Sim, a educação emancipadora é possível, apesar de muitos dizerem o contrário. Se pararmos para analisar de onde vem essa fala da permanência de um ensino público ruim, iremos perceber que é mais um discurso político para justificar falhas que eles mesmos criaram e que, movidos por interesses privatistas, não têm a menor vontade de consertar
Por Eliane Oliveira*
Recentemente fui convidada a falar com alunos de licenciatura sobre minha paixão pela sala de aulas. Em menos de uma semana conversei sobre isso em dois grupos de áreas distintas. Se me perguntarem se gostei, minha resposta será sim, até porque se não gostasse de falar sobre o tema não aceitaria o convite. Porém, me pareceu um pouco melancólico ter que argumentar ou legitimar para estudantes de graduação que a educação (pública) é algo apaixonante e transformador.
Fiquei martelando isso na minha cabeça, da necessidade de desconstruir o discurso vigente de o quanto a educação pública é precarizada, violenta, desnecessária, superficial e que não transforma ninguém. Falei das minhas práticas, das minhas vivências, de alguns bons exemplos, dos resultados, mesmo parecendo tão pouco diante do potencial escondido dentro do espaço escolar.
Porém, vem a realidade e me liberta dessa melancolia: quando vejo alunos protagonizando uma luta pela manutenção de suas escolas em São Paulo, sinto que não estou sozinha e que minha fala não irá ecoar no vazio acadêmico do distanciamento entre teoria e prática. Entendo que a voz e a vez são dos alunos, mas asseguro que o sentimento de pertença a uma determinada comunidade escolar é construído pelas relações que são travadas em tal espaço.
Existe uma representatividade nesses estudantes que vai além das questões políticas, estão ali também os professores que lhes ensinaram a defender direitos. Quando vejo as manchetes dizendo que eles “ocuparam” determinada escola acho risível, afinal a escola sempre foi deles. Não estão ocupando nada, estão fazendo valer o que sempre foi um direito e que agora querem lhes tirar.
Sim, a educação emancipadora é possível, apesar de muitos dizerem o contrário. Se pararmos para analisar de onde vem essa fala da permanência de um ensino público ruim, iremos perceber que é mais um discurso político para justificar falhas que eles mesmos criaram e que, movidos por interesses privatistas, não têm a menor vontade de consertar.
Tudo é feito para afastar estudantes das licenciaturas, para enfraquecer a formação já precarizada desses profissionais. A escola é apresentada como uma extensão de todos os problemas do mundo e o professor como o possível salvador e, caso não se enquadre nesse perfil, melhor partir para outra. Desta feita, muitos têm desistido. Mas há aqueles que permanecem, se apaixonam, são picados pelo bichinho da sala de aula e transformam esse espaço em seu habitat natural.
Dou sentido a uma fala que já cansei de ouvir no espaço escolar, sobre os profissionais terem “postura de professor”. Penso que não nos tornamos professores na universidade e sim no chão da escola, quando nos permitimos encarar nosso campo de atuação como uma escolha consciente.
Sim, existem alguns motivos para eu dizer que a educação pública é ruim, mas existem vários outros que me fazem crer na possibilidade de fazer com que seja melhor. A educação é ruim por motivos externos a ela, não é algo intrínseco como querem nos fazer pensar. Afinal, como não acreditar no potencial dessa educação quando vemos alunos conseguindo enfrentar seus dragões?
Esperançosa, utópica, iludida, dirão alguns, mas são esses pequenos sujeitos que estão fazendo história numa realidade caótica, formatada para fortalecer um discurso que permanece há décadas. Se os estudantes estão lá enfrentando poderes instituídos à sua revelia, políticas equivocadas e intempéries de todo tipo, é porque, ao contrário de que reza a lenda, a escola tem sua importância, tem seu significado e, apesar de tudo, tem cumprido sua função social. E o professor? Bem, sem ele não existira a escola!
(*) Eliane Oliveira é mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros (NEIAB) da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM), além de professora de Sociologia da rede pública e particular e feminista negra
(Foto: Roberto Parizotti/Secom CUT)