Lutando há 36 anos pela independência do Marrocos, povo saarauí sofre com violações dos direitos humanos e falta de apoio internacional
Por Igor Carvalho
Representantes da Frente Polisário, movimento de independência que se contrapõe à ocupação marroquina, que mantém o Saara Ocidental como a última colônia da África, estão no Brasil. O motivo da visita é divulgar a situação enfrentada pelo povo saarauí e, em última instância, pedir que o governo brasileiro os reconheça como Estado.
Recentemente, a ONU enviou uma missão ao Saara Ocidental para monitorar questões de direitos humanos e as negociações para a paz na região e, em seu relatório final, a entidade reclamou que o Marrocos espionou seus trabalhos. Cálculos da Frente Polisário dão conta de que a ocupação do Saara Ocidental custa aos cofres marroquinos US$ 2 milhões por dia. O retorno desse investimento está no solo saarauí, já que a região é rica em fosfato e tem potencial para extração de petróleo e gás.
Em 1976, a Frente Polisário foi fundada e proclamou a independência da Rapública Árabe Saarauí Democrática. Desde então, estabeleceu-se um conflito com o Marrocos, que só foi interrompido em 1991, quando a ONU promoveu um cessar-fogo. Os dois lados se comprometeram a participar de um referendo, onde a população decidiria o futuro do Saara Ocidental. Apesar do acordo, até hoje, 21 anos depois, o referendo não foi realizado. Para Karim Lagdaf, dirigente da Frente Polisário, o plebiscito que pode decidir o futuro do território deve ser feita por seu povo. “O Marrocos quer submeter o referendo a toda a nação marroquina e do Saara Ocidental, nós queremos uma votação fechada, apenas saarauís poderiam votar.”
Reconhecimento internacional
O Saara Ocidental não é reconhecido como parte do Marrocos por nenhum Estado, porém, a Liga Árabe apoia a autoridade marroquina em território saarauí. Lagdaf não se incomoda com tal posição. “A Liga Árabe realmente nunca discutiu o assunto, em nenhuma reunião, lamento dizer que não estamos perdendo muito.” A vinda ao Brasil é uma tentativa de aproximação da Frente Polisário com o governo brasileiro. Hoje, somente Brasil, Argentina e Chile não reconhecem o Saara Ocidental como Estado soberano, na América do Sul, mas isso não preocupa o dirigente. “Nós somos otimistas quanto à relação com o Brasil, queremos esse apoio.”
Karim Lagdaf, assim como a maioria dos dirigentes da frente e 180 mil saarauís, mora em um acampamento para refugiados no sul da Argélia. As violações dos direitos humanos é a maior preocupação de organismos internacionais e militantes que atuam pela independência do Saara Ocidental. “Hoje, ocorrem 104 greves de fome, em protesto pelas violações aos direitos humanos. Temos 511 desaparecidos desde 1975”, alerta Lagdaf. A presença militar no território também incomoda quem circula pela região desértica. “Para cada saaraurí, existem três militares marroquinos.”
A República Árabe Saarauí Democrática, é dividia em duas partes. O lado ocidental é ocupado e o oriental, que é 30% do território, livre. O que divide as duas áreas é um muro de 2,6 mil quilômetros, “que é guardado por milhares de soldados marroquinos, além de radares com tecnologia israelita”, explica Lagdaf. Há forte repressão à manifestações relacionadas a valores nacionalistas. “Por exemplo, se uma criança, na escola, levantar uma bandeira do Saara ou exaltar o país, é expulsa.”
Apesar das negociações em curso, Karim Lagdaf alerta que os limites entre a paz e o conflito podem ser estreitos. “A juventude está formada, está disposta a sacrificar-se e têm um motivo: seu país está ocupado.” Essa mesma juventude tem se estruturado, inspirada na Primavera Árabe, na internet para se manifestar. “Hoje temos rádios e TVs pela internet, estou aqui (Brasil) e recebo diariamente informações e imagens do meu país.”
A comitiva segue, nesta segunda-feira, para o Uruguai, e no final da próxima semana estarão novamente no Brasil e tentarão audiências com representantes do governo brasileiro.
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