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Babalorixá e antropólogo Rodney de Oxóssi contesta posição de coordenadora da campanha de Marina Silva que defendeu um "horizonte máximo" de dez anos para o sistema de cotas no Brasil. "Traçar um tempo limite para as cotas raciais é o mesmo que extingui-las", afirma
Por Jarid Arraes
Apesar de ser a única presidenciável negra nas eleições de 2014, Marina Silva não conta com muito apoio do movimento negro brasileiro, que, ao contrário, faz duras críticas ao seu plano de governo e engajamento político contra o racismo.
Em entrevista para a BBC Brasil, na última sexta-feira (12), a coordenadora nacional de promoção da igualdade racial da campanha de Marina Silva fez declarações que repercutiram de modo negativo entre os militantes negros. Segundo Valneide Nascimento, as cotais raciais devem ter no máximo 10 anos de duração.
Para o babalorixá e antropólogo Rodney de Oxóssi, traçar um tempo limite para as cotas raciais é o mesmo que extingui-las. "O Brasil sempre teve uma estrutura baseada na desigualdade e alimentada pelo racismo, que se consolidou ao longo de nossa História. Dez anos são suficientes pra corrigir uma desigualdade gerada há séculos? A luta do povo negro fez ver que a política de cotas era uma necessidade e levou anos para torná-la real. Sendo assim, não é possível estabelecer um prazo para mudar uma estrutura social extremamente arraigada. Se mais de um século depois da escravidão não conseguimos corrigir a desigualdade, é porque levamos anos para implementar ações que de fato a combatessem", argumenta.
Como salientado por Valneide Nascimento na entrevista, o fato de Marina Silva não ter embasamento com relação às religiões de matriz africana também é um fator que gera desconfiança. "Tudo que as religiões de matrizes africanas e seus adeptos desejam é ver sua fé e sua prática respeitadas, conforme determina a Constituição. Mas além de sofrer com a intolerância das igrejas evangélicas, ainda enfrentam uma resistência social histórica que, sem a intervenção política, jamais será superada. Ter uma presidenta evangélica representa um risco para os fieis do Candomblé, da Umbanda e de todos os cultos afro-brasileiros, especialmente quando a candidata declara que não conhece nossa religião" - preocupa-se o babalorixá - "mais que descaso, é um acinte."
Rodney de Oxóssi ainda pontua a mudança do discurso da candidata, que em 2010 afirmava que seria a primeira mulher negra presidente do país. "Nesta eleição de 2014, no entanto, os interesses que estão por trás de sua campanha já não coadunam com as questões do povo negro e de outras 'minorias' que têm merecido muito pouca atenção em seu programa de governo. A meu ver, não é que Marina não seja uma boa representante, mas o Movimento Negro, na verdade, parece reconhecer os avanços alcançados nos governos Lula e Dilma e todas as ações que de fato têm favorecido nossa população, inclusive as religiões afro". Embora o partido não seja unanimidade, o antropólogo cita algumas conquistas trazidas pelas gestões petistas, como por exemplo as ações promovidas pelo Ministério da Cultura, por meio do Iphan e da Fundação Palmares.
"Além dos quase quatro séculos de escravidão, vivemos mais de um século de exclusão deliberada em que a presença do negro era considerada um entrave e o mito da democracia racial e a própria negação do racismo diluíram muitas possibilidades de organização e de luta. Somente nesta última década passamos a ter mudanças efetivas e o atendimento de algumas das principais demandas da população negra. São conquistas ainda incipientes, mas extremamente pontuais. A aprovação das cotas nas universidades e no serviço público é uma das mais importantes", afirma. Para Rodney de Oxóssi, a insegurança culmina na religiosidade desassistida, o que certamente faz grande parte do movimento negro rejeitar Marina Silva: "A promoção da igualdade racial tornou-se uma realidade e ao aliar-se a segmentos neoliberais, igrejas intolerantes e conservadoras, ao não reconhecer a Umbanda e o Candomblé e os direitos dos LGBT, a candidata Marina Silva surge mais como ameaça do que esperança".
Foto: Marcelo Camargo/ABr