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A contaminação das águas e o cérebro - Por Fulvio Alexandre Scorza

Evidências epidemiológicas demonstram que os níveis de alumínio na água potável estão relacionados à incidência da Doença de Alzheimer

Exposição “Dá para ser diferente”, sobre a poluição plástica, no Aquario.Créditos: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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De forma sensível e inteligente, o músico e compositor Guilherme Arantes, na música Planeta Água, em 1981, nos alertava a sobre a importância da água como um recurso vital e um chamado à consciência ambiental em relação aos recursos hídricos.

?Realmente, a água é um nutriente essencial necessário para a vida. A água é a principal constituinte das células, tecidos e órgãos e representa 50-70% do peso corporal de um adulto jovem. As diretrizes atuais recomendam que adultos sedentários bebam em média 2 litros de água diariamente, uma vez que o funcionamento ideal dos sistemas do corpo humano, incluindo nosso cérebro, requer um nível suficiente de hidratação.

?Sem pormenorizar, a melhor fonte de água é, surpreendentemente, a própria água! O Brasil é privilegiado, pois em nosso país estão 11,6% de toda a água doce do planeta. Catastroficamente, a má qualidade dessa água apresenta graves implicações para a saúde da nossa população, inclusive para nosso cérebro. As consequências adversas dos contaminantes ambientais presentes na água potável estão associadas ao declínio das funções cerebrais e ao possível surgimento de doenças neuropsiquiátricas.

De fato, os produtos químicos que chegam ao abastecimento de água residencial provenientes dos processos industriais, principalmente os sais inorgânicos e compostos orgânicos, representam riscos para a saúde e impactos neurológicos avassaladores.

Em estudos animais, a incidência de tumores cerebrais aumentou com a presença de acrilamida na água potável, uma tendência similar apresentada em estudos realizados com seres humanos. Além do mais, casos de intoxicação tem sido observados após o consumo de água de canos ou poços recentemente rebocados (reboco preparado com acrilamida).

Dessa forma, foram observados efeitos neurotóxicos graves nesses indivíduos, incluindo ataxia (dificuldade ou incapacidade em manter a coordenação motora), alucinações (indivíduo tem convicção de que está vendo, sentindo e/ou ouvindo coisas) e distúrbios de memória. Além disso, o escoamento de materiais aplicados às culturas agrícolas (ex., resíduos de agrotóxicos) geralmente escoam para as fontes de abastecimento de água e trazem graves impactos à saúde cerebral.

Assim, tem sido demonstrado que alguns tipos de agrotóxicos (ex., carbamatos, organoclorados e organofosforados) podem causar sérios danos ao cérebro, sendo considerados potentes fatores de risco para o surgimento de doenças neurodegenerativas.

Ademais, a exposição dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais (populações do campo, da floresta e das águas) aos agrotóxicos potencializa o surgimento de casos de ansiedade e depressão, podendo levar, em última instância, à ideação suicida ou ao ato em si. Ironicamente, outra ameaça à qualidade dos reservatórios de água está relacionada aos procedimentos destinados a melhorar a potabilidade da água. A alumina, material prejudicial para clareamento e precipitação de matéria orgânica, pode aumentar o teor de alumínio na água.

Nesse sentido, evidências epidemiológicas demonstram que os níveis de alumínio na água potável estão relacionados à incidência da Doença de Alzheimer (DA), e que os pacientes com DA apresentam acúmulo excessivo de alumínio no tecido cerebral.

Paralelamente, a exposição crônica a metais tóxicos presentes na água potável (ex. arsênio, chumbo e cadmio) resulta em alterações cognitivas e redução das funções sensoriais e motoras. Outro aspecto importante é a contaminação das águas por resíduos de medicamentos. De fato, estudos recentes tem demonstrado que a presença de resíduos de medicamentos no meio ambiente (ex., alimentos e água para o consumo) são capazes de causar efeitos adversos no desenvolvimento cerebral, tornando-se um sério risco à saúde e à vida das gerações atuais e futuras.

?Em linhas gerais, o consumo ou ingestão de água contaminada é um sério problema de saúde pública. Até quando iremos ignorar a resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada em 28 de julho de 2010, declarando que o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico é um direito humano fundamental?

*Fulvio Alexandre Scorza é neurocientista, professor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP) e consultor científico da Unidade de Neurocirurgia da Beneficência Portuguesa de São Paulo.