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Material produzido pelo MEDGRUPO, cursinho para alunos de Medicina, chamou a atenção pelos textos machistas e ilustrações que expõem o corpo feminino também de maneira preconceituosa
Por Daniel Souza*, colaborador da Rede Fórum de Jornalismo
Apostilas sobre ginecologia produzidas pelo MEDGRUPO, principal cursinho de preparação para concursos de residência médica do país, utiliza exemplos e ilustrações que depreciam, objetificam, erotizam e violentam as mulheres. O material apresenta estereótipos misóginos e racistas. Comete racismo ao associar as mulheres negras à prostituição.
A divulgação do conteúdo nas redes sociais representa a quebra do silêncio quanto a situações de opressão de gênero, em um momento em que a intolerância e o fascismo ganham espaço na política e na comunicação. A presença crescente de mulheres na profissão e nos cursos de Medicina, percebida nas recentes pesquisas sobre demografia médica, coordenadas pelo professor Mário Scheffer, da Universidade de São Paulo (USP), contribui para a superação da desigualdade de gênero.
Questionada pela estudante Heloísa Lopes Cohim Moreira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a equipe do MEDGRUPO justificou que é contrária à “agenda do politicamente correto”. A resposta aviltante, ao ignorar debates de gênero e raça, evidencia a violência fascista dos autores. Uma publicação da estudante, denunciando o caso, foi bloqueada pelo Facebook e, em seguida, divulgada pela ONG Artemis (SP), de apoio às mulheres, em sua página na rede social.
Em resposta ao estudante Pedro Fernandes (UFBA), a equipe do cursinho afirmou que não modificará os materiais: “nenhuma vírgula”. Com escárnio, atribuiu os questionamentos a “seleto grupo de limitados bem intencionados”, que “se esforçam em descontruir [sic]” o mundo. Finalizaram a resposta afirmando que será necessário sorte para aqueles que optarem, em repúdio ao ocorrido, frequentar outro curso.
O Diretório Acadêmico do curso de Medicina da UFBA (gestão Caroé) emitiu nota escrita em colaboração com o Coletivo Feminista Rita Lobato, em repúdio às apostilas e respostas do MEDGRUPO. A nota considerou lamentável que o cursinho tenha utilizado sua “hegemonia mercadológica” para reproduzir valores contrários à ética médica e à humanização da relação “médico-paciente”. A Frente Feminista da UFBA, em apoio, divulgou a nota, em sua página no Facebook.
As posturas fascistas, violentas e arrogantes do cursinho estão atreladas à crença de superioridade expressa em sua própria publicidade. Os produtos da empresa são vendidos como “imprescindíveis” à aprovação em seleções para residências médicas. A equipe é composta por dez homens e, apenas, uma mulher. O “diretor-presidente” do curso é o professor Cássio Engel.
A denúncia dos conteúdos misóginos e racistas, protagonizada por Heloísa, os posicionamentos dos movimentos sociais e da representação estudantil, na Bahia, além da grande repercussão nas redes sociais evidenciam a resistência ao fascismo, diante da intensificação da intolerância na contemporaneidade.
Veja o post original da estudante na íntegra.
“Prezados,
Sou acadêmica de medicina da Universidade Federal da Bahia e estou no 8º semestre. Na nossa grade curricular é neste semestre que temos contato com a ginecologia e a obstetrícia. Por conta disso, comecei a utilizar alguns módulos do MedGrupo cedidos por colegas já residentes para estudar os conteúdos.
No entanto, tive o desprazer, logo nas primeiras páginas do MED 2013: Síndromes de Transmissão Sexual, de ser exposta a casos clínicos com comentários machistas, e ilustrações que expõe o corpo feminino de maneira vulgar! Em certo caso, uma mulher era vítima de um relacionamento abusivo e, após traição e término do relacionamento, decidiu desfrutar da sua liberdade, tal cena é retratada com um desenho de uma mulher seminua fantasiada de “diabinha”.
Em outro caso, uma menina portadora de vaginosa bacteriana (um sofrimento, vale ressaltar) é retratada em um desenho de uma mulher seminua com vários peixes em cima do seu corpo e um homem de nariz tampado devido ao mal cheiro. Além disso, a última frase do caso relata que um dos testes necessários para o diagnóstico não foi realizado, porque o médico ficou “tão enjoado” que o diagnóstico era evidente.
Por fim, o último caso relata uma passista de escola de samba que era: ” charmosa, de muitos atributos e sempre disputada pelos gringos”. (turismo sexual?)
Gostaria de entender os objetivos de tais casos clínicos com tamanha falta de humanidade, bom senso e carregados de tanto machismo e julgamento.
Muitos jovens do Brasil tem acesso a esses conteúdos, ou seja, os senhores são formadores de opinião e devem se responsabilizar mais por isso.
Espero que as novas edições não apresentem tais absurdos.
Grata”
Abaixo, a resposta concedida pela empresa e a repercussão do assunto nas redes sociais.
* Colaboraram Marli C. Sales, Sarah Brasileiro, Lucca Santos Souza, Elis Assmar e Mayana Abreu