A inclusão dos chamados "fantasy games" no marco legal para a indústria de jogos eletrônicos dividiu opiniões de debatedores que participaram nesta quarta-feira (20) de uma sessão de debates temáticos no plenário do Senado sobre o projeto de lei (PL) 2796/2021.
Diante da divergência entre os especialistas, os parlamentares defenderam o adiamento da votação da matéria, que tramita em regime de urgência e está pronta para deliberação no Plenário da Casa. A previsão é de que a apreciação do PL seria feita nesta quinta-feira (21).
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O projeto define os fantasy games como disputas em ambiente virtual a partir do desempenho de atletas reais. Os participantes dessa modalidade “escalam” equipes imaginárias, formadas por personagens que simulam o desempenho estatístico dos atletas reais de um esporte profissional, como futebol, vôlei ou basquete.
O texto da Câmara dos Deputados inclui os jogos eletrônicos nas mesmas regras de tributação dos equipamentos de informática. Com isso, investimentos em desenvolvimento ou produção de jogos passam a ser considerados como aplicação em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI). A Lei de Informática (Lei 8.248, de 1991) concede crédito financeiro sobre os gastos em PDI para dedução de tributos federais.
Durante a sessão de debates temáticos, uma parte dos debatedores defendeu a inclusão dos fantasy games no PL 2796/2021. Para o outro segmento de especialistas, a medida poderia abrir uma brecha no projeto de lei para uma tributação mais branda dos jogos de azar.
“Jabuti”
Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Vilson Antonio Romero, o PL 2796/2021 deveria ser desmembrado. Ele sugere que os dispositivos que tratam de fantasy games sejam analisados em uma proposição autônoma, submetida a análise das comissões do Senado.
Ele avalia que desde o nascedouro, tudo ocorreu de afogadilho na Câmara e cita que uma emenda de Plenário que contempla os fantasy games havia sido rejeitada pelo relator. Romero classifica a manobra como um 'jabuti' no marco legal dos jogos eletrônicos.
Os fantasy games que são vinculados a um jogo real, [...] à escalação de jogador de futebol, têm que ser totalmente desvinculados. Têm que ser tratados à semelhança da regulamentação da tributação das bets [apostas]. Temos que aproximá-los mais dos jogos de aposta fixa do que dos jogos eletrônicos.
"Esportes de fantasia não são videogames"
A professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Lynn Gama Alves, especialista na relação entre jogos e educação, reforça a crítica. Ela aponta uma série de “fragilidades” no projeto de lei. Entre elas, a inclusão dos fantasy games na matéria. Disse ainda que houve uma junção inadequada de duas categorias distintas: videogames e esportes de fantasia.
Os esportes de fantasia limitam-se a um tipo de jogo que envolve apostas, recompensas, competições e premiações financeiras, considerando o desempenho de atletas em eventos esportivos. Essa caracterização pode indicar abertura de brechas para que as plataformas de apostas se apropriem do que está sendo dito no marco, 'justificando' o uso de alguns tipos de jogos que podem viciar. Objetos distintos necessitam de marcos separados que deem conta de suas especificidades. Por que não existe um projeto de lei próprio?
Confusão generalizada
O presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia, Oksandro Gonçalves, classifica o PL 2796/2021 como “uma confusão generalizada”.
Não é propriamente um marco. O objeto não está claro, as definições não estão devidamente enquadradas, há uma confusão generalizada a respeito de diversos aspectos. Se ele pretende trazer segurança jurídica, é preciso que essas definições sejam precisas. É um apanhado de artigos soltos que precisa ser ordenado. Isso só é possível mediante grande discussão, e não por meio de requerimentos de urgência.
"Estratégia e habilidade”
O presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports, Rafael Marcondes, contestou as críticas. Para ele, o PL 2796/2021 está “maduro e apto a ser aprovado”. Ele defende a manutenção dos fantasy games no texto como forma de alavancar os investimentos do Brasil na área de tecnologia.
O fantasy sport é um jogo de estratégia e habilidade. Não é aposta e não é jogo de azar. A natureza jurídica das duas atividades é a mesma: a tecnologia. Uma empresa de games, assim como a de fantasy, é composta majoritariamente por pessoas relacionadas à área de tecnologia. O DNA dessas duas atividades tratadas no marco legal é o mesmo: a tecnologia.
Nesta quarta, Marcondes encaminhou uma nota à Fórum sobre matéria veiculada nesta terça-feira (19) que trata dessa polêmica se os jogos de fantasia são ou não video games e qual o risco ao qual crianças e adolescentes estão sujeitos como usuários desses jogos. (Confira a íntegra ao final deste texto).
O advogado Victor Targino de Araújo, consultou jurídico do Instituto de Direito Desportivo, concorda. Ele citou estudos acadêmicos e decisões judiciais de países como Índia e Estados Unidos para defender que os fantasy game não se confundem com os jogos de azar.
Os fantasy games não se assemelham às apostas. São uma figura própria porque são absolutamente dependentes da habilidade do jogador. Isso é muito bem-vindo no projeto de lei. Os primeiros fantasy games começaram a ser populares nos Estados Unidos na década de 1930, ligados ao basebol. Eram jogos de cartas, eram jogos físicos. Só o meio que mudou, mas o jogo já existia. O jogo depende de habilidade para ganhar. Esse paralelo entre habilidade e sorte torna ambas as figuras inconfundíveis.
O advogado Udo Seckelmann, mestre em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto Superior de Direito e Economia de Madri (Espanha), salienta as diferenças entre os fantasy games e jogos de azar. Ele defende a aprovação do PL 2796/2021 como forma de atrair investimentos estrangeiros.
O jogo de azar envolve uma quantia a ser arriscada, um elemento de sorte ou acaso e um prêmio a ser pago em caso de acerto do prognóstico. No fantasy game não existe isso. Enquanto as apostas já possuem algum direcionamento legislativo, os operadores de fantasy não têm essa clareza legislativa e regulatória. Eles chegam para investir, mas desanimam. Grande parte desiste exatamente porque tem o receio de fazer altos investimentos no Brasil e, daqui a um mês, as autoridades públicas baterem na porta e impedirem a plena exploração da atividade por conta de uma confusão relativa às verticais (modalidades) do jogo ..
Açodamento
A sessão de debates temático foi sugerida pela senadora Leila Barros (PDT-DF). Ela criticou a “tramitação acelerada” da matéria na Câmara dos Deputados e na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Confira a nota da ABFS na íntegra
A respeito da reportagem “Crianças e adolescentes brasileiros sob risco de mais exposição a apostas online”, a Associação Brasileira de Fantasy Sports lamenta não ter sido consultada antes da publicação.
A reportagem cita dados e preocupações válidas a respeito do impacto das apostas sobre menores de idade, mas isso não tem relação com a atividade desempenhada pelos fantasy games. Essa deve ser uma preocupação de todo o setor.
É falsa e errada a afirmação de que fantasy games tem similaridade com apostas. O próprio governo federal, ao discutir o tema, já deixou claro que fantasy não se enquadra em apostas. Trata-se de um jogo que envolve estratégia e não sorte. Isso, inclusive, já foi atestado por um robusto estudo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), infelizmente não citado junto aos demais dados mencionados na reportagem.
O texto ainda faz uma afirmação absolutamente descabida, ao dizer que o projeto de lei do marco legal dos games “deixará crianças e adolescentes completamente expostos ao ambiente de apostas online”. Chama ainda de “jabuti escandaloso” a inclusão dos fantasy games no texto do projeto de lei.
Não custa lembrar que os fantasy fazem parte da Abragames, que agora se manifesta contra o enquadramento legal desse segmento como jogo eletrônico. Como atestou o mencionado estudo do MIT, esses jogos envolvem habilidade e estratégia - os mesmos requisitos dos games tradicionais.
Sobre a relação com crianças e adolescentes, hoje as plataformas de fantasy games já não permitem a inscrição de menores de 18 anos. O projeto de lei ainda garante mais segurança jurídica nesse aspecto, ao prever poder para o governo estabelecer faixas etárias indicativas para os jogos, algo que hoje não é regulamentado.
De resto, é de estranhar que a Abragames critique um projeto que a própria entidade elogiou quando aprovado na Câmara.
Rafael Marcondes, presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports
Nota da Redação
Quanto à similaridade de fantasy games e jogos de apostas, durante o debate realizado no Senado Federal vários especialistas reforçam essa percepção, assim como o especialista ouvido na matéria.
Com relação ao uso da expressão 'jabuti' para designar a inclusão dos jogos de fantasia no PL , sem debate e em última hora, foi também adotada por um dos participantes do debate.
No que diz respeito ao estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT), no mesmo debate, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Esteban Clua, coordenador geral do UFF Medialab, pesquisador CNPq e autor de diversos livros sobre o tema, esclareceu que o artigo trata sobre matemática aplicada.
O texto do instituto estadunidense apresenta uma análise estatística e conclui que os fantasy games de uma única plataforma analisada não são iguais ao puro azar. Em nenhum momento o estudo afirma que os jogos de fantasia são videogames.
Assista ao debate
Com informações da Agência Senado