No governo Bolsonaro houve uma verdadeira farra de emendas parlamentares ou o chamado “Orçamento Secreto”, em que deputados direcionavam recursos federais aleatoriamente para manipular o orçamento público, politicamente. Isso serviu para agradar bases eleitorais ou mesmo criando ralos de corrupção. Como consequência, criou-se uma desorganização completa da relação do parlamento com as ações do governo federal.
O governo Lula, por outro lado, reduziu esta influência do parlamento, procurando organizar minimamente a questão. O governo criou o chamado “PAC Seleções”, que incentiva os deputados a direcionarem recursos para obras prioritárias. O problema está na ponta, nas prefeituras. O governo de Ricardo Nunes, por exemplo, que se aliou a Bolsonaro, tem recusado emendas parlamentares de deputados governistas, por pura questão eleitoreira.
As deputadas federais Tabata Amaral (PSB) e Erika Hilton (PSOL) direcionaram R$ 10 milhões em emendas parlamentares para construção de Caps na região da Zona Leste. Os Centros de Acolhimento Psicossocial (Caps) atendem tanto pessoas com doenças psíquicas, quanto dependentes químicos. A cidade tem apresentado problemas gravíssimos com o aumento significativo dos usuários de crack, na região central, mas, especialmente, na proliferação das chamadas “Cracolândias” nas regiões periféricas, que são praças e ruas em que usuários de crack se concentram.
Tabata Amaral é pré-candidata a prefeita pelo PSB, e conhece o problema em sua própria vida pessoal, quando seu pai foi tragado pela dependência no crack e faleceu. Idem para a deputada do PSOL, Erika Hilton, apoiadora de primeira hora de Guilherme Boulos (PSOL), que iniciou sua militância política na garantia de direitos para pessoa transexuais, sendo que a questão psicossocial é gravíssima para este público, pois a exclusão social e o preconceito agravam muito as condições de atendimento.
Ambas deputadas federais, de maneira absolutamente republicana, indicaram suas emendas parlamentares para obras de Caps na região da Zona Leste paulistana. A região também apresenta problemas ligados à proliferação das Cracolândias, onde o tráfico tem formado pequenos núcleos de usuários de crack em regiões periféricas.
Se na região central, o crack já era um câncer, que vem destruindo vidas humanas, nas periferias o problema se agrava. Falta um trabalho integrado e organizado entre Polícia Civil, Polícia Militar e GCM para combater o tráfico, papel do estado, do governo bolsonarista de Tarcísio, mas, principalmente, faltam recursos suficientes, para a assistência social e saúde mental. Seria fundamental, resgatar as pessoas, vítimas do crack, para reintegrá-las a uma vida social, e se livrarem do vício. É possível fazer isso sem recurso público, sem política pública e sem investimento? Óbvio que não!
É evidente que há uma sobrecarga absoluta do sistema público de saúde, e o problema é ainda maior na questão da saúde mental. Não é à toa que o problema do crack só tem crescido. Faltam políticas públicas e faltam investimentos.
É bastante intrigante que o governo Nunes tenha rejeitado recursos para esta pasta. O prefeito não anda pela cidade? Não vê que o problema do crack é gritante? Ainda mais na Zona Leste, região tão carente em vários aspectos. Ele conversa com a população para saber que a saúde mental é um problema gravíssimo? Que após a pandemia de Covid-19 só tem se agravado? Pessoas com depressão, síndrome do pânico, TDAH, dependentes do álcool e das drogas, entre outros só têm aumentado.
Mesmo com esta evidência que salta aos olhos do paulistano, parece que o prefeito tem preferido lançar obras de asfaltamento de ruas, e comemorar que o embelezamento da cidade está pronto para o período eleitoral, em detrimento de olhar para o cuidado humano, com a saúde mental das pessoas.
O governo Nunes tem despejado recursos para obras emergenciais, inclusive questionadas pelo MP, mas tem recusado recursos de deputadas federais preocupadas com a questão da saúde mental. Parece que, ao se aliar a Bolsonaro, o prefeito se tornou negacionista dos problemas da cidade, nega que exista um problema crônico de crack e saúde mental.
Esta postura antirrepublicana, polarizadora e até extremista não era a marca do falecido prefeito Bruno Covas, que era, inclusive, elogiado por opositores. Nunes sucedeu Covas, como seu vice, mas tem rompido esta prática democrática e republicana, ao negar estas emendas por puro melindre eleitoreiro. Infelizmente, a associação com o bolsonarismo e os extremistas de 8 de Janeiro tem posicionado o atual governante no polo dos negacionistas, daqueles que atentaram contra a democracia. Nunes passou a se recusar ao dialogo e a construção de políticas públicas fundamentais para a população. Essa postura divisiva, estreita e extremista, é péssima para a cidade.
Quem sai perdendo é a população, que continuará nas filas de atendimentos dos Caps, ou até mesmo desistindo de tratar as questões de saúde mental e dependência química. E, assim, se proliferam as Cracolândias, a miséria e o desdém com o ser humano. A politicagem precisa parar, São Paulo merece mais!
*Mateus Muradas é poeta, integrante do Fórum Social da Zona Leste e conselheiro municipal de políticas urbanas.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.