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Para especialista, "ser pobre e morar na favela será utilizado no destino do flagrante"
Por Igor Carvalho
A edição 126 da revista Fórum chega nas bancas neste fim de semana. Essa entrevista faz parte da matéria “Uma guerra e um alvo principal: os pobres”, que compõe a série de reportagens do dossiê sobre drogas. Para comprar seu exemplar pela internet, a partir de segunda (16), clique aqui.
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[caption id="attachment_31069" align="alignleft" width="300"] "Ser pobre e morar na favela será utilizado no destino do flagrante" (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)[/caption]
O encarceramento em massa e a ação seletiva da polícia e do Judiciário levam milhares de pessoas de classes sociais mais baixas para as prisões brasileiras, tendo como justificativa a guerra às drogas.
Para o diretor executivo do Insituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Cristiano Avila Maronna, “a lei [11.343] tem um papel especial” no encarceramento brutal que há no Brasil, por conta da subjetividade do artigo 28 que oferece ao agente policial, no ato da prisão o poder absoluto sobre o destino da pessoa flagrada com drogas.
Maronna não tem dúvidas sobre quem é punido, independentemente da quantidade de drogas apreendida. São jovens, “entre 18 e 25 anos, é afrodescendente, com educação fundamental, não tem antecedentes criminais”, define o advogado.
Confira:
A Lei 11.343 e a criminalização da pobreza
A lei tem um papel especial nessa questão. A Lei de Drogas tem duas figuras típicas, o usuário e o traficante, só que ela não tem critério para fazer a distinção entre quem é usuário e quem é traficante, como existe em Portugal, onde quem porta até 10 doses diárias é usuário, mais que isso é traficante. Aqui, com qualquer quantidade você pode ser considerado traficante, também não se exige provas de que a pessoa de fato vende drogas e isso faz com que muitos usuários sejam condenados como traficantes, com base em presunção, e isso acaba tendo um recorte socioeconômico. Ser pobre e morar na favela será utilizado no destino do flagrante.
Tem três pesquisas que foram feitas com decisões judiciais que condenaram pessoas por tráfico de drogas em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília mostram que o perfil do usuário condenado por tráfico de drogas no Brasil é jovem, entre 18 e 25 anos, é afrodescendente, com educação fundamental, não tem antecedentes criminais, e em geral são presos sozinhos e sem porte de arma. Quando falamos do encarceramento em massa, de fato essa lei contribuiu para acentuar esse número, somos o quarto país com mais presos no mundo, com a terceira maior taxa de encarceramento, com 245 presos para cada 100 mil habitantes, só somos superados pelos EUA, com 756 por 100 mil habitantes, e pela Rússia, com 629 por 100 mil habitantes. Além disso, temos um déficit de 170 mil vagas no sistema prisional.
População carcerária
Se a gente avaliar o crescimento populacional brasileiro entre 2005 e 2012, percebe que em 2005 tínhamos 184 milhões de habitantes e, em 2012, eram 193 milhões. Houve, portanto, um aumento de 5% da população em sete anos. No mesmo período, a população prisional cresceu 80%, em 2005, tínhamos 300 mil presos, e em 2012, tínhamos 550 mil presos. Esse aumento desigual se deve ao crime de tráfico, associado à lei 11.343. Hoje, pouco mais de 25% dos presos do Brasil estão presos por conta da Lei de Drogas.
"Guerra às Drogas"
No mundo inteiro houve um consenso de que esse modelo se esgotou e que temos que evoluir para um outro lugar. Primeira coisa, essa ideia de um mundo livre de drogas, que é a ideia que embasou a “guerra às drogas” e o proibicionismo, é uma ideia equivocada, o ser humano sempre teve contato com substâncias psicoativas, a alteração da consciência ordinária é uma constante antropológica em todos os tempos, seja por finalidades religiosas, medicinais ou recreativas, e chegamos até aqui também por isso. Achar que vamos viver em um mundo sem drogas é uma ideia irrealizável e de um puritanismo absurdo.
Há uma grande preocupação porque existem tratados e convenções internacionais consagrando o proibicionismo, assinadas pela maioria dos países, e os EUA pressionam pela manutenção desses acordos. Porém, os próprios EUA já começam a seguir por outro caminho, 21 estados possuem leis que organizam a venda de drogas para fins medicinais, em Washington e Colorado já se autorizou o uso para fins recreativos da maconha, e essas leis foram aprovadas após plebiscitos, respeitando um desejo popular. Agora, temos o Uruguai com essa iniciativa pioneira, se isso passar, vamos ter o primeiro país a adotar um regime de legalização de direito e acho que será um efeito dominó.
Fácil acesso
Hoje, vivemos esse momento de transição, onde se notou a falência do proibicionismo e caminha-se para um novo modelo, que está sendo discutido e experimentado. Existe outro apelo também, hoje crianças e adolescentes têm mais facilidade e acesso a drogas ilegais do que a drogas legais, por conta da legislação. Se uma criança ou adolescente for em um bar para comprar um maço de cigarro ou uma bebida ela não vai conseguir, mas se quiser maconha, vai.