DEBATES

Em defesa da política de permanência estudantil da UERJ

Não queremos uma universidade de excelência só para a elite. A universidade pública abre o caminho para a ascensão social dos estudantes socialmente vulneráveis

Ricardo Lodi.Créditos: George Magaraia
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É com tristeza e com apreensão que assistimos  ao acirramento das tensões entre os estudantes e a reitoria da  UERJ, em razão da edição do Aeda 38/2024, que o movimento estudantil já denominou de Aeda da Fome. 

Nesse momento de dificuldades institucionais surgem vozes,  internas e externas, condenando a política de permanência estudantil implementada pela gestão Orgulho de Ser UERJ.  Alguns procuram associar o incremento orçamentário que a Universidade vivenciou a uma exploração caluniosa, lavajatista e eleitoreira do tema dos projetos de descentralização orçamentária, apostando que as pessoas não saibam que os recursos dos projetos pertencem às secretarias e não se relacionam em qualquer medida ao orçamento da UERJ, e que as dotações orçamentárias de um exercício não se comunicam com as dos seguintes.  É um argumento que não consegue ficar de pé por si próprio, mas que procura deslegitimar as políticas de permanência estudantil a partir da criminalização e silenciamento dos seus viabilizadores.

Outros dizem que instituímos a maior política de permanência  estudantil da América Latina sem lastro orçamentário visando a uma campanha para deputado federal.  No entanto, essas políticas,  estabelecidas em 2020 e 2021, no auge da pandemia, se justificaram pela urgência das medidas naquele momento, não se relacionando a qualquer candidatura. Esta acabou sendo fruto, em 2022, do reconhecimento público em relação ao sucesso dessas políticas.  Reduzir a importância da permanência estudantil a uma suposta pretensão política do reitor é ignorar as lutas históricas de nossa comunidade e criminalizar a política.  Já vimos e continuamos vendo que essa postura leva ao isolamento institucional e ao esvaziamento orçamentário.

Na verdade, o que se denominou de pequena revolução da Uerj foi viabilizado financeiramente pelo desafio assumido pela gestão que teve início depois da grave crise financeira de 2016-2019, a fim de superar tais dificuldades agravadas pela pandemia. Assim, foi obrigada a buscar novas soluções orçamentárias. E nesse contexto soube identificar que o Estado do Rio de Janeiro não cumpria o índice constitucional da educação, que a ela dedica 25% da receita dos impostos estaduais, e apresentou propostas para auxiliar o atingimento dessa meta, com o investimento em ensino, pesquisa, extensão, inovação e assistência estudantil, contexto em que se inseriu a criação e majoração das bolsas discentes. Mas, para além destes, foi uma política pública dirigida a todos, inclusive com a criação do prodocência e ampliação do prociência e das bolsas de extensão, expansão territorial, lastreados pela aprovação pela Alerj da lei de incorporação da UEZO.  E esses direitos não foram considerados violações ao regime de recuperação fiscal, legislação infraconstitucional, por se destinarem ao cumprimento do índice constitucional.  Conseguimos que esse entendimento prevalecesse e acabamos beneficiados com o aumento dos investimentos  na educação, ciência, tecnologia e inovação em nossa Instituição.

A UERJ identificou o problema do Estado, apresentou soluções e colheu os frutos disso, atendendo às demandas históricas represadas por tantos anos de crise.   

Com diálogo interinstitucional, obtivemos a anuência de um governo de outro campo político à nossa pauta inclusiva, e não à pauta da austeridade seletiva da recuperação fiscal. Houve a capacidade de fazer a UERJ se tornar prioridade para as opções de investimento que a legislação financeira oferece, com vistas à  manutenção e ao crescimento da instituição.

Deste modo, não é verdadeiro procurar atribuir à gestão anterior a responsabilidade sobre a crise atual, uma vez que suas políticas públicas estavam legitimamente instituídas, com lastro no orçamento destinado à UERJ e em consonância com as propostas orçamentárias definidas pela comunidade acadêmica no Conselho Universitário.  Nosso esforço diário sempre foi transformar o que era previsto na Lei Orçamentária Anual em algo próximo ao que era aprovado pelo Consun. Até o final da gestão esse processo foi exitoso, o que contribuiu para a mudança na vida das pessoas, fazendo com que a nossa Universidade pudesse potencializar a sua missão de maior projeto de inclusão social do Estado do Rio de Janeiro. 

Neste momento de crise interna, é fundamental reconhecer a importância das políticas de permanência  estudantil, que a UERJ, pioneira na introdução do sistema de reserva de vagas, ocupou posição de vanguarda, eliminando, por aqui, o aumento na taxa de evasão que outras universidades conheceram no período.  

Superada a pandemia, foi essencial que tais políticas tenham se tornado permanentes para manter nossos estudantes na UERJ, o que foi garantido até o final da nossa gestão.   Afinal os sonhos não se interrompem. 
 
Entendemos que bolsas e auxílios não são esmolas, e nem são demasiadas, mas são pressuposto para que as políticas de permanência estudantil sejam levadas a sério, como prioridade, assim como os auxílios criados para técnicos e docentes, com fundamento na lei de incorporação da UEZO.

Não queremos uma universidade de excelência só para a elite. A universidade pública abre o caminho para a ascensão social dos estudantes socialmente vulneráveis. 

A crise atual não se resolve com repressão ou criminalização de estudantes, pois há muito superamos o tempo em que a questão social era uma questão de polícia.  Sairemos desse grave quadro em que nos encontramos com diálogo, para dentro e para fora da universidade, união e respeito aos direitos conquistados pela comunidade universitária. 

Nossa luta sempre foi essa e continuará sendo.

*Ricardo Lodi é ex-reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), professor de Direito Financeiro e advogado.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.