o debate da economia política nos últimos anos tem sido tão afastado da vida real do povo e inacessível para boa parte da população. “A crítica da economia política foi transformando o pensamento econômico numa espécie de justificativa.”

“A economia convencional não tem muito o que dizer. Topa com a realidade, não consegue explicar muitas vezes o que está acontecendo e tem que, na verdade, ficar remodelando, ficar reformulando as teorias antigas que justificam certos interesses, certas relações de poder”, avalia Caixeta.

Desafios do Brasil com o novo arcabouço fiscal

Belluzzo explica que o Estado precisa impulsionar a geração de renda. “Quando a economia está com o impulso do setor privado muito intenso, deve-se conter o investimento público para não se exacerbar um processo que inclusive pode virar especulação. Quando, porém, houver um momento de queda, tem que acionar imediatamente o investimento público, o gasto público. Isso é uma forma de se atenuarem as instabilidades do sistema.”

Segundo Belluzzo, esse é o desafio do novo arcabouço fiscal, mas ele diz que está vendo o governo Lula atuar no sentido de fomentar o crescimento. “Por exemplo, Lula disse que vai recuperar o PAC [será lançado no dia 2 de julho, com a retomada de obras paradas de infraestrutura], porque é fundamental retomar o investimento, que caiu a níveis baixíssimos no período do Bolsonaro. Tem que retomar por aí, tem que fortalecer, como fez com o Bolsa Família, vai fazer com o Desenrola [programa que aliviará 70 milhões de endividados], que é muito importante para liberar a renda dos mais pobres, que, na verdade, estão travados por conta do endividamento alto. Isso tudo dá força para a expansão do gasto. Se o Estado investe, começa a investir e contratar trabalhadores, e esses trabalhadores contratados acabam gastando seu dinheiro em várias dimensões da economia, isso vai ajudar. É uma coisa muito habilidosa, muito inteligente diante das restrições políticas que nós temos”, avalia.

O economista critica analistas da mídia liberal que defendem o Estado mínimo ou dizem que o Brics é ultrapassado. “Todo desenvolvimento econômico no mundo inteiro, a começar dos Estados Unidos, que é considerado um país liberal, se fez com uma grande participação do Estado. É só ler o livro ‘Relatório das Manufaturas’, de Alexander Hamilton. Os Estados Unidos foram o país mais protecionista do mundo, é só ler os textos de história como do Bresser Pereira, por exemplo, e ver o que ele escreve sobre o protecionismo americano. Acham que só [Joe] Biden que está fazendo agora uma tremenda intervenção do Estado na economia para recuperar o protagonismo industrial dos Estados Unidos.”

Caixeta acredita que o novo arcabouço fiscal foi o que deu para fazer nas circunstâncias que o governo tem no Congresso. Ele defende uma reforma tributária com taxação de grandes fortunas, de patrimônio, de dividendos, etc. “Se você não tiver uma reforma tributária progressiva séria, se isso não for colocado em questão, o arcabouço pode ser rompido daqui a pouco. Acho que é esse o movimento que o ministro Haddad tem pleiteado nesses últimos meses.”

Belluzzo destaca o que Lula disse sobre recuperar estoques reguladores. “Nós acabamos com eles. As commodities são produtos de preço muito volátil. Quando você tem, digamos, uma produção magnífica como o Brasil teve, de 260 milhões de toneladas, a tendência é os preços caírem. Aproveita, faz uma compra e guarda. E, quando tiver um movimento inverso, isso permite o controle das commodities.”

Belluzzo também defende, no caso do petróleo, um fundo de estabilização, para evitar que subidas no preço provoquem impactos graves na economia brasileira. “Senão cada subida de preço do petróleo dá um choque aqui, você vai ter problemas com a inflação, vai ter que subir a taxa de juros, ou seja, derruba a economia.”

Assista ao lançamento do livro 'Crônicas antieconômicas' na TV Fórum