INDÚSTRIA AUTOMOTIVA

Crise nas montadoras do ABC: diagnósticos para reestruturar o setor

Mercedes anunciou layoff, Scania deu férias coletivas; especialistas falam em alta de juros, falência de combustíveis fósseis entre outras dificuldades

A fábrica da Scania em São Bernardo.Créditos: Divulgação
Escrito en ECONOMIA el

Após a Mercedes-Benz anunciar operação em sistema de layoff (suspensão temporária de trabalho) na semana passada, nesta terça-feira (18), foi a vez da fabricante de caminhões Scania anunciar que irá colocar três mil trabalhadores da fábrica de São Bernardo do Campo (SP) em férias coletivas. A medida deverá impactar 4,5 mil trabalhadores nas paradas programadas.

A Scania de São Bernardo anunciou que vai parar a produção dois dias por semana a partir do próximo dia 28. Além disso, a montadora dará dez dias de férias coletivas para os trabalhadores da linha de produção a partir de 10 de julho.

O acordo, assim como o da Mercedes, foi negociado com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A expectativa é que as medidas possam vir a equilibrar a produção e a venda dos caminhões e, ao mesmo tempo, garantir os empregos.

Marcio Pochmann

Para o economista Marcio Pochmann, no entanto, o problema é estrutural. De acordo com ele, “o Brasil está há quase uma década estagnado e obviamente, isso vai corroendo as bases pelas quais a economia do país pode manter minimamente a sua estrutura produtiva”.

“Nós tivemos ações importantes voltadas para o apoio dos mais pobres através de ampliação de transferência de renda, e isso é fundamental para evitar uma tragédia maior em relação à fome”, afirma. “Mas não é suficiente para alavancar o consumo de bens com maior valor unitário como é o automóvel”, lembra o economista.

Ele avisa também que “grande parte da população segue endividada, assim como empresas. As altas taxas de juros corroem a capacidade de gasto de empresas e, sobretudo, das famílias”.

Pochmann alerta que é preciso “destacar as dificuldades que as montadoras, tradicionalmente assentadas no uso de energia dependente do combustível fóssil, precisam se renovar a atualizar diante do avanço das montadoras que produzem cada vez mais automóveis associados à energia elétrica”.

Além disso, o economista avisa que o setor automobilístico necessita de “novos investimentos, financiamentos que certamente pressionam inclusive pela manutenção de subsídios, me parece, nesse sentido, para manter o quadro atual”.

Fechamento de empresas menores

Wellington Damasceno, diretor administrativo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, corrobora com Marcio Pochmann.

Para ele, “a preocupação com qualquer paralisação com um Layoff como o da Mercedes ou férias coletivas, que as montadoras da região também vêm passando, é justamente o impacto para as empresas que seguem na cadeia de produção”, alerta. “Você vai ter empresas médias, empresas grandes, pequenas que muitas vezes seguem o mesmo modelo, mas muitas vezes não conseguem. E isso pode impactar inclusive na perda de emprego e até mesmo no fechamento de empresas menores que não aguentam permanecer tanto tempo sem a produção da empresa”, afirmou.

O clima de incerteza apontado por Damasceno é confirmado pelo metalúrgico Wesley Samuel Teixeira Dias. Ele reiterou que a situação é, de fato, complicada. “Estamos vendo que a economia no país não está boa, está aos poucos se recuperando. E uma decisão dessa de layoff nos causa medo, porque todos nós temos contas, contamos com o emprego para sobreviver. Então é algo muito ruim para o trabalhador”, lamenta.

Juros abusivos

Já o diretor executivo do Sindicato, Aroaldo Oliveira da Silva, ressaltou que os juros praticados pelo Banco Central dificultam o acesso ao crédito. “O maior vilão é a taxa de juros abusiva, que deixa o financiamento mais caro, as pessoas não compram e há a queda na produção. A maioria das pessoas não compra ônibus nem caminhões à vista”, afirmou.

“Ela também atinge quem quer financiar um carro, uma geladeira. Os juros altos afetam o consumo, o emprego e a renda. Os trabalhadores vão à luta para dar o recado de que não concordamos com esses juros. É preciso baixar a taxa para a economia reagir. Nossa luta é pela retomada do desenvolvimento do país e é nossa obrigação tomar à frente da discussão da economia brasileira”, destacou.

Boletim da Fiesp

Boletim da Fiesp divulgado nessa quarta-feira (19), aponta que alguns segmentos da atividade industrial ainda não recuperaram do patamar pré-pandemia, principalmente aqueles do grupo de bens de consumo duráveis, como automóveis e a linha branca.

O boletim alerta que a produção industrial recuou 0,2% em fevereiro. O resultado do mês veio em linha com a projeção mensal da FIESP e a expectativa do mercado (-0,2%). Frente a fevereiro de 2022 houve queda de 2,4%.

O resultado, de acordo com o informe, foi puxado pela queda na indústria de transformação (-0,5%), dado que a indústria extrativa aumentou na passagem mensal (+4,6%).

Os destaques negativos foram os produtos alimentícios (-1,1%), produtos químicos (-1,8%) e produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-4,5%). Por outro lado, indústrias extrativas, ao avançar 4,6%, exerceram o principal impacto positivo no mês.

A atividade industrial segue, portanto, defasada em 0,2% no acumulado em 12 meses.

Ao final do boletim, a FIESP projeta queda de 0,5% da atividade industrial em 2023. A entidade empresarial ressalta que o fraco dinamismo da atividade industrial pode ser amenizado com uma redução forte dos juros e continuidade da descompressão nas cadeias de fornecimento.