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Para Raquel Willadino, psicóloga e diretora do Observatório de Favelas, "a violência policial é recorrente no cotidiano dos moradores de espaços populares. Porém, essa violência, muitas vezes letal, é silenciada pela naturalização e a banalização"
Por Nana Medeiros, no Observatório da Sociedade Civil. Foto de capa: Mídia Ninja
Com as manifestações realizadas desde o ano passado, ganhou força a discussão sobre a segurança pública do país, com destaque para a ação policial violenta principalmente nas áreas mais pobres das cidades. No entanto, para Raquel Willadino, psicóloga e diretora do Observatório de Favelas, essa situação ainda não provoca indignação na opinião pública. “A violência policial é recorrente no cotidiano dos moradores de espaços populares. Porém, essa violência, muitas vezes letal, é silenciada pela naturalização e a banalização”, afirma ela na entrevista abaixo, concedida ao Observatório da Sociedade Civil via e-mail. Segundo ela, O confronto nas favelas só foi colocado em evidência quando a violência também chegou a outros territórios com a repressão aos protestos.
Com a proximidade da eleição de 2014, debates têm sido realizados sobre o tema e a proposta da desmilitarização da polícia vem ganhando destaque como resposta à necessidade de instituições mais democráticas para a promoção da segurança. A PEC 51, proposta do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), tem como finalidade justamente eliminar o caráter militar e alterar a forma de atuação da polícia. Para Willadino, a medida é “fundamental para a consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país”. ” É importante aproveitar este momento para ampliar o debate público sobre os caminhos concretos que podem conduzir a uma reforma estrutural do sistema de segurança pública, o que inclui uma reforma profunda das polícias”, destaca.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Observatório da Sociedade Civil: Como avalia a atuação da polícia nos protestos que têm acontecido desde junho passado?
A atuação da polícia nos protestos colocou em evidência o despreparo do Estado para lidar com as manifestações populares. O que predominou nesse período foram respostas repressivas, violentas e desproporcionais ao legítimo direito à manifestação.
OBSC: A violência da polícia ganhou destaque nas manifestações, mas é novidade na periferia?
A ação das forças policiais nas favelas tem sido historicamente marcada pela lógica do confronto. Nas últimas décadas, o que norteou as ações no campo da segurança pública nesses territórios foi a perspectiva da “guerra às drogas”, que teve como foco a repressão ao tráfico de drogas no varejo. Dentre os efeitos desse processo, podemos destacar a difusão do uso de armas de alto calibre, o acirramento da violência letal, o aumento da sensação de insegurança e a criminalização dos moradores de espaços populares – em especial, da juventude negra. O fracasso dessa estratégia é evidente. É imprescindível romper com a lógica do enfrentamento bélico e investir em uma política de segurança pública que tenha a valorização da vida como princípio fundamental.
OBSC: A atuação da polícia é parecida em todo o país ou há diferenças?
Há diferenças não só entre os estados, mas entre unidades das próprias corporações. Por outro lado, há os elementos comuns que são muitos arraigados na cultura institucional das polícias. Nesse sentido, o que predomina ainda é uma perspectiva repressiva e de controle e não uma ação voltada para a proteção e a garantia de direitos dos cidadãos. Por isso, é tão importante o debate sobre a reforma estrutural das polícias.
OBSC: Há um clima de escalada na repressão aos protestos. Como isso se reflete na periferia?
A violência policial é recorrente no cotidiano dos moradores de espaços populares. Porém, essa violência, muitas vezes letal, é silenciada pela naturalização e a banalização. Silêncio que expressa a hierarquização do valor da vida dos moradores de determinadas áreas da cidade. Um exemplo disso foi a operação policial realizada no Complexo da Maré no final de junho de 2013, que resultou na morte de dez pessoas: nove moradores e um policial do BOPE. Essa operação, marcada pela lógica do confronto, colocou em evidência um tipo de ação policial recorrente nas favelas cariocas que tem como principais vítimas os jovens negros e que, com frequência, não provoca indignação na opinião pública. O que muda a partir da escalada de repressão aos protestos é que a violência policial também começa a atingir outros territórios da cidade e outros grupos sociais. Isso contribui para que o tema ganhe força no debate público.
OBSC: O tema da violência policial tem espaço na eleição de 2014? O que espera?
A proposta de desmilitarização da polícia ganhou muita força com as manifestações. É importante aproveitar este momento para ampliar o debate público sobre os caminhos concretos que podem conduzir a uma reforma estrutural do sistema de segurança pública, o que inclui uma reforma profunda das polícias. Isso é fundamental para a consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país.
OBSC: Em relação à desmilitarização, é uma bandeira que unificou muitos movimentos e que ganhou destaque nas últimas manifestações. Mas como alcançar a desmilitarização? Quem são as pessoas que possuem o poder para tal e por quais vias isso poderia seria feito?
A questão da desmilitarização das polícias envolve mudança constitucional. Isso requer a realização de um amplo e profundo debate que envolva diferentes atores sociais, tendo em vista a construção de um consenso político consistente. Hoje há uma proposta de emenda constitucional (PEC 51) que apresenta caminhos objetivos para que esta mudança se efetive. A PEC 51 apresenta três eixos fundamentais para a reforma da arquitetura institucional da segurança pública: desmilitarização, ciclo completo do trabalho policial e carreira única.
OBSC: Visto que a policia civil, por exemplo, também mata, a desmilitarização solucionaria o problema da violência policial? Quais seriam os próximos passos depois da desmilitarização?
Além da desmilitarização, outra proposta importante para a construção de um novo modelo de polícia é a do ciclo completo do trabalho policial. No modelo atual, as ações preventivas e ostensivas são responsabilidade da polícia militar e o trabalho investigativo é atribuição da polícia civil. A experiência tem demonstrado que esta divisão não é produtiva. A proposta do ciclo completo implica que teríamos uma única polícia realizando todo o ciclo de trabalho: prevenção, ações ostensivas e investigação. Outra questão central para o enfrentamento da violência policial é o investimento em mecanismos independentes de controle externo da atividade policial.