Causa apreensão a eleição, ratificada na última quarta-feira, da atual secretária de Direitos Humanos do governo Temer, Flávia Piovesan, que será integrante do CIDH a partir de 2018. Se ao lermos as atribuições da Comissão descobrimos que sua missão é observar o cumprimento dos Direitos Humanos nos estados membros, não dá para compreender como uma integrante do governo Temer, que assumiu o poder de forma ilegítima e por meio de um golpe parlamentar, e que vem patrocinando ou se omitindo em gravíssimas questões de violações de Direitos Humanos, poderá avaliar o que outros países têm de bom ou ruim nesta temática
Por Leonardo Aragão, colaborador da Rede Fórum de Jornalismo
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é uma das instituições centrais do sistema internacional da temática dos direitos da pessoa humana em todo o planeta. Fundada em 1959 e com a missão de monitorar o respeito aos Direitos Humanos nos 34 países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos), sua atuação foi tão proativa que desde então mais de 12 mil processos foram abertos. Relatórios de diligências internacionais provocaram debates intensos nos países avaliados e resultaram em avanços, como por exemplo, o de Violência contra a População LGBTI, que balizou a aprovação de leis e medidas do Poder Executivo em alguns países.
Portanto, diante desse histórico compromisso com a pauta, causa apreensão a eleição, ratificada na última quarta-feira, da atual secretária de Direitos Humanos do governo Temer, Flávia Piovesan, que será integrante do CIDH a partir de 2018. Se ao lermos as atribuições da Comissão descobrimos que sua missão é observar o cumprimento dos Direitos Humanos nos estados membros, não dá para compreender como uma integrante do governo Temer, que assumiu o poder de forma ilegítima e por meio de um golpe parlamentar, e que vem patrocinando ou se omitindo em gravíssimas questões de violações de Direitos Humanos, poderá avaliar o que outros países têm de bom ou ruim nesta temática.
Uma análise aprofundada sobre fatos recentes ajuda a explicar a questão. Reportagem de Conceição Lemes no portal Viomundo (recomendo a leitura) disseca o assunto muito bem. Podemos afirmar que mais uma vez o governo Temer não tem transparência alguma. Afinal de contas, como explicar que a secretária Piovesan viajou por 20 países da América Central e Caribe, com custos pagos pelo contribuinte, para buscar apoio a uma indicação que será pessoal, uma vez que ela deixará de ser servidora pública quando assumir sua função na CIDH? Os oito milhões que foram pagos pelo Brasil à OEA, amigavelmente, contribuíram para olhar com vistas amigáveis ao pleito brasileiro?
O currículo de Flávia Piovesan a colocaria como favorita a qualquer aspiração para ocupar postos internacionais na garantia e promoção de Direitos Humanos. Seus livros figuram na prateleira de valorosos lutadores e lutadoras da área. O endosso da acadêmica Flavia ao nefasto golpe instalado no Brasil a coloca na galeria daqueles que jogaram sua bonita história no lixo em troca de uma carreira. A secretária de DH de Temer emprestou seu nome para contribuir na legitimação do golpe, em troca, ganha a cadeira na CIDH e a tarefa de vender aos demais países da América Latina, Central e Caribe que há uma normalidade democrática e a trupe do “presidente” e seus ministros e aliados implicados em suspeitas de corrupção nada mais são do que contingências da conjuntura, uma continuidade da República em meio ao caos supostamente provocado pela presidenta anterior, esta sim, sem nada que pesasse contra sua conduta.
Não há como apontar falta de lisura dos eleitores que apoiaram Flávia ao posto de membro da CIDH. Há sim a constatação de que a comunidade internacional e o jogo diplomático possuem suas próprias regras, distante da realidade vivida nos países e que acabam por meio da preservação da institucionalidade minimizando situações que deveriam ser levadas em consideração. É um sinal inequívoco de que a comunidade internacional seguirá tolerando o governo Temer, apesar de sinais importantes de condenação de práticas de seu governo, inclusive pela própria CIDH, como o comunicado de 26 de maio último criticando duramente a repressão generalizada patrocinada pelo governo federal e o do Distrito Federal contra manifestantes na Esplanada dos Ministérios.
Aos que dedicam sua vida à defesa dos Direitos Humanos, urge promover um amplo debate sobre a amplitude dos DH e a necessidade de renovar o discurso e construir um programa que considere direitos sociais como integrantes desta pauta, como o direito ao trabalho e à aposentadoria, que estão no centro do projeto de poder que tenta enterrar as conquistas dos governos Lula e Dilma, sem abandonar as lutas históricas pelos direitos das minorias, como os que estão encarcerados, povos indígenas e comunidades tradicionais, população LGBTI, entre vários outros.
Integrar estas temáticas será fundamental para transpor a barreira de criminalização dos Direitos Humanos construída pelo conservadorismo no país, e levar aos quatro cantos do Brasil a mensagem de que não há direito à vida e à cidadania sem direito à terra, à educação, ao trabalho e à aposentadoria. Solidificar este arcabouço de ideias pode ajudar a comunidade internacional a entender que em um país onde o voto não é respeitado, os índios e trabalhadores rurais são assassinados, manifestantes são atacados e torturados porque lutam pela preservação do seu direito ao trabalho, renda e de escolher seus governantes, a secretária de Direitos Humanos que ficou em silêncio em meio a tantas arbitrariedades não poderia jamais ocupar um posto essencial na atenção ao direito à vida no continente americano.