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No estado, mulheres que visitam parentes em presídios paulistas ainda são submetidas à revista
Por Brasil de Fato
De acordo com levantamentos feitos pela organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, a lei estadual que proíbe revista vexatória em São Paulo completou ontem (12) dois anos com poucos avanços e muitos desafios. A prática continua ocorrendo em grande parte dos presídios paulistas, sobretudo na capital.
Considerado humilhante e ineficaz, esse tipo de revista obriga parentes de internos no sistema carcerário a tirar a roupa e mostrar órgãos genitais para agentes penitenciários para entrar nos presídios durante as visitas.
A constatação de que as revistas continuam ocorrendo é feita por meio de inspeções de presídios, coleta de relatos de familiares e sistematização de informações vindas de entidades parceiras. “A realidade de mulheres, crianças e idosas que visitam as unidades prisionais é ainda de serem obrigadas a se expor, violando sua intimidade”, disse o coordenador do Programa de Justiça da Conectas, Rafael Custódio.
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O governo paulista tem sob sua responsabilidade a maior população carcerária do país: 36% dos 622.202 presos do país, o equivalente a 226.500 pessoas. Até setembro de 2013, mais de 402 mil homens e mulheres estavam cadastrados para realizar visitas nas unidades prisionais do estado.
Cerca de 82% são mulheres, adolescentes e crianças, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária. Para que consigam entrar nos presídios nos dias de visita, as mulheres devem agachar e abrir os órgãos genitais com as mãos.
Revista vexatória: O que falta para proibir?
Nesse processo, têm vaginas e ânus revistados, crianças ficam nuas na frente de adultos e idosas precisam vencer o limite físico da idade para abaixar e levantar em cima de um espelho.“É um verdadeiro inferno. Eu passava pela revista e parava em algum lugar para secar as lágrimas do rosto para o meu filho não perceber que eu tinha chorado, senão ele ia pedir que eu não fosse mais. Era obrigada a agachar sem roupa e a agente penitenciária falava 'abre esse negócio porque eu não estou vendo nada!'. É uma situação que te constrange, te humilha e te machuca”, desabafou a mãe de um ex-interno do sistema carcerário paulista, submetida às revistas durante os dois anos em que visitou o filho em um presídio.
Vontade política
A lei que proíbe as revistas vexatórias foi sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em 12 de agosto de 2014 e publicada no Diário Oficial no dia seguinte. A partir de então, o estado teria 180 dias para regularizar a situação. “Falta vontade política do governo de São Paulo. A lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador, que simplesmente esqueceu da parte mais importante: fazer valer o texto no cotidiano da administração penitenciária”, disse o coordenador da Conectas.
Questionada sobre o caso, a Secretaria de Administração Penitenciária não se posicionou até o fechamento da reportagem. O principal argumento para justificar a continuidade da medida, segundo a Conectas, é a falta de verba da secretaria para adquirir equipamentos mais modernos de revista, como scanners corporais. “Em matéria de direitos humanos, os direitos das pessoas sempre se sobrepõe a questões orçamentarias. O argumento para nós não é suficiente”, disse Custódio.
“E parece também que o Ministério Público tem sido omisso. Uma coisa é base política, outra é cumprir a lei. O governo poderia responder a isso na Justiça, por improbidade administrativa”, disse Custódio. A reportagem entregou em contato com a instituição, que preferiu não se posicionar sobre caso. “Parece evidente que o custo político é muito baixo pelo não cumprimento da lei: não há pressão do Ministério Público, da sociedade, nem da mídia que tente impedir familiares de sofrer uma violação extremamente irresponsável e medieval.”
Função
Teoricamente, a revista vexatória teria sido adotada para impedir que drogas, armas, chips ou celulares entrem nas prisões. No entanto, das visitas realizadas nos meses de fevereiro, março e abril nos anos de 2010 a 2013, em São Paulo, houve tentativa de adentrar as unidades com drogas ou celulares em apenas 0,03% dos casos. Nenhuma pessoa tentou levar armas para os internos, segundo pesquisa da Rede Justiça Criminal, elaborada a partir de dados fornecidos pela própria Secretaria de Administração Penitenciária.
Em 2012, das quase 3,5 milhões de pessoas que foram submetidas a revistas vexatórias em São Paulo, apenas 0,02% foram flagradas com alguma quantidade de droga ou componente eletrônico, de acordo com dados cedidos pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo à Defensoria Pública, publicados na pesquisa da Rede Justiça Criminal. O número de apreensões de objetos ilícitos feitas dentro dos presídios é quatro vezes maior do que as realizadas nas revistas.
“Eu não vou voltar mais para visitar meu marido, porque a última visita foi muito humilhante e eu não tenho mais condições de passar por aquilo. Entraram quatro pessoas e uma criança de uns seis anos, ficamos todos pelados e a agente penitenciária falando tudo o que tínhamos que fazer. A gente é obrigada a ver a mãe tirar a fralda e a abrir as perninhas das crianças. É humilhante demais”, disse a mulher de um interno.