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Um dos depoimentos mais impactantes foi de um morador que se diz perseguido por um policial, que usa codinome “Stevie”. Segundo esse morador, o policial teria feito “roleta russa”, apontando a arma para ele
Por Nicolas Pasinato, na Sul 21*
Os moradores de rua foram os protagonistas do seminário “População em Situação de Rua e sua interface com a Segurança Pública em tempos de Copa do Mundo”, realizado na manhã desta quinta-feira (8) pela Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) . O evento ocorreu na Câmara de Vereadores e contou com a presença de representantes da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), do Ministério Público, Movimento Nacional da População de Rua, da Brigada Militar, da Guarda Municipal, entre outras instituições.
Ansiosos para fazerem as suas reivindicações, os moradores em situação de rua lotaram o plenário Ana Terra do Legislativo municipal e interromperam por diversas vezes as falas dos órgãos oficiais para criticar ou acrescentar algo que estava sendo dito. Também apresentaram várias denúncias de perseguições e agressões e mostraram-se temerosos com a possibilidade de ser promovido uma “higienização social” em Porto Alegre”.
Em função das constantes interrupções durante a participação dos representantes das instituições, ficou combinado que os discursos seriam intercalados entre autoridades e o público presente. Richard Gomes de Campos, do Movimento Nacional da População de Rua, liderou a voz do grupo. “O morador de rua tem fome, mas não é de comida. Tem fome de garantir os seus direitos. Direito a moradia, acesso a serviço de qualidade e atendimento de saúde”, defendeu ele, sendo fortemente aplaudido pela plateia.
Galpões
Richard demonstrou ainda preocupação em relação a possibilidade de higienização social em Porto Alegre durante a Copa do Mundo. O boato é de que seriam erguidos galpões para colocar a população de rua nos dias do evento. “Duvido que no perímetro do estádio Beira-Rio as pessoas que dormem por ali vão poder continuar. Por parte da Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania) acredito que não há essa ideia de higienização, mas em outros órgãos existe”, afirma ele, citando o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) como possíveis autores dessa higienização, além dos órgãos de segurança do Estado.
Ele aproveitou a presença do comandante-geral da Guarda Municipal, Nilo Bottini, para denunciar o uso da armataser por um guarda contra um usuário do Centro Pop, quando ele estava abrigado no local. Bottini respondeu que não é prática da Guarda Municipal usar a arma sem necessidade e como ela deixa o corpo marcado a vítima pode apresentar uma denúncia e comprovar, facilmente, que recebeu o disparo. O presidente da Fasc, Marcelo Soares, ressaltou que a fundação exigiu de forma oficial uma resposta da Secretaria Municipal de Segurança sobre o ocorrido. Em relação à medidas de higienização da cidade, Soares garantiu que isso não passa de boato.
Denúncia
Dezenas de moradores de rua se inscreveram para falar durante o seminário. O conteúdo de seus pronunciamentos foram, em sua maioria, de denúncias de violência policial e indiferença do poder público frente a situação em que vivem. Um dos depoimentos mais impactantes foi de um morador que se diz perseguido por um policial, que usa codinome “Stevie”. Segundo esse morador, o policial teria feito “roleta russa”, apontando a arma para ele.
O morador ainda afirma ter sido agredido pelo mesmo policial em outras oportunidades. “Ele me machuca toda vez que ele me pega. Já disse que ia me jogar da ponte do Guaíba e eu não sei nadar. Já sumiu com dois colegas meus. O próximo será eu” (sic), disse, silenciando quem estava no auditório.
O Major Vieira, da Brigada Militar, disse que irá investigar o caso. Os vereadores presentes pediram que fosse garantido a segurança deste morador após a sua denúncia. A respeito do comportamento da Brigada Militar com a população de rua, Vieira afirma que é uma minoria que age de forma errada e que há órgãos correicionais para denunciá-la. “Tem policial com um ano de Brigada e vinte anos de idade. Ele tem cerca de seis meses para se preparar em diferentes áreas, como crimes, tratamento de pessoas, abordagem em trânsito, entre outras coisas, não dá tempo de qualificá-lo da forma ideal”, explica. O órgão da BM fiscalizador, segundo o major, tem 20 dias para apurar um suposto abuso e apresentar uma resposta.
Condenação de Porto Alegre
Foi destacado no seminário também por vereadores e pela representante do Ministério Público/RS, Liliane Pastoriz, a condenação do município de Porto Alegre, no final do ano passado, a implantar, em até três anos, oito abrigos para moradores de rua, além de triplicar o número de vagas existentes em residenciais terapêuticos.
Conforme a decisão judicial, a administração pública deverá construir duas casas-lares para idosos e duas repúblicas, no prazo de até um ano; mais duas repúblicas e um abrigo para famílias em situação de rua, além de uma casa para atendimento de pessoas com alta hospitalar e necessidade de cuidados especiais, em até dois anos.
A Justiça determinou, ainda, que a Prefeitura deverá, no prazo de até três anos, triplicar o número de vagas existentes em residenciais terapêuticos do tipo 1, que acolhe moradores com maior autonomia, com grupos formados por, no máximo, oito pessoas. Também foi fixada multa diária de R$ 2 mil por cada estabelecimento que não seja instalado no prazo.
Encaminhamentos
O presidente da Cedecondh, Alberto Koppitke (PT) defendeu a qualificação permanente da Brigada Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal, a criação de um indicador sobre os óbitos da população moradora de rua. Segundo ele, a Cedecondh deverá agendar uma visita, nos próximos dias, aos equipamentos da Fasc. Kopittke também sugeriu a criação de uma comissão permanente, com reuniões semanais, para tratar do tema, e, como medida urgente, colocou a Cedecondh á disposição para o recebimento de outras denúncias.
Para Fernanda Melchionna, é importante que se trate dos casos específicos de violação dos direitos. “Faremos coleta de depoimentos individuais dos casos de violência”, afirmou. A vereadora sugeriu que a Câmara Municipal também registre casos que possam acontecer na Copa e analise o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sobre o Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI) dos albergues municipais, bem como ajude na proteção aos direitos da população de rua.
Também estiveram presentes ao seminário os vereadores Mário Fraga (PDT), Mônica Leal (PP), João Carlos Nedel (PP), Marcelo Sgarbossa (PT), Alceu Brasinha (PTB) e Séfora Mota (PRB), além de representantes da Guarda Municipal, Polícia Civil e do Jornal Boca de Rua.
*Com informações do Portal da Câmara Municipal de Porto Alegre
Foto de capa: Foto: Cristiane Moreira/Sul21