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Grupo se reúne hoje com CBF, TV Globo e outros "chefes" do futebol, para debater situação de atletas, calendário dos jogos e exigir transparência de clubes e entidades
Por Giulia Afiune, na Pública
[caption id="attachment_34693" align="alignleft" width="300"] (Foto: Divulgação/A Pública)[/caption]
O zero a zero no empate entre Coritiba e Internacional, no Couto Pereira, foi muito mais importante para o futebol nacional do que o resultado sugere. Ao fim daquele jogo, no dia 1o de setembro passado, Alex, o craque do Coxa, na troca de camisas com Juan, zagueiro do Inter, seu colega de longa data, teve com ele uma conversa que deu origem a uma movimentação entre os jogadores brasileiros que não se via há muito tempo.
Os astros tinham uma reclamação em comum: a sequência extenuante de jogos imposta pelo calendário de jogos, que chamava a atenção de ambos, que estavam de volta ao Brasil há cerca de um ano depois de um longo período fora do país. Juan, por exemplo, considerava absurdo o seu time fazer quatro jogos em quatro cidades diferentes em 10 dias, estressante para qualquer atleta, pior ainda para um veterano como ele.
A partir dessa conversa, outros atletas se mostraram interessados em discutir o calendário do futebol brasileiro, como o zagueiro Paulo André, do Corinthians, que procurou Alex para falar do tema dias depois. Os boleiros formaram um grupo no Whatsapp, aplicativo de mensagens instantâneas no celular, e abriram o debate com o objetivo de organizar as ideias antes de discuti-las com o que consideram o comando do futebol brasileiro: a CBF, que organiza os jogos profissionais no Brasil, e a TV Globo, que financia os campeonatos com o pagamento do direito de transmissão.
Foi nesse momento de articulação inicial entre os atletas que Alfredo Sampaio, vice-presidente da Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol), sindicato de jogadores profissionais de futebol, ligou para Alex com uma proposta que havia negociado com a CBF: a de reduzir as férias de 30 dias ao fim da temporada de 2013 para 17 dias no fim do ano e tirar os 13 restantes durante a Copa do Mundo do ano que vem. Alex recusou de pronto, falando por si, e disse que queria consultar o seu recém-formado grupo de atletas. Três dias depois, a CBF divulgou o calendário de 2014 e, em seguida, a Fenapaf declarou encerradas as negociações sobre férias.
Foi quando o “sindicato paralelo” decidiu pela dissidência e ganhou nome: Bom Senso Futebol Clube, que hoje já tem 870 adesões de jogadores profissionais. Também construiu um dossiê comparando os calendários dos jogos entre o Brasil e outros países, levantando os prejuízos físicos que o excesso de jogos trazia para os atletas e lembrando a legislação que protege os trabalhadores. Baseados nesses argumentos, os atletas apresentaram cinco reivindicações: três referentes ao calendário – 30 dias corridos e irrevogáveis de férias, um período de quatro a seis semanas para pré-temporada, e um limite máximo de sete jogos por mês; e duas mais políticas, exigindo a transparência e o controle das finanças dos clubes e a inclusão de atletas, treinadores e executivos de futebol no conselho técnico das competições e entidades.
Entregue à Globo e à CBF no último dia 7 de outubro, que pediram tempo para analisá-lo, o documento será foco de uma nova reunião na sede da CBF no Rio de Janeiro, hoje, às 14h, reunindo a Globo, a CBF, o conselho de clubes, os sindicatos, árbitros e o Bom Senso FC. Confira o papo que a Pública bateu com uma das lideranças do movimento, o craque Alex (ex Palmeiras, Cruzeiro, Seleção Brasileira), atualmente no Coritiba.
Apesar de alta taxa de adesões ao Bom Senso FC, são os jogadores veteranos que estão à frente do movimento. É difícil engajar os jogadores mais jovens?
Na verdade, não. Os mais velhos, que têm uma experiência maior, eles se colocam. Mas tem muitos jogadores de 25, 26 anos, que estão no meio das suas carreiras [no movimento]. Mas a ideia com certeza é essa: passar para os mais jovens que eles têm condição de se fazer ouvir.
Existe algum tipo de recomendação dos clubes para jogadores não se posicionarem politicamente?
Não, muito pelo contrário. Inclusive, na segunda-feira vai ter reunião com a CBF e eu vou com o presidente do meu clube [o Coritiba Foot Ball Club] que, por coincidência, é o presidente da associação dos clubes. Outros diretores e presidentes de clubes se colocaram à disposição para o que fosse necessário. Eu acredito que, até o momento, a aceitação está sendo boa. Até porque nossa ideia não é confrontar ninguém, é agregar valor, e criar uma situação para que nós sejamos ouvidos. Nós vamos para dentro do campo para fazer o momento final desse produto todo que é o futebol e, em momento algum, a gente foi ouvido. Então a nossa intenção, quando nos reunimos, é agregar valor.
Muitas reivindicações do Bom Senso FC são trabalhistas. Você acha que os jogadores devem ser vistos como profissionais, e não como “celebridades”?
Eu vou falar por mim. Eu não me sinto celebridade em momento algum. Nunca me senti, nem quando fui campeão da Libertadores com o Palmeiras. Eu sempre fui pra treinamento e pra jogo encarando aquilo como a minha profissão. Sabendo que é diferente, que tem uma exposição grande na mídia, que todo mundo está comentando, que você é julgado diariamente… Mas nunca me senti celebridade em momento algum. Fora isso, existe uma realidade que é bem maior do que essa, que é a dos jogadores que jogam em equipes menores, sem essa situação de ser toda hora noticiado na mídia. E o pessoal muitas vezes chega ao fim de suas carreiras com muitas dificuldades. Então essa situação trabalhista é e tem que ser sempre [pensada] porque o futebol não é diferente de outras profissões. Tem a sua regulamentação. E o que a gente busca é o que toda classe, independente de qual seja, sempre buscou.
No dossiê do Bom Senso vocês denunciam o atraso ou a falta de pagamentos de salários, até mesmo o desemprego de jogadores de clubes de menor porte. Por que se preocupar com a saúde financeira desses times?
Porque, na verdade, o futebol gira muito, mas a gente só olha para os grandes centros. E o Brasil é enorme, tem várias equipes, vários níveis de jogadores de futebol. E isso varia muito. Tem jogadores que assinam contrato de 2, 3 anos e eles têm a garantia de estar 2, 3 anos em um clube que tem uma situação melhor no sentido geral. Agora, tem jogadores que assinam contrato por três meses. E muitas vezes ele acaba nem recebendo esses três meses. Então, quando a gente começou a discutir, a gente tinha várias preocupações, mas a maior delas sempre foi que essas equipes menores tenham um calendário melhor. Se isso acontecer, os seus empregados, não só os jogadores, vão ter emprego por mais tempo. E aí vai ter uma tranquilidade, maior para tocar o seu dia a dia com a família. Então nesse sentido, também é importante que a gente olhe com melhores olhos para quem não tem essa exposição tão grande quanto os membros de outras equipes que a gente conhece.
Em entrevista à ESPN, você falou que o Bom Senso FC não quer choques desnecessários entre os jogadores e os responsáveis pela organização do futebol brasileiro. É possível mudar o futebol só costurando acordos? Não seria necessária uma dose maior de enfrentamento por parte de vocês?
Depende. Porque, na verdade, a repercussão foi boa, a gente tem sido bem recebido, a CBF e a Rede Globo nos receberam. Na próxima semana [hoje] vai ter uma reunião grande com as duas e com outros setores do futebol. Então nesse momento não existe situação nenhuma para criar um confronto. Realmente não passa isso pela nossa cabeça porque até o momento a recepção tem sido positiva.
O advogado do Bom Senso, João Chiminazzo, disse em uma entrevista que, caso as reivindicações dos atletas não sejam ouvidas, “eles irão ao extremo se for necessário”. O que vocês pensam em fazer? Vocês cogitam, por exemplo, fazer uma greve nos campeonatos estaduais?
Não, a gente não chegou nesse ponto de discutir ainda porque a repercussão tem sido boa. Então as nossas conversas giram todas em cima das situações que estão acontecendo. Nós nos encontramos, tivemos várias ideias, depois disso a Globo e a CBF nos atenderam. A gente vai passo a passo, agindo em cima daquilo que eles colocam na mesa. A única coisa que temos em mente é o seguinte: abrimos uma porta na qual nós temos que entrar. Não podemos ficar titubeando, esperando pra ver o que vai acontecer. Mas o princípio do que a gente pensou está acontecendo, que é o comando maior do futebol brasileiro nos receber e poder conversar na boa.
Qual a sua expectativa acerca dessa nova reunião (de hoje)?
Nenhuma. Vou para lá ouvir, ver o que vai acontecer, mas eu não crio expectativa positiva nem negativa. Sei lá o que a CBF vai dizer, o que a Globo vai falar, como os clubes vão se posicionar. Eu não fico pensando muito nessas coisas. Eles já receberam o dossiê no nosso último encontro. Vamos lá ouvir, discutir se for necessário, colocar o nossos pontos. Um encontro saudável em torno do bem do futebol brasileiro.
Na nota mais recente do Bom Senso FC, está escrito que “os integrantes do Bom Senso FC não reconhecem a legitimidade da Fenapaf [sindicato que representa os atletas profissionais de futebol], ou de qualquer outro sindicato convocado para a reunião, para representá-los nesse âmbito”. Por quê?
Porque em setembro eles lavaram as mãos de todas as negociações. Então a partir do momento que eles lavaram as mãos, não tem porque a gente reconhecer, né? Foram eles que abriram mão de estar nas negociações, não fomos nós.
O que você acha do vice-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero ter se reunido com os sindicatos e uma comissão de clubes para discutir o calendário na semana passada, uma das reivindicações centrais do Bom Senso FC? Você vê nisso algum sinal de que a CBF quer deixar o movimento de escanteio?
Não, eu não acredito que tenham nos deixado de lado. Tanto que na segunda-feira (hoje) vai acontecer a reunião e nós fomos convidados. Não me senti deixado de lado em momento algum. Eles têm o direito de se encontrar com quem eles quiserem, com quem acharem que têm que se encontrar.
Além do calendário, quais são, na sua opinião, os grandes problemas estruturais do futebol brasileiro?
As pessoas falam muito no calendário, mas não é só isso. A gente tem discutido o fair-play financeiro, temos preocupação com os jogadores e com os profissionais que trabalham em equipes menores, que não têm o ano todo para ser trabalhado. Os focos principais são esses, para que comece a haver uma reestruturação e fique bom para todo mundo. Quando a gente fala em calendário não é só questão de jogar quarta e domingo, mas é uma questão mais complexa que está sendo discutida.
Em entrevista ao Lance, você afirmou que a Globo manda no futebol brasileiro. Por que?
A Globo comanda porque a Globo paga a conta. As cotas televisivas são todas da Globo, a emissora detém os direitos do Campeonato Brasileiro e a CBF administra isso. Esse é um fato que todos nós conhecemos. As pessoas levaram como crítica, mas em nenhum momento eu critiquei. A dona dos direitos é a Globo e a CBF é a coordenadora de tudo isso. Uma coordena e a outra paga o valor que sempre pagou. E comanda o futebol brasileiro nesse sentido do pagamento das cotas já há muito tempo. Mas eu não vejo problema nenhum.
Nem a questão dos horários dos jogos?
Aí é uma questão da grade da televisão. Eu particularmente não gosto, mas eu não posso interferir nisso.
E o Bom Senso pretende criticar isso também?
Não, em momento algum nós colocamos isso em discussão.
Você acha que o futebol brasileiro é pouco profissional?
Eu acho o futebol brasileiro um produto mal aproveitado que pode ainda melhorar bastante. É o que todo mundo quer, é o que a Globo quer, o que os jogadores e treinadores querem, o torcedor quer e o que vocês da imprensa querem também. Essa discussão toda é salutar nesse sentido.
Mas dá um exemplo desse anti-profissionalismo.
Vamos dar um exemplo. Vamos supor que eu assine um contrato com você, você vai trabalhar para mim e eu não te pago. Isso é profissional? Esse é um fato que acontece no futebol brasileiro. Você assina um contrato, joga e não recebe. Isso já acontecendo, já não é futebol profissional.
Em uma entrevista recente, você disse que o futebol brasileiro na sua volta, em 2013, estava tecnicamente muito abaixo do que quando você saiu, em 2004. E do ponto de vista de organização, como você avalia?
Acho que evoluímos um pouco. Não dá para generalizarmos, mas evoluímos sim. Ainda podemos evoluir muito mais. Mas comparando com aquela época, acredito que tenhamos evoluído sim. Vejo, por exemplo, o que o Corinthians está conseguindo fazer. O Corinthians com o retorno do Ronaldo teve um ganho absurdo, coisa que a gente não conseguia ter lá atrás. O próprio Coritiba também passava por dificuldades absurdas e foi evoluindo, melhorando. É um contexto que, no geral, mostra uma evolução.
E a questão do fair-play financeiro que vocês defendem entra nesse sentido…
Sim, entra nesse sentido. Porque todo trabalhador contratado tem direito a receber. E se o empregador por alguma razão não está fazendo, temos que buscar para que ele faça, né? E isso não é um pedido nosso, é um pedido dos próprios clubes. Conversando com o presidente da associação dos clubes ele me disse que o pedido dos clubes foi algo parecido com relação a isso. Eles também querem o fair-play financeiro.
E como envolver o torcedor nas reivindicações do Bom Senso FC?
O torcedor tem o papel mais importante porque ele está super envolvido no negócio. Aliás, essa discussão toda começou a surgir porque a gente achava que o produto do futebol a ser oferecido para o torcedor poderia ser melhor. Estamos fazendo isso principalmente para ele, o torcedor. O que eu costumo dizer sempre é que, por exemplo, a minha carreira está chegando ao fim. A única coisa que eu tenho certeza agora é que eu vou continuar sendo um espectador e um torcedor de futebol. Então eu acredito muito que o que a gente vê hoje pode ser melhor. O torcedor também tem que acreditar que esse movimento de hoje é um movimento para que as coisas melhorem, principalmente naquilo que ele gosta, que é ver o time dele sempre bem em campo.
O dossiê do Bom Senso FC também aborda a questão do esvaziamento dos estádios. Você acha que a questão é a baixa atratividade dos jogos?
Não. É um contexto bem amplo. Tem a qualidade das equipes, tem o valor dos ingressos, tem a dificuldade de se chegar aos locais dos jogos, pois nós sabemos das dificuldades que os torcedores enfrentam com o transporte público principalmente para se voltar dos estádios. Existe também o problema social da violência. É um fator mais amplo, não acho que seja por conta de um fator apenas, mas um conjunto de situações que faz com que o número de torcedores nos estádios seja menor. Quando a gente começou a levantar as nossas reivindicações, muita gente achou que a gente só estivesse focado no fator calendário. “Ah, os jogadores estão reclamando porque estão jogando quarta e domingo”. E não é isso. Lembra aquela história que existia nas passeatas, de que não era só por vinte centavos? Nós também temos outras propostas de calendário. Por exemplo, para ajudar o pessoal das equipes menores, para que eles tenham um calendário melhor também e possam jogar o ano todo, ao invés de três meses. Melhorando esse produto, você pode também fazer com que mais pessoas venham aos estádios. Então é um contexto grande que a discussão está aberta e eu só espero que o futebol brasileiro ganhe.
Você acha que os estádios que estão sendo construídos para Copa em Cuiabá, Manaus e Brasília, por exemplo, pode ajudar a desenvolver o futebol nesses lugares?
Eu acredito que sim, mas não só construindo estádios. É preciso também que se organize as federações, os campeonatos estaduais. Agora, a questão da Copa do Mundo ter ido para locais onde praticamente não há futebol é uma questão mais do país em si. Ela já sai um pouco do futebol. Ela entra em outras áreas e aí a discussão tem que ser longa. Agora, eu acredito que ter um estádio num lugar sem uma boa atuação da federação o futebol não se fortalece em nada. Agora, ter um estádio onde tem uma federação tentando se organizar melhor já é um ponto a favor.
E em relação à Copa ser quase que inteiramente bancada com dinheiro público. Qual a sua opinião a respeito?
Quando eu penso na Copa do Mundo, penso o seguinte: a Copa do Mundo tem que deixar algo para depois. É claro que nós poderíamos entrar aqui numa discussão e dizer que o dinheiro que foi posto na Copa poderia ter sido colocado em saúde, em educação, em segurança pública, em outras vertentes e necessidades da sociedade. E não adianta que nós vamos ficar dando murro em ponta de faca. A Copa é aqui, o dinheiro já foi colocado, agora a gente tem que ter a expectativa de que as coisas corram bem e que, com a Copa do Mundo, as coisas possam ficar mais interessantes, com um legado que a própria sociedade possa usar. Agora, é inegável que o nosso país tem problemas sociais enormes e esse dinheiro todo que foi posto na Copa do Mundo poderia ter sido utilizado em outras áreas.