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Alunos, professores e funcionários do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), órgão do Ministério da Educação, têm denunciado nos últimos dias o que chamam de "censura" na TV Ines. Ligada ao Instituto, trata-se da primeira web TV para surdos do país com extensa grade de programação sobre diferentes assuntos em libras.
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Com base nos relatos, a reportagem da Fórum confirmou que no site da TV Ines não estão mais disponíveis inúmeros vídeos, a maior parte deles sobre filósofos, feminismo, esquerda e direitos LGBT. Foram retirados do ar, por exemplo, programas temáticos sobre Karl Marx, Friedrich Engels, Nietzsche, Antonio Gramsci, Adorno, Marilena Chauí, entre outros.
Além desses, foram derrubados vídeos que continham o verbete "esquerda", "feminismo" e ainda um programa específico sobre direitos LGBT. A falta dos vídeos foi constatada por uma aluna de Pedagogia que, diante da renúncia do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ao mandato, resolveu, na semana passada, procurar uma entrevista que o parlamentar havia dado ao canal. Para sua surpresa, o vídeo não estava mais disponível.
À Fórum, uma aluna do instituto que preferiu não ser identificada para evitar represálias informou que inúmeros alunos e funcionários estão revoltados com a situação, mas que muitos apagaram suas postagens das redes sociais e têm evitado manifestações públicas sobre o caso, também temendo retaliações.
Coincidências bolsonaristas
O temor por retaliações se dá pelo fato de que o "sumiço" dos vídeos de esquerda da TV Ines coincide com a nomeação da nova diretoria do instituto, no último dia 19. Paulo André Martins de Bulhões foi escolhido pelo ministro da Educação, o "olavista" Ricardo Vélez Rodríguez, para dirigir o Ines pelos próximos 4 anos.
Bulhões concorreu na eleição interna que consolidou a lista tríplice do Instituto, onde sua chapa ficou em segundo lugar. A chapa mais votada foi a de Solange Maria da Rocha, mas Vélez Rodrígues, desrespeitando a tradição do instituto, nomeou como diretor o segundo lugar, e não o primeiro, como é de praxe.
Não à toa. Fontes ouvidas pela Fórum informaram que Bulhões era apoiador do presidente eleito Jair Bolsonaro, chegando até mesmo a fazer campanha em seu Facebook. Depois que foi nomeado para a direção do Instituto, apagou de suas redes sociais qualquer sinal de apoio à Bolsonaro, presidente que se elegeu prometendo acabar com a “doutrinação esquerdista” nas escolas.
Naturalmente, a remoção dos vídeos da TV do Instituto tem sido diretamente relacionada por alunos e professores à inclinação política do atual diretor e sua nomeação para o cargo. “Na atual situação política do país, a qual nosso ‘atual diretor’ concorda, descobrimos hoje que já estamos sofrendo censura”, escreveu uma aluna da graduação no Facebook ao fazer uma postagem sobre o “sumiço” dos vídeos.
A retirada de parte do conteúdo da TV apenas confirma, para muitos dos estudantes e professores, o cunho político da nomeação do novo diretor. A maior parte deles reconhece a competência técnica de Bulhões e de todos que compunham a lista tríplice, mas atentam para o fato de que ao escolher o segundo lugar, o ministro da Educação fere a autonomia da instituição de ensino, que tradicionalmente tem como diretor o mais votado.
“Infelizmente, vivemos um momento em que a autonomia e democracia das instituições federais de ensino estão sendo frontalmente ameaçadas”, escreveu a Assines (Associação dos Servidores do Instituto Nacional de Educação de Surdos) em nota sobre a nomeação da nova diretoria.
Os servidores denunciam ainda que, antes da eleição, todos os que ficaram entre os mais votados e compuseram a lista tríplice se comprometeram a não assumir o cargo caso não tivessem sido o primeiro lugar.
Diante do impasse, a diretoria de Paulo Bulhões divulgou uma nota em que justifica o fato de ter aceitado o cargo, mesmo tendo se comprometido a não o fazer, e afirma que “recusar a indicação do Ministério da Educação poderia representar desacato à lei”. Confira a íntegra da nota aqui.
O Ministério da Educação, por sua vez, justificou a escolha do segundo lugar, Bulhões, pelo fato do atual diretor ser surdo, o que seria mais “adequado” para o cargo que vai exercer e representaria o primeiro diretor surdo do instituto desde sua fundação. O ministro, no entanto, ignorou o fato de que Nelson Pimenta, vice de Solange, a mais votada, também é surdo.
Outro lado
Fórum entrou em contato com o Instituto Nacional de Ensino de Surdos (Ines) e com o Ministério da Educação (MEC) para obter esclarecimentos sobre a retirada dos vídeos citados nesta matéria da TV Ines. O MEC retornou com uma nota oficial assinada pelo diretor do Ines, Paulo Burlhões, que diz ter sido "surpreendido" pela notícia da retirada dos vídeos da plataforma e informou que será aberta uma sindicância para apurar os fatos.
Confira, abaixo, a íntegra da nota.