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Tidos como “pecadores” em outras vertentes religiosas, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais encontram refúgio em novas igrejas abertas à diversidade, que têm conquistado um número cada vez maior de seguidores no país; na foto, o casal de pastores Marcos e Fábio, com os filhos que adotaram juntos
Por Maíra Streit
[caption id="attachment_64933" align="alignleft" width="318"] Culto na Igreja Contemporânea, no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)[/caption]
A princípio, parece uma igreja como todas as outras. As palavras de fé, as orações, os hinos e os rituais religiosos estão todos ali. O que diferencia uma igreja inclusiva das tradicionais são as pessoas que a frequentam, unidas por uma necessidade pulsante de acolhimento e respeito.
A maior parte dos fiéis é formada por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais que carregam consigo histórias de discriminação, mas não abrem mão de exercer as suas crenças na espiritualidade. Tidos como “pecadores” em outras vertentes do cristianismo, eles se reúnem para compartilhar momentos de estudos bíblicos e encontram forças para enfrentarem juntos o preconceito.
Não são raros os relatos de constrangimentos e mesmo expulsão de outras igrejas, sobretudo as evangélicas. As famílias normalmente não aceitam identidades de gênero ou orientações sexuais diferentes do padrão e acabam reforçando na pessoa a sensação de isolamento.
Foi com a intenção de oferecer uma alternativa a essa situação que o reverendo Troy Perry fundou, em 1968, a Comunidade Metropolitana, em Los Angeles, nos Estados Unidos. O ex-ministro batista abriu caminhos para uma ideia que, desde então, atingiria cada vez mais adeptos. No Brasil, a teologia inclusiva chegou nos anos 1990, mas a primeira denominação nacional surgiu apenas em 2002, com a Igreja Cristã Acalanto, comandada pelo pastor chileno Victor Orellana.
[caption id="attachment_64928" align="alignright" width="300"] Pastor Alexandre e o esposo, o presbítero Jean (Foto: Maíra Streit)[/caption]
Hoje, são aproximadamente dez igrejas no país com esse discurso mais aberto à diversidade, e já começam a abrir suas filiais em vários estados. Uma delas é a Comunidade Athos, em Brasília. Inaugurada em 2005 com apenas cinco membros, atualmente cerca de 300 fiéis frequentam os três cultos semanais que acontecem no subsolo de um prédio comercial.
O pastor Alexandre Feitosa afirma que a ideia não é segregar, mas, pelo contrário, abrir espaço para todos aqueles que se sintam à vontade para participar das atividades. “Nós fazemos um trabalho que todas as outras igrejas deveriam estar fazendo. Em vez de recebermos elogios por isso, nós recebemos pedradas por acolher e receber todas as pessoas. Estamos fazendo o que Cristo fazia. Ele nos ensinou isso”, opina.
Feitosa critica a abordagem que muitos religiosos fazem em relação ao tema, o que contribuiria para um cenário de exclusão. “A homossexualidade é sempre tratada por um prisma negativo, da condenação, do inferno, da abominação. E tudo isso faz com que os cristãos LGBT que estão ali fiquem retraídos e cada vez mais refugiados em seus armários”, denuncia.
Tabus como o sexo antes do casamento e o uso de preservativos são vistos de forma diferente das igrejas convencionais, e a interpretação da bíblia é percebida sob a ótica da liberdade e do amor ao próximo. Porém, se engana quem pensa que ali tudo é liberado. A orientação dada aos fieis é para que sigam relacionamentos estáveis, monogâmicos, e constituam uma família.
[caption id="attachment_64931" align="alignleft" width="244"] Vilma e Andréa à espera de Catarina (Foto: Arquivo pessoal)[/caption]
Foi o caso da atendente de telemarketing Vilma Timo, frequentadora da Comunidade Athos. Ela, por muito tempo, tentou mudar sua orientação sexual. Usava saias longas, cabelos compridos e participava com fervor dos cultos de libertação da Assembleia de Deus. Chegou a fazer jejum de três dias sem beber nem comer nada, procurando se livrar daqueles “pensamentos sujos e demoníacos”. Acabou ficando noiva de um rapaz da igreja, mas desistiu ao perceber que a relação não a faria feliz.
Ao conhecer a educadora Andrea Oliveira em um bate-papo na internet, se apaixonou e em poucos meses estavam namorando. Um ano depois, já moravam juntas. A nova realidade ficou incompatível com a igreja, que decidiu abandonar. “As pessoas não sabiam da minha condição, eu vivia escondida. Tentava esconder ao máximo. E é horrível viver desse jeito, sem ter a sua identidade. Infelizmente na minha família continuam do mesmo jeito: homofóbicos e preconceituosos”, relata.
O casal encontrou refúgio na igreja inclusiva e, há cinco meses, todo o sofrimento foi atenuado com a chegada da pequena Catarina, fruto de uma fertilização in vitro, que trouxe às duas os desafios da maternidade. “A Athos nos aceita como nós somos. A grande diferença é essa”, conclui.
Resistência
Mas tanta felicidade tem incomodado – e muito – a ala mais conservadora dos evangélicos. O presidente do Conselho de Pastores do Brasil, Silas Malafaia, disse por várias vezes não reconhecer essas comunidades, comparando-as com igrejas de “polígamos, prostitutas e adúlteros”. “Para mim, elas não existem”, disse em uma entrevista.
No entanto, a forte resistência dos ditos ‘cristãos’ não é exatamente uma preocupação para o pastor Marcos Gladstone, que prefere não dar visibilidade a esse discurso. Fundador da Igreja Contemporânea, ele conta que começou com um grupo pequeno em um sobrado na Lapa, região central do Rio de Janeiro.
[caption id="attachment_64935" align="alignright" width="384"] “A homossexualidade é sempre tratada por um prisma negativo, da condenação, do inferno e da abominação", diz pastor (Foto: Divulgação)[/caption]
No início havia o medo de represálias, mas logo começou a chegar mais e mais gente e hoje já são 2,5 mil pessoas em nove unidades, que foram abertas também em São Paulo e Minas Gerais. Ele atribui o crescimento à grande demanda da população LGBT, que ainda se vê profundamente discriminada em outras denominações religiosas.
Ele acredita que a condenação da homossexualidade é resultado de construções teológicas preconceituosas e traduções equivocadas da bíblia. Gladstone tenta mostrar um outro lado e, assim, desconstruir os estereótipos em torno do assunto.
Em 2009, ele foi eleito pelo portal Mix Brasil como uma das personalidades que mais influenciaram positivamente o mundo na aceitação da comunidade LGBT. No ano seguinte, recebeu o Prêmio Arco-íris de Direitos Humanos e moção honrosa da Câmara Federal por seu trabalho na área de reintegração social.
Hoje, ele é casado com o também pastor Fábio Inácio e pai de dois filhos, Felipe e Davison, que adotaram em conjunto. “Nós namoramos, noivamos e casamos. Chegou um momento em que percebemos que faltava algo mais para completar a família. Aí veio a adoção. Fomos evoluindo de acordo com a lei”, brinca.
Os planos para o futuro incluem adotar uma menina e também a inauguração da primeira catedral inclusiva do Brasil, que deve ser concluída nos próximos meses onde funcionava um antigo cinema, no bairro de Madureira.