Maria Rita Casagrande dá seu testemunho pessoal sobre o racismo sofrido por ela na infância, que hoje afeta o seu filho
Por Maria Rita Casagrande, para o Blogueiras Negras
Eu moro no mesmo lugar a quase 5 anos, nesses 5 anos uma das minhas vizinhas insiste que eu sou diarista dos demais apartamentos. Ao me encontrar nos elevadores me pergunta: “Em qual vocês está hoje? Quanto você cobra o dia”. Sempre que este encontro ocorre a resposta é a mesma: ” Eu moro aqui, sou do 14?. Ela balança a cabeça incrédula e segue o seu caminho. Hoje, por fim ela me orientou a utilizar o elevador de serviço.
Ontem, meu filho chegou em casa chateado porque as crianças na sua sala de aula dizem que ele tem a “gengiva preta” e que ele é marrom e horrível. Doeu nele, doeu em mim porque eu passei alguns anos da minha infância ouvindo a mesma coisa, ou sendo excluída de algumas brincadeiras porque “gente preta não brinca”, e eu ouvi isso de pessoas que hoje são minhas “amigas” aqui no facebook e que talvez nem se lembrem de terem feito isto. Bom, o fato é: nós perdoamos, mas não esquecemos.
Ainda ecoa na minha mente a “brincadeira” onde meninos separavam meninas para formar uma fazenda (sim, crianças de 6 ou 7 anos). Uma brincadeira horrorosa por si só, mas que ficava pior quando todos os dias eu entrava na fila da brincadeira e enquanto separavam iam apontando “cavalo branco, cavalo branco” e na minha vez: “cavalo preto não brinca”. Isto aconteceu em 1986, já faz um bom tempo, mas em pleno 2013 algumas brincadeiras não são tão diferentes.
Ainda há aqueles que se mantém na ignorância de acreditar que no Brasil não existe racismo. Que essas pessoas possam utilizar meia hora de suas vidas para reavaliar seus conceitos, olhar ao redor e rever suas atitudes, suas piadas, seu comportamento.
Se forem pais ou mães que o façam com mais carinho e ensinem seus filhos que somos todos iguais; brancos, negros, indígenas, japoneses, católicos, evangélicos, judeus, hetero, gays, portadores de necessidades especiais, gordos e magros. Nosso sangue é vermelho como o de qualquer outro, nossos sentimentos são os mesmos, e os direitos e deveres são iguais (mesmo que isto não se cumpra). Que façam aquilo que é tarefa principal e eduquem seus filhos para que eu ou qualquer outra mãe negra não precise usar de argumentos confortadores com o filho, explicando para ele que os melhores corredores são negros, os melhores jogadores de basquete são negros, os melhores jogadores de futebol, que o presidente da maior nação e de maior poder é negro, que as músicas mais incríveis são compostas e tocadas por negros, que podemos fazer aquilo que quisermos, sermos quem quisermos nos dedicando e que ser negro não é um defeito, é qualidade e que, no caso do meu filho, por não tratar ou jugar ninguém pela cor da pele, religião ou sexo já é melhor do que muitas pessoas.
Crianças são crueis, é verdade, mas apenas algumas, aquelas que não são instruídas corretamente. Não devemos nos limitar a ensinar as crianças apenas a ler e a escrever, a tocar um instrumento e a desenhar. Precisamos ensinar cidadania, tolerância e respeito. Para quem não conhece essas máximas da convivência humana, ainda está em tempo de abrir a mente e se educar.
Nem eu, nem meu filho, nem mais da metade deste país, “precisa” ser tolerante com a ignorância alheia. Infelizmente, as pessoas só aprendem com medidas extremas como a cadeia. Evite que o próximo “criminoso”, como a senhora do elevador , saia de dentro de sua casa. Respeite e ensine o respeito porque isto não é um grande ato. Isto é o mínimo!
Maria Rita Casagrande é fundadora e Diretora executiva do site True Love.
(Foto de capa: Reprodução / pco.org.br)