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"É simbólico que o momento decisivo da última Eurocopa tenha sido o gol de um imigrante, Éder, nascido na ex-colônia portuguesa de Guiné-Bissau. Exatamente agora, quando forças como Boris Johnson, no Reino Unido, e Marine Le Pen, na França, destilam seu ódio aos estrangeiros, o mundo recebe um forte sinal do quanto essas populações imigrantes foram fundamentais para construção de quase tudo que é mais importante para o Ocidente"
Por Jean Wyllys*
É simbólico que o momento decisivo da última Eurocopa tenha sido o gol de um imigrante, Éder, nascido na ex-colônia portuguesa de Guiné-Bissau. Exatamente agora, quando forças como Boris Johnson, no Reino Unido, e Marine Le Pen, na França, destilam seu ódio aos estrangeiros, o mundo recebe um forte sinal do quanto essas populações imigrantes foram fundamentais para construção de quase tudo que é mais importante para o Ocidente.
Acostumamo-nos ao longo dos últimos meses aos discursos demagógicos que apontavam a chegada de imigrantes como o fator responsável pela crise econômica nos países desenvolvidos. Muito embora os estrangeiros ainda representem pequena parcela do total na população desses países, são eles que boa parte dos políticos mais queridos pela nova direita radical responsabilizam pelas perdas do mercado.
Na verdade, a crise enfrentada na Europa é de responsabilidade daqueles que mais ganharam dinheiro nos tempos de bonança. Foram os mais ricos que nos tempos de crescimento europeu acumularam recursos retirando a possibilidade de melhora do restante da população e prejudicando a capacidade dos estados de manter seus programas de bem estar social. Se faltam empregos agora, não é porque imigrantes estão ocupando os postos de trabalho. É porque novos postos não estão sendo abertos e antigos estão sendo deslocados com o objetivo de aumentar margens de lucro.
Portanto, é preciso repelir acusações racistas de que um perfil específico de pessoas na população é a origem de todos os males sociais. Assim como há brasileiros de todos os tipos de pensamento e comportamento, há imigrantes com essa mesma diversidade. Estrangeiros não são simples hospedeiros de uma nova cultura para substituir a outras. São indivíduos que trazem de outras origens saberes que se chocam com os nossos para produzir novas e melhores sínteses.
Eis a dinâmica multiculturalista que o mundo globalizado e conectado em rede nos impõe. Pessoas com diferentes ideias estranham mutuamente seus comportamentos para produzir acúmulos mais sofisticados quanto ao seu comportamento. No exercício da tolerância organizamos melhor nossas diferenças para um objetivo comum. Essa é a receita do sucesso econômico de cidades como São Paulo, Londres ou Nova Iorque.
No atual estágio de conexão alcançado pelos transportes e a comunicação, especialmente a internet, já está claro que negar a participação de estrangeiros na dinâmica social significa dar as mãos ao atraso. O dinamismo dessa nova aldeia global que emerge no século XXI é dado pela organização das nossas diferenças para construção de um bem comum. Quando Éder se fez decisivo nesta Eurocopa, independente da importância que o futebol tem para cada um de nós, o recado foi claro. De algum modo somos todos imigrantes, herdeiros de tradições que não eram nossas, mas que são essenciais na significação de quem somos e de para onde caminhamos.
*Jean Wyllys é deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro