Eu, jornalista terceirizado

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"Como terceirizado, uma sucessão de abusos e assédios morais começaram a ocorrer comigo e com os cerca de 400 profissionais sob o mesmo modelo contratual. A principal delas foi a falta de pagamento. Quatro meses trabalhados sem salários e sem nenhuma justificativa. Apenas um infame 'não temos previsão'". Em artigo, Fagner Torres conta sua experiência dentro do regime de terceirização, agora oficializado pelo governo Temer Por Fagner Torres* Costumo dizer que entre as questões menos nobres que regem o setor midiático – o jabá, a promiscuidade entre as famílias que detém o oligopólio da informação e a esfera pública –, a que mais me entristece, é a incapacidade que nós, jornalistas, temos de nos revoltar contra o sistema que há séculos atrasa nossas condições de civilização. Sob a falácia de nos acharmos ‘coleguinhas’ dos patrões nos submetemos a inúmeros desmandos, a pautas levianas, ao medo de nos insurgirmos contra as injustiças e sem refletirmos sobre os impactos sociais da profissão. Chamo-me Fagner Torres e trabalho com Comunicação desde 2008. Ao longo da minha trajetória, acumulei experiências em redações, coordenações de projetos voltados para programas de cunho social e popular, além de assessorias imprensa. Minha última experiência ocorreu entre os anos de 2014 e 2016 como trabalhador terceirizado. A Átrio Rio Service, prestadora de serviços do Governo do Estado do Rio de Janeiro, com atuação em áreas fim e meio de diversos órgãos da Administração Estadual, me contratou para a equipe da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), uma das maiores – senão a maior – entidades de Educação e Qualificação Profissional do país. Na Faetec comecei a sentir os efeitos da terceirização já na contratação. Embora minha atribuição fosse Assessor de Imprensa, em minha Carteira de Trabalho fui identificado como Analista Júnior, independente do que as duas palavras signifiquem. Era apenas o início. Nos 34 meses em que permaneci contratado recebi Remuneração (Salário + Vale Transporte + Alimentação) corretamente apenas nos primeiros 24 meses de contrato – entre fevereiro de 2014 e fevereiro de 2016. A partir daí uma sucessão de abusos e assédios morais começaram a ocorrer comigo e com os cerca de 400 profissionais sob o mesmo modelo contratual, lotados nas mais variadas áreas dentro do organograma da Fundação. A principal delas foi a falta de pagamento, inicialmente entre março e junho de 2016. Quatro meses trabalhados sem salários e sem nenhuma justificativa. Apenas um infame 'não temos previsão'. Sobre isso é preciso ressaltar: numa relação terceirizada, geralmente, seu contratante não ‘aparece’. No meu caso, a chefia, um profissional nomeado pelo Estado, logo, em regime de contrato diferente dos subordinados, me coordenava apenas para as atribuições cotidianas. As questões empregatícias eram negociadas diretamente entre a empresa e eu, e ela, na maioria das vezes, não tinha resposta para as minhas demandas. A relação entre empregado e chefe importa para a qualidade do ambiente, mas entre contratado e contratante, há um imenso limbo. Posteriormente, após o pagamento dos quatro meses atrasados, nova ‘volta’ da empresa. De julho a dezembro, foram outros seis meses trabalhados sem pagamento, recebendo, inclusive, ameaças para o caso da equipe organizar um rodízio entre os funcionários. Sobre isso, antes que o leitor pense ‘você tinha que ter saído de lá’, adianto que infelizmente, me submeti ao escárnio e me agarrei à esperança de permanecer até receber o que me deviam. No mercado, como bem sabemos, a maré não anda boa para jornalistas. Sobretudo para os que nadam contra a corrente, o que modéstia à parte, é o meu caso. Pesei a situação e achei que afastar-me completamente do olho do furacão, abandonar o trabalho, poderia ser pior. Em dezembro fui finalmente demitido junto com centenas de outros terceirizados precarizados, alguns com filhos para sustentar, aluguel para pagar, em situação financeira, moral e psicológica dramática, o que, felizmente, não é o meu caso. Embora, claro, também tenha as minhas obrigações. Na demissão, um detalhe: a Átrio Rio Service, a empresa responsável pela terceirização citada no começo deste artigo, pagou apenas o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, de todos os demitidos. Os 40% referentes ao desligamento, as férias vencidas, o 13º salário e os seis meses atrasados estão sendo postulados na Justiça. O caso está rolando. A primeira audiência está marcada para setembro deste ano. Atualmente ainda estou desempregado, como dezenas de bons jornalistas que conheço. Todavia, o que mais me impressiona no meio dessa história após a aprovação da lei que escancara a terceirização irrestrita, é que existiam três letras que me davam um pouco de segurança de receber meus direitos, nem que fosse no tribunal. A tal CLT. Agora, desde a última sexta, 31, ela não existe mais. Com a decisão deste governo federal ilegítimo, que aplica sem pudor a agenda da chapa derrotada na eleição majoritária de 2014, os direitos dos trabalhadores estão sendo reduzidos a pó, juntamente com os Tribunais do Trabalho, que tendem a virar latifúndios improdutivos. E ainda há quem acredite que as reformas que vêm a galope serão importantes para elevar o estado de bem-estar social do brasileiro. Esses acham que, trabalhadores desprotegidos geram a compaixão do patrão. Sei... Como disse Leonardo Boff certa vez: ‘se os pobres desse país soubessem o que estão preparando para eles, não haveria ruas que coubessem tanta gente para protestar’. Foto: Fagner Torres (à direita na imagem) entrevista o ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro, Gustavo Tutuca. Crédito: Gabriel Salles dos Santos *Fagner Torres 34 anos, é jornalista. Atualmente escreve uma coluna no portal ESPN FC e apresenta o Lado B do Rio, podcast quinzenal sobre política e variedades da Cidade Maravilhosa Os artigos desta seção não refletem necessariamente a opinião da Fórum. Participe, envie seu artigo para redacao@revistaforum.com.br (escreva Fórum Debate no assunto da mensagem).