Os maus-tratos e a tortura as quais o ativista Rodrigo Pilha foi vítima no Centro de Detenção Provisória II (CDP II), em Brasília, fazem parte do modus operandi da instituição. E não só dela. A servidora pública federal Débora Alves relata, em detalhes, o sofrimento imposto a seu irmão, de 32 anos, preso desde 21 de janeiro.
Débora prefere não mencionar o nome do irmão, pois teme pela vida dele, sob custódia de instituições públicas, que deveriam ser responsáveis pela segurança dos detentos.
Ela conta que são comuns agressões gratuitas, humilhações e tortura, inclusive com uso de spray de pimenta.
No CDP II, ele ficou duas vezes, de 26 de janeiro a 12 de fevereiro. Depois, foi transferido para o Centro de Integração e Ressocialização (CIR). Como testou positivo para Covid-19 no dia 17 de março, voltou ao CPD, onde permaneceu até 4 de abril.
“O CDP-II é o local onde as pessoas ficam em isolamento por Covid e, depois de 14 dias, são conduzidas para seus locais onde devem cumprir pena. No caso do meu irmão, o local da pena é o CIR. Ele sofreu violências nas duas instituições”, revela.
“No CDP, meu irmão não tinha nem cama e nem cobertor. Dormia no chão, enrolado em um lençol”, conta. A mesma situação enfrentada por Rodrigo Pilha.
“Já no CIR, só depois que conseguimos levar R$ 200, dos quais R$ 120 tomaram outro destino antes de chegar nas mãos do meu irmão, com os R$ 80 ele conseguiu comprar um espaço na cela entre duas camas”, revela.
Débora conta que seu irmão disse à advogada que cuida do seu caso que não tinha colchão e cobertor, e que estava dormindo no chão abraçado em um lençol. “Eles monitoraram a conversa e meu irmão acabou sendo torturado por isso”.
Segundo Débora, a informação que o CIR passa é que todos os presos recebem o kit quando chegam: cobertor, lençol, colchão e mais alguns itens.
“Por isso, não aceitam que o preso dedure, pois o colchão lá dentro é vendido por, se não me engano, R$ 800. A gente pensa: como vou conseguir mandar R$ 800 se o valor máximo que eu posso levar por mês é R$ 200. Tudo lá dentro precisa ser comprado. As roupas que a gente leva não chegam a ele”, destaca.
Depois disso, no dia 28 de fevereiro, um advogado amigo da família foi visitá-lo e viu que ele estava muito machucado, além de ter perdido 11 quilos.
“Estava com a boca inchada, muito machucada, o braço esquerdo atrofiado e ele relatou que precisou pedir para um colega de cela a roupa que ele estava vestindo, pois nem isso deram. Ele estava descalço, porque até o chinelo tomaram. Não temos dúvidas da autoria das agressões: foram os próprios agentes penitenciários, o que mais nos chocou. Você fica sem ação quando descobre”, relata Débora.
“Terror noturno”
Outra prática comum no CDP II é o chamado “terror noturno”. Os agentes escolhem aleatoriamente onde ocorrerão os atos de violência. “Hoje, a agressão é nesta cela. Eles fazem uma grande bagunça, começam a agredir, jogam spray de pimenta, gás, colocam os presos nus. Eles não batem em todos no mesmo dia, eles alternam. Se você não está na ala que está apanhando, você ouve os gritos. Ou seja, ninguém consegue descansar”, explica.
O irmão de Débora é soropositivo desde 2015 e toma retrovirais, diariamente, desde o diagnóstico. “Nós anexamos alguns laudos ao processo e em um deles, da infectologista que o acompanha desde 2015, ressalta o perigo que ele sofreu lá dentro ficando mais de 30 dias sem tomar os medicamentos. Ele não tinha carga viral detectável exatamente pelo uso contínuo e regular dessa medicação. Nós estamos aguardando ter acesso a ele para agendar exames e ver como está a carga viral”, diz.
Em Brasília
Sobre a prisão, ela conta: “Meu irmão acompanhou um amigo numa viagem ao Paraguai. Na volta, foram abordados pela Polícia Federal, que encontrou anabolizantes. Eram do amigo que tinha uma academia. Ele foi absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público (MP) recorreu e ele acabou sendo condenado a cinco anos de prisão em regime semiaberto”.
“Ficamos sem contato por muito tempo. Ele foi conduzido para o CDP II no dia 26 de janeiro. Lá vivenciou algo semelhante ao Pilha, mas não temos mais relatos detalhados dele, porque só conseguimos informação por meio de um advogado amigo que o visitou dia 28 de fevereiro. Hoje, está no CIR”, afirma.
“Tudo que sabemos foi contado pelo advogado amigo e, depois, pela advogada dele. Mas, com a advogada, ele não consegue contar muito porque as videoconferências são monitoradas. Até o momento, a família teve duas videoconferências, com duração de cinco minutos e totalmente monitoradas. As visitas presenciais, mesmo dos advogados, foram suspensas em março por conta da pandemia”, diz.
Débora só espera que o irmão consiga sair desses lugares e, ele mesmo, revelar tudo o que passou.