Confira a lista de produções – formulada pelo Centro de Referências em Educação Integral – que podem ser pensadas como parte de um processo de formação docente e também como disparador de debates entre adolescentes
Por Dafne Melo, do Centro de Referências em Educação Integral / Via Jornal GGNNo início, falava-se em GLS. Depois, retirou-se o “s”, de simpatizante, termo que, na realidade, poderia servir como um terreno confortável para os que não tinham coragem de assumir-se como gay ou lésbica. O “b”, de bissexual, e o “t”, de travesti, logo apareceram e a sigla passou a ser LGBT. Letras que, mais que simples iniciais, visibilizam o que a sociedade quer empurrar para dentro do armário. Ao longo do tempo, novos grupos passaram a se reivindicar e novas letras apareceram. A sigla ganhou outro “t”, de transgênero, um “i” de intersex e um “q” de queer: LGBTTIQ. Uma sigla tão grande e diversa quanto as identidades e orientações que busca representar.
O vai e vem de letras e conceitos, ao longo dos anos, entretanto, não indicam que esses grupos, ou comunidades, surgiram apenas agora. Eles sempre existiram, mas apenas nos últimos anos conseguiram fazer-se ver e ouvir. Há quem resista. Prova disso foram os recentes debates que ocorreram em diversos municípios em torno às questões vinculadas aos direitos e ao combate à violência e discriminação contra mulheres e à comunidade LGBTTIQ, durante as elaborações e aprovações dos Planos Municipais de Educação.
A discussão colocou, de um lado, aqueles que defendem que a escola tem um papel fundamental na educação sexual de crianças e adolescentes; e de outro, os que acreditam que somente a família pode educar nesse sentido – representados, sobretudo, por setores religiosos. Enquanto o primeiro grupo sustenta que é desde cedo que debates relacionados à sexualidade, papeis de gênero e tolerância à diversidade devem ocorrer, o segundo grupo afirma que trazer tais conteúdos para a escola tem o objetivo de estimular que crianças e adolescentes “escolham” ser algo diferente do que são.
Para Maria Helena Vilela, diretora executiva do Instituto Kaplan, temas relacionados à sexualidade sempre estarão presentes na escola, quer ela queira, quer não, ainda que informalmente e nos corredores. “A sexualidade está presente na escola porque ela é um espaço de convívio social, onde as pessoas se mostram, se conhecem, interagem e porque é um espaço de aprendizagem“. Para ela, a comunidade escolar, portanto, “não tem escapatória” e precisa assumir esse desafio.
“Um jovem com um problema sexual ou que sofre por conflitos relacionados à identidade de gêneros ou orientação sexual não vai se concentrar na aula. Se a escola não olha para isso, ela sai perdendo também”, resume. Tratar desses aspectos, adequando os conteúdos a cada etapa do desenvolvimento, também é considerado fundamental dentro da perspectiva da educação integral.
Segundo Maria Helena, para que esse debate possa se dar no espaço escolar, entretanto, duas questões são fundamentais: uma é pensar em qual educação sexual necessitamos e, outra, formar docentes para que possam desempenhar tais funções.
Pensando nos desafios que docentes podem encontrar em sala de aula, e como fazer uma primeira aproximação aos temas relacionados à sexualidade, identidade de gêneros e orientação sexual, o Centro de Referências em Educação Integral selecionou filmes para serem vistos por docentes e equipes escolares. Alguns também podem ser passados em sala de aula, seguindo a orientação da classificação indicativa ao fim de cada resenha.
1. XXY (Lucía Puezo, 2006)
Essa produção argentina conta a história de Alex, uma adolescente intersex de 15 anos, cujos pais decidem se isolar em uma pequena cidade, logo após seu nascimento. Com traços fenotípicos predominantemente femininos, Alex possui, entretanto, genitais masculinos. Seus conflitos de identidade permanecem sob controle até entrar na adolescência e interessar-se por um rapaz. Alex, inicia, então, um processo de busca por sua identidade e descobertas relacionadas a sua sexualidade. Classificação indicativa: 16 anos.
2. Tomboy (Céline, Sciamma, 2012)
Em uma cidade do interior da França, Laure, 10 anos, muda com sua família, durante as férias de verão, para um novo bairro. Laure passa os dias brincando com sua irmã mais nova, ao lado do pai e da mãe, grávida de um irmãozinho. Aos poucos, vai se enturmando com as outras crianças do condomínio, dedicadas a uma rotina de brincadeiras e descobertas. Tudo perfeito se não fosse por um detalhe: Laure não se identifica como menina, mas como menino e se apresenta aos novos colegas como Michael. Os pais, ainda que bastante afetuosos, não conseguem lidar com a complexidade da situação.
Classificação indicativa: 14 anos.
3. De gravata e unha vermelha (Miriam Chnaiderman, 2015)
“Nunca fui uma mulher, mas lógico que nunca vou ser um homem”. A frase de Bianca Soares dá uma mostra da discussão proposta pelo premiado documentário brasileiro, da psicanalista Miriam Chnaiderman. O filme traz entrevistas com diversas personalidades que, em suas histórias de vida, colocaram em perspectiva o modelo de identificação binário homem/mulher, e questionaram os estereótipos construídos para cada um dos sexos. São entrevistados o cantor Ney Matogrosso, a cartunista Laerte, a atriz Rogéria e o estilista Johnny Luxo, entre outros. Classificação indicativa: 12 anos.
4. Laurence Anyways (Xavier Dolan, 2012)
O jovem diretor canadense Xavier Dolan, que em seus filmes sempre aborda temáticas relacionadas à diversidade sexual e identidade de gêneros, conta a história do professor de literatura Laurence, um homem que, em seu aniversário de 30 anos, revela à sua namorada que quer se tornar uma mulher e irá fazer uma cirurgia de mudança de sexo. Mesmo abalada com a revelação, a namorada resolve permanecer ao seu lado. Ambientado na década de 1990, o filme mostra como o casal lida com os preconceitos de familiares, amigos e colegas de trabalho. Classificação indicativa: 12 anos.
5. Transamerica (Duncan Tucker, 2005)
O longa conta a história de Bree, uma mulher transgênero que, uma semana antes de fazer a cirurgia de readequação sexual, descobre ter um filho de 17 anos, concebido quando ainda possuía uma identidade masculina. Orientada por sua psicóloga a buscar o filho – que está preso – antes da operação, Bree parte rumo a Nova York. No caminho de volta para Los Angeles, Bree e o jovem passam a se conhecer, convivem e, entre conflitos, buscam entender um ao outro. Classificação indicativa: 14 anos.
6. Minha Vida em Cor de Rosa (Alan Berliner, 1997)
Este filme já é um clássico entre os que abordam identidade de gênero. Nele, o caçula da família Fabre, Ludovic, um menino de sete anos, começa a assumir uma identidade feminina. Sua família oscila entre a repressão e a aceitação. Os conflitos se intensificam quando Ludovic se maquia e veste roupas tidas como femininas, em uma festa da família. O menino passa a questionar cada vez mais sua identidade de gênero e a nutrir a ilusão de que conforme cresça, se tornará uma mulher. Classificação indicativa: 14 anos
7. Vestido nuevo (Sergi Pérez, 2008)
“Gosto muito do dia de carnaval. É muito divertido, porque nos fantasiamos e nos deixam ir sem uniforme. Ir como queremos”. Com essa fala do pequeno Mário começa essa sensível produção, feita pela TV pública espanhola, que mostra a história de um menino, que, em um dia de carnaval, chega à escola de vestido rosa e unhas pintadas. Com apenas 13 minutos de duração, o curta traz à tona como o ambiente escolar possui um papel fundamental e formador, nesses casos. Mostra, ainda, a forma diferente como adultos e crianças lidam com a questão. Classificação indicativa: 12 anos.
8. “Tle Light”, HolySiz (Benoît Pétré, 2014)
O vídeo, de pouco menos de 4 minutos, é na verdade um clipe de uma canção, mas pode ser perfeitamente visto como um curta-metragem. A narrativa visita o mesmo tema e ambiente de Vestido Nuevo: um menino decide, um dia, ir à escola de vestido. De novo, aparece o ambiente escolar como um espaço importante e como o olhar dos adultos, já formatados em uma lógica binária, acabam atribuindo sentidos diferentes aos das crianças. E mostra, sobretudo, que os preconceitos podem e devem ser superados. Classificação indicativa: 12 anos
9. Contra a corrente (Javier Fuentes-Leon, 2009)
Essa sensível produção se passa em um cenário paradisíaco de uma cidadezinha da costa peruana. Miguel, um jovem pescador, espera seu primeiro filho ao lado da esposa, Mariela. Um dia, conhece ao artista plástico Santiago e inicia um caso. Miguel sustenta uma vida dupla, mas as contradições não demoram a aparecer. O filme mostra o caminho de autoaceitação percorrido pelo personagem, superando não só os preconceitos da comunidade, mas os seus próprios. Classificação indicativa: 16 anos
10. Hoje eu quero voltar sozinho (Daniel Ribeiro, 2014)
O premiado filme de Daniel Ribeiro poderia ser apenas mais uma obra sobre o despertar da sexualidade na adolescência, se não fosse por duas importantes variantes: Léo, o protagonista, é cego e começa a gostar de Gabriel, um estudante de sua sala, de quem se torna amigo. Claudia Mogadouro selecionou o filme em sua lista de 15 filmes nacionais para crianças e adolescentes verem em cada momento do desenvolvimento. Segundo a especialista é uma boa obra para passar para estudantes do ensino médio. “O tema da homossexualidade pode trazer nervosismo e, com isso, piadas de mau gosto. Sem reprimi-las, sugere-se que as aproveite para discutir a homofobia em nossa cultura. O filme também trata do desejo de autonomia em relação aos pais, o que é comum entre os adolescentes. Mas a deficiência visual de Léo potencializa esse problema, dando a oportunidade de se discutir a relativa e crescente autonomia que os adolescentes vão conquistando à medida que amadurecem.”. Classificação indicativa: 12 anos
11. Meninos não choram (Kimberley Pierce, 1999)
O filme norte-americano foi baseado em fatos reais e relata um caso de transfobia. Na obra, somos apresentados a Brandon Teena, um jovem que, biologicamente, possui um corpo feminino, mas que se identifica com o gênero masculino. Brandon muda-se para uma pequena e conservadora cidade do interior do Nebraska e, ali, apresenta-se à sociedade como homem, ocultando sua identidade trans, o que o obriga a uma vida dupla. Apaixona-se por Lana e é correspondido. A relação gera ciúmes em outros homens da cidade que descobrem sua condição de transgênero e o perseguem. Classificação indicativa: 18 anos
12. C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor (Jean-Marc Valleé, 2005)
Nessa comédia de costumes canadense Zac é um menino que vive com sua família em Québec, Canadá, nas décadas de 1960 e 1970. A narrativa percorre sua vida, da infância à juventude, junto a outros quatro irmãos, sua mãe e um pai machista e homofóbico. Zac sente atração por homens, mas, entre a culpa e o desejo, reprime sua homossexualidade, em busca da aprovação familiar. O filme aborda a temática com humor e possui uma trilha sonora repleta de clássicos do rock da época. Classificação indicativa: 16 anos.
13. Milk – a voz da igualdade (Gus, Van Sant, 2009)
O premiado filme norte-americano relata a história verdadeira de Harvey Milk, um político e ativista gay que foi o primeiro homossexual declarado a ser eleito para um cargo público na Califórnia, como membro da Câmara de Supervisores de São Francisco. Milk iniciou seu ativismo opondo-se à violência policial contra a comunidade gay. O filme pode servir como um disparador para debater a questão da luta pelos direitos humanos e civis da comunidade LGBTTIQ. Classificação indicativa: 16 anos.
(Foto de capa: Reprodução)